Amelie era uma cachorrinha mui da sui generis: gostava de
pessoas, até de companhia, mas não era tida a abraços, muito menos a colo. Não
gostava de contato físico. Desde pequeniníssima, só mamava na Lilica quando os
irmãozinhos deixavam suas tetas e o caminho ficava livre.
Sabe o Ricky Gervais, no Ghost
– Um Espírito Atrás de Mim, que é um dentista que escolheu a profissão por
ser a única em que o cliente não pode falar enquanto ele trabalha? A Thea Leoni
o convida a ir a uma inauguração, diz “vai
ser legal, vai ter muita gente”, “agora
mesmo é que não vou”, “não gosta de
multidão?”, “não, nem das pessoas que
a compõem”. Então, assim era a Amelie. Ficava no nosso colo, o colo dos
donos, não mais que dois minutos e saía logo pro seu canto. Mas no colo da
Nilce, uma amiga nossa, a Amelie ficava. E ficava um tempão! Esquecia da
vida...

Quando víamos TV em casa, a Aline dormia logo e a Nilce ficava
falando, é claro. “Não precisa responder
não, viu, Moacir, pode prestar atenção no filme, que eu não ligo”, e
continuava falando. Aquela mulher tinha algo inexplicável, um jeito de ver as coisas,
um jeito espontâneo, uma alma de silicone, que pode esquentar o quanto for, que
não queima, não machuca. A Nilce fazia a gente se sentir bem. E a Amelie lá,
quietinha, no colo