Elomar compõe e canta o sertão. Calma, não é aquele “ser - tão chato” que os covers de cowboy americano colocam estourando no som do carro, com as portas abertas (antes era só no interior de SP, MG e Goiás, mas há anos a praga se espalhou e é capaz de, em plena praia de Ipanema, que já ouviu coisas bem melhores, alguém parar o carro, abrir as portas e colocar aquilo para o mundo ouvir).
Voltando: Elomar Figueira Mello, baiano de Vitória da Conquista, estudou arquitetura na cidade grande, mas voltou-se à cultura de seu povo e tornou-se cantador, tocador de viola e trovador. Vive na roça criando bode, fazendo cercas, compondo e escrevendo. Elomar tornou-se historiador de seu povo e sua crença. Passou a cantar a caatinga e o sertanejo. Também já compôs músicas clássicas (várias óperas!) e tocou com a sinfônica de Moscou. Não é fraco não o malungo!
Seu violão é muito bom de ouvir. Bom demais. Milhões de vezes melhor do que aqueles violõezinhos chinfrins que você ouve num luau. Pense bem: prá que luau se você mesmo, eu sei, não gosta? Você vai só prá tentar pegar alguma gata, mas me conta, quantas vezes conseguiu pegar alguém num luau? Você vai lá, vê a menina que você está a fim se derreter pelos carinhas que tocam, não fica com ninguém e ainda tem que ouvir aquelas músicas chatinhas que todo mundo canta junto, com aquele sorrisinho besta na cara. O pior é que você tem que fingir que está gostando, até balança teu seu corpo prá lá e prá cá, mesmo sabendo que está ridículo. Até cantarola junto! Todo esse sacrifício para não ficar com ninguém!
No lugar disso, convida ela prá ouvir Elomar. "Elomar", ela vai perguntar. Responda: "Você vai mudar o seu conceito de música depois que ouvir? é de uma beleza e de uma sensibilidade como você nunca viu". Pronto, falou em beleza e sensibilidade: você se colocou acima daqueles chatinhos do luau. Por isso e pela curiosidade ela concorda e vai ã sua casa, é certo.
No lugar disso, convida ela prá ouvir Elomar. "Elomar", ela vai perguntar. Responda: "Você vai mudar o seu conceito de música depois que ouvir? é de uma beleza e de uma sensibilidade como você nunca viu". Pronto, falou em beleza e sensibilidade: você se colocou acima daqueles chatinhos do luau. Por isso e pela curiosidade ela concorda e vai ã sua casa, é certo.
Bom, mas é bom que antes disso você conheça um pouco do Elomar, é claro. Nada tema, com Tio Moa não há problema. Então vamos ao que você deve saber de início: a música do Elomar te leva, numa viagem calma, prá outro lugar, baby, onde a você pode sentir cheiro de assa-peixe (uma arvorezinha do mato que solta um cheirinho delicioso).
Esqueça aquela música dita sertaneja que você não suporta mais. Saiba que é possível cantar o sertão sem aquela insuportável voz de taquara rachada e, melhor que tudo, sem tremer a voz no final de cada frase como se sofresse de Parkinson!
Esqueça aquelas músicas, todas com a mesma melodia, sempre te dando a impressão de que no refrão vão cantar “daquele momento até hoje esperei você...”. Esqueça aquelas duplas (só tem duplas... deve ser proibido por lei cantar aquilo sozinho) que além de cantarem as mesmas melodias, cantam a mesma letra, só trocam as palavras. Esqueçam coisas como “Já não sei o que fazer - Outro amor não sei querer - Preciso tanto te esquecer” , ou “Eu não sei pq que eu fui te amar assim - Te dei meu sonho e você não me deu...”. Uau, não deu o quê? Aquilo? Chama a Cleycianne!!!
Esqueça tudo isso e conheça Elomar, que canta do jeito que realmente se fala lá dentro do Brasil, que não é o país das bundas e do futebol (adoro as duas coisas, mas tem muito mais do que isso no Brasil-zil-zil). Vou dar um exemplo e mostrar a letra de uma das músicas mais tristes e melancólicas que já ouvi, e mais lindas, também. Mas antes saiba que:
Ritirante: (de retirar-se – retirante) povo que sai de uma região por causa da seca ou pobreza, em busca de uma vida melhor, menos sofrida.
Incelença: forma de expressão musical típica do nordeste, usada para facilitar a morte dos agonizantes, de modo minimizar seu sofrimento.
Inhambado: mal sucedido, lascado.
Derna: desde.
Incelença pro Amor Ritirante
Vem amiga visitar/ A terra, o lugar/ Que você abandonou
Inda ouço murmurar/ “Nunca vou te deixar /Por Deus nosso Senhor”
Pena cumpanheira agora/ Que você foi embora/ A vida fulorô
Ouço em toda noite escura/ Como eu a sua procura/ Um grilo a cantar
Lá no fundo do terreiro/ Um grilo violeiro/ Inhambado a procurar
Mas já pela madrugada/ Ouço o canto da amada/ Do grilo cantador
Geme os rebanhos na aurora/ Mugindo cadê a senhora/ Que nunca mais voltou
Ao Sinhô peço clemência/ Num canto de incelença/ Pro amor que retirou.
