quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

BELEZA POUCA É BOBAGEM

Jep Gambardella é um dândi, quase um Oscar Wilde italiano: paixão por arte, beleza, festas e boemia. Quase: escritor de um livro só, publicado há 40 anos, e gosto por mulheres bonitas e, mesmo aos 65 anos, elas também gostam dele. Homem rico e influente, respeitado pela mais altas esferas da sociedade de Roma.  
Cena de abertura: festa delirante, todo tipo de gente, vários deles personagens que estão sendo apresentados sem que saibamos. Depois de oito minutos de festa, temos o prazer de conhecer o protagonista, Jep, que nos propõe sua busca. A câmera se afasta e mostra a festa de longe. Nas nuvens a projeção “LA GRANDE BELLEZZA”. Essa abertura deixa claro: há algo muito especial por aí. Veja (som alto, por favor):



Encantador e carismático, Jep questiona o sentido da vida vazia em que todos fingem pompa para fugir da realidade do fracasso de suas vidas. Festas, conversas com o grupo de amigos, coquetéis, vernissages, museus e manifestações de arte contemporânea, e a pergunta irritante que ele não aguenta mais ouvir: “porque você nunca escreveu outro livro?”.

                 Se Foubert não conseguiu escrever sobre o vazio, quem sou eu para ousar?

Filme contemplação, em que a arte é um dos personagens principais. Ângulos e movimentos da câmera dão prazerosos. Os mais receosos de "filme de arte"podem pensar “ih, lá vem a chatice de filme cabeça cheio de cena criada com o único propósito de causar incômodo". Nada disso. Tudo é feito para o prazer e deleite. Filme prá se ver saboreando, com a mente quieta, coração tranquilo e a espinha do jeito que achar mais confortável (espinha ereta e cinema parece que não se bicam). 

Filme profundo e filosófico. Fiquem tranquilos os cismados: os personagens são muito divertidos e os diálogos inteligentes, cheios de pérolas de ironia e cinismo deliciosamente misturados às reflexões filosóficas. Amor e morte, vida e obra, luz e sombra.

Os dois caminham na madrugada das ruas de Roma.
Ele - E você, o que faz da vida?
Ela (Loira, bonita, corpão) - ... Eu sou rica.
Ele - Belíssimo trabalho!
Corta. Cama, depois do sexo.
Ela - Eu gosto de fotografar... Passo o dia todo me fotografando. Até nua... Adoro colocar fotos no meu facebook... Quer ver as fotos?... Vou buscar.
Ele, sozinho, suspira de tédio, vai à varanda. “Hoje, com 65 anos, a vida me deu discernimento suficiente para saber que não posso perder tempo com coisas que não quero fazer”.
Corta, ele andando só, lenta e prazerosamente, pelas ruas de Roma, em meio aos majestosos monumentos iluminados pela luz amarela que parece vir de décadas atrás.  

O fato é que, depois de exaltar, no post anterior, os bons filmes de entretenimento, gênero desvalorizado pela crítica, e de colocar em dúvida o modo como a crítica às vezes supervaloriza filmes chatos chamando-os de “filmes de arte”, eis que me coloco diante do extremamente bem avaliado novo filme do Italiano Paolo Sorrentino (do ótimo “Este é o Meu Lugar”, com Sean Penn - já apareceu neste blog). O nome, “A Grande Beleza”, altamente pretensioso, gera enorme compromisso. Mas Sorrentino cumpre o compromisso com folgas. Podia até chamar a beleza de Suprema, Gigantesca, Estratosférica, que estaria ok.

Transformador - As reflexões atingem o âmago da alma, talvez porque não sejam impostas nem sejam didáticas. São colocadas a conta-gotas, com imagens, músicas, diálogos, situações envolventes, personagens agradáveis. “A Grande Beleza” é, sim, um filme de arte, mas não daqueles que fazem o gênero “Olha como eu sou viajandão”, do Oliver Stone (nada contra - alguns são ótimos).

Gentes, turistas, artistas, arte, esculturas, praças, fontes, Deus, igreja, girafa. Não há uma cena sequer que não reserve algo onírico ou surpreendente. As músicas parecem entrar sempre no momento justo, no clima certo, para acentuar a emoção ou preparar a próxima cena.