Faz um ano in janeiro/ Que aqui pousou um tropeiro/ O cujo prometeu
De na derradeira lua/ Trazer notícia sua/ Se vive ou se morreu/
Derna aquela madrugada/ Tenho os olhos na istrada/ E a tropa não voltou
Veja o que é ver a vida com poesia: queixar-se de que até a mulher do grilo todo lascado aparece, mas a dele não. Ao dizer que ouve no mugido do rebanho a pergunta “cadê a senhora...?”, o autor, genial, transfere a emoção da saudade do caboclo para os animais, aumentando ainda mais a grandeza de seu sentimento pela mulher que tomou chá de sumiço. O que dizer então da dor de não tirar mais os olhos da “istrada”, esperando já nem mais pela mulher, mas por notícias dela? Assim é a boa poesia: profunda, doída, cheia de imagens, delicada, sutil e sobretudo bela.
Comente isso com a menina.
Elomar talvez seja o exemplo mais representativo da beleza da poética musical do sertão do Brasil, o Brasil que a gente não vê, não conhece, mas que tanto influenciou a nossa cultura. Essa música está no disco “Das Barrancas do Rio Gavião” e em outros de Elomar. O disco tem outras preciosidades, dentre elas “O Violêro”, que fala sobre a felicidade e a opção pela vida simples. Hoje falar disso dá um montão de dinheiro pros autores de livros de auto-ajuda (daí o nome auto-ajuda: ajuda quem escreve!), mas se tiver que gastar meu rico dinheirinho, prefiro ouvir Elomar dizer isto:
Si eu tivesse di vivê obrigado/ um dia inhantes dêsse dia eu morro...
Apois pro cantadô i violero/ só hai treis coisa nesse mundo vão
amô, furria, viola, nunca dinhêro/ viola, furria, amô, dinhêro não
Elomar não é só um grande letrista, não. Suas melodias também são lindas e ele canta/interpreta muito. Enfim, Elomar sabe que cobra parada não engole sapo. Tanto sabe que tem até um site, digo, porteira oficial (http://www.elomar.com.br/). Entra lá e peça lá uns discos. Sugiro, além do que falei, o “Na Quadrada das Águas Perdidas”, de 1978, um disco maravilhoso (o vinil é duplo - eu tenho um velho e um novinho, que garimpei recentemente num sebo e pelo qual paguei um preço bem salgado: nada mais justo) e “Elomar em Concerto” (1989), que tem uma versão fantástica da "Incelença...".
Se antes de comprar, quiser ouvir, procure em blogs e baixe. Ou passe lá em casa que a gente faz um sarau, digo, furria! Pode trazer a gata, ela vai adorar - depois me paga um vinho!
6 comentários:
Vou procurar sabre um pouco mais desse tal de Elomar, e assim que eu tiver observações consistentes à seu respeito a gente pode conversar melhor!rs... Mas, confio no seu bom gosto e com certeza deve ser muito legal...
=)
Tenho com ele o disco Consertão, lançado em vinil,tb. Além de Elomar, tem Arthur Moreira Lima, Heraldo do Monte e Paulo Moura. Um disco cheio de sensibilidade, melodias maravilhosas. Inclui instrumentais únicos, como Campo Branco e Festa no Sertão. E tem outra incelença: a "Incelença para a terra que o sol matou", suave e linda e, ao mesmo tempo, dura, dolorida. Grande disco.
Uau, que legal. Bom que agora estou aqui perto, poderei conhecer logo Elomar!
Valeu.
Moacir, proponho um luau Lá na Casa dos Carneiros (rsrs)26/27 de novembro, tem prévia do grande espetáculo de óperas brasileira, que acontecerá em 07/2011.Cenas Brasileiras é a "premessa" de uma noite perfeita, rica de sons e imagens criadas por um dos maiores gênios deste planeta,ELOMAR FIGUEIRA MELLO. Abraço. http://quadradadoscanturis.blogspot.com/
Sra dos sarsais,
Que programa fantástico! Olha que se driblar as condiçoes adversas, vou e levo alguns amigos. Obrigado pelo contato e pelo convite.
A beleza do Auto da Catingueira, esteve ao alcance dos olhos e ouvidos
dos "inleitos".
O impacto da audição levarei comigo, jamais
esquecerei nenhum detalhe.
Enquanto a flauta anunciava a arte maior de Elomar, me deparei com o
estado de beleza nunca antes
experimentado.
Chorei ao sentir a pele sendo repuxada pela memória musical de uma vida
toda, nem deu tempo de panos quentes pra me defender do abraço da
saudade maior que trago na vida.
Em lugar nenhum ai de se arreunir tantos elementos para dar mais sentido ao viver, do que além do portal das quadradas, lá para sempre estaremos Cilistrino, Antenôro, Dassanta premêra , Dassanta segunda, Tinga, Terenço, Maria o anjo de pés no chão (que saiu de Miguel ou foi de Mateus?), Sarsais, Alêxo, Andréia Faviela e quem mais vier e conseguir se enfronhar na indumentária .
Belo Horizonte mereceu a primeira encenação do Auto da Catingueira,
ô povo pra saber acolher e alentar!!
Salve, Thiago e familia que nos concedeu os ingressos para o avesso, lado do bordado que nos viesa.
Salve, Elomar Figueira Mello!!
A quem agradeço a reinvenção da vida.( essa é muito melhor em tudo, por tudo)
beijos
Cleide Lima/ Recife
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