Vernissage ao ar livre com a apresentação de uma artista de 10 anos, criança, portanto, que quer brincar, mas é levada ao palco na marra pelo pai.Chorando compulsivamente, ela joga tintas diretamente das latas na gigantesca tela, espalhando com as mãos. Jep se afasta e encontra um homem que tem um estojo com as chaves de alguns dos principais edifícios históricos de Roma. Uma espécie de guia que conduz Jep e sua namorada a uma excursão na madrugada pelo interior dos castelos e suas obras de arte. Ramona pergunta ao homem porque ele tem todas aquelas chaves. “Porque sou uma pessoa de confiança”.

À medida em que Jep se aprofunda na sua busca pelo sentido de sua própria vida, começam a emergir as inquietações espirituais e religiosas, e com elas surgem os personagens da igreja, sobretudo a “santa”, uma religiosa de 104 anos que fez voto de pobreza, não dá entrevista há mais de 40 anos, mas, bem impressionada com o livro de Jep, parece ter prometido uma entrevista a ele. Não há cinismo que resista a um mergulho profundo. Memoráveis as cenas finais, como a dos pelicanos no terraço e a subida da religiosa na escadaria de uma igreja.


Outro segredo do filme, um dos melhores deste milênio, é o ator Toni Servillo, que interpreta Jep Gambardella. É magnífica a forma como ele, com olhar e expressão, ora com sinismo, ora com emoçao, com sua voz aconchegante e próxima, interpreta as imagens que vê e as situações por que passa. Sua viagem ao centro do seu vazio, sua busca pelas respostas, seus risos e seus choros são tão mágicos que, quando menos percebemos, fomos nós que viajamos, nós que buscamos. Tudo muito simples. “No fundo, é só um truque”. 

Resistir ao que você leu acima e não se lembrar de nada daqui a cinco minutos é fácil, mas se você der uma olhada no trailer, duvido que você não vá correndo ao cinema: 



quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

CINEMA, SONHO, TEMPO E VIDA

Para que você vai ao cinema?

1)    Para aprender uma lição edificante? Bobagem: você pode até ser tocado pelo filme, pode até ter despertado algo em você. Mas isso só acontece como subproduto. Não adianta você decidir que vai amar alguém. Isso não depende da sua vontade. 

2)    Para viajar, sonhar e outras variantes? Legal. Há filmes que realmente nos proporcionam viagens, mas certamente há também aqueles que te deixam o tempo todo de pé bem no chão e ainda assim você pode gostar do filme e ter valido à pena a ida ao cinema. 

3)    Para, com sua inteligência acima da média, gosto refinado e conhecimento da sétima arte, classificar o filme, atribuindo-lhe algum conceito? Sério? Sabe aquela gente carrancuda que fala coisas como “ih, filme de adolescente... To fora”? Ou aqueles que fazem cara de nojinho e disparam um “credo, comedinha romântica hollywoodiana!”? Essa gente “culta” se apropriou da expressão “cult” para classificar filmes “inteligentes”. Essa gente só gosta de filme sério, “com conteúdo”. Santo Deus! Já viu que eles sempre torcem o nariz e dizem “Muito clichê!”? Não podem saber que nada parecido já tenha sido feito antes que já vêm com o indefectível “clichê demais”. Na verdade, querem dizer com isso que sabem de tudo, que já leram muito, já estudaram muito... Muito mais que você, inclusive. 

4)    Para relaxar e se divertir? Sério? Você respondeu isso? Bingo!!! Você sabe que relaxar, no cinema, não significa pronunciar o “om”, ter uma experiência em que seus sentidos repousam sonolentos e tudo fica muito tranquilo. Relaxar no cinema significa obter um alvará da vida-lá-fora e firmar um contrato com o filme: você concorda em deixar de fora seu rancor, largar de ser chato, acreditar que aquilo está realmente acontecendo e ser apenas observador. A contrapartida do contrato é que o filme se compromete a te levar, através da qualidade da dupla arte/tecnologia, para dentro dele e te surpreender.

Se você não está relaxado no cinema, o filme não vai te surpreender, como você não será surpreendido se, mesmo relaxado, o filme não tiver qualidade.
Uma boa parte dos críticos de cinema está enquadrada no item 3 (pessoal que arrota sabedoria, para os quais um filme bom tem que ser chato), como muita gente comum por aí também está nessa, dentre os quais formadores de opinião, gente culta que vive torcendo o nariz para filmes românticos ou que seguem o “formato hollywoodiano” (eles adoram “acusar” filmes dessa prática terrivelmente criminosa) e idolatrando filmes com qualidade, sim, mas chatos, como “Um Estranho no Lago”, por sinal um filme do caralho! Não foi gíria, o filme é literalmente do... do membro, este que também tenho um e que prezo tanto, mas que procuro não mostrar quando não devo ou não preciso.

Há, evidentemente, e creio que sejam a maior parte, críticos que sabem diferenciar clichê bem colocado de clichê por falta total de criatividade; um bom filme de adolescente de um filme de adolescente ruim; uma comédia romântica sofrível das excepcionais, daquelas que cumprem plenamente a missão de divertir, relaxar, e que ainda ousam se enveredar para te fazer viajar, sonhar e até provocar mudanças.
Este é exatamente o caso de “A Vida Secreta de Walter Mitty”, dirigido e estrelado por Bem Stiller, inimigo número um dos “cultos” e de “Questão de Tempo”, que marca a volta de Richard Curtis, responsável pelas magníficas (cultinhos, preparem-se) comédias românticas “Simplesmente Amor”, de 2003 e “Um Lugar Chamado Nothing Hill”, de 1998. Ambos em cartaz nos cinemas.

Sobre Bem Stiller, estão dizendo que o filme mostra seu crescimento. Sem dúvida, dá prá ver que melhorou, e muito, como ator (ótima transição sonho/realidade, sem afetação) e como diretor, mas muitos só dizem isso porque “Walter Mitty” não é uma “daquelas” comédias que ele fazia. Entenda-se: comédias de “puro entretenimento”, outro “crime”. Crime que ele certamente cometerá de novo, afinal, não dá para negar a qualidade do entretenimento das séries “Noite no Museu” e “Entrando Numa Fria”, por exemplo.

“Walter Mitty”, evidentemente, é muito superior: uma deliciosa, bem contada e bem filmada história sobre um cara (essa gente careta e covarde, cantaria Cazuza), incapaz de viver uma aventura, de viajar, de se declarar para uma mulher, mas que, literalmente, sonha acordado, sonhos lindos, agitados e divertidos. Ótima trilha, tomadas bem cuidadas, locações fantásticas, bom gosto. Um daqueles filmes que deixam a gente prá cima e que dá para se assistir várias vezes, não para descobrir tramas ocultas nem para entender melhor, mas para divertir-se mais e mais, com cenas encantadoras como a que Stiller imagina Kristen Wiig cantando, para encorajá-lo, uma música do David Bowie.


Já “Questão de Tempo”, do atual rei da comédia romântica inglesa (a melhor que há), não é, como os jornais estão estampando, uma comédia romântica. Apesar do constante humor, nem comédia é. É um filme com a mesma temática do “Walter Mitty”: viver a vida. Um jovem que não consegue namorar descobre que tem uma herança genética dos homens da família: pode voltar ao tempo. Um filme inteligente na sua engenharia para explicar as viagens no tempo e seus reflexos, mas muito simples. Por exemplo, não há máquina do tempo: basta ir para um lugar escuro, fechar bem as mãos e pensar onde e quando reviver sua própria vida. Não dá para ir lá atrás e comer a Cleópatra, como explica seu pai (o sempre charmoso e divertido Bill Nighy – o cantor do “Simplesmente Amor”). 

Filme daqueles em que sutilmente todos os personagens, até os mais extravagantes, vão nos conquistando. Simples, romântico e sensível, “Questão de Tempo” só peca quando, a dois minutos do final, resolve explicar com palavras o que todo mundo já entendeu, aí sim, clichê dispensável, soando liçãozinha de vida de Paulo Coelho. Só que nosso escritor que mais vende é sempre assim, chatérrimo. Quanto ao filme, não será um minutinho que vai tirar a beleza e delicadeza do retorno de Richard Curtiz.
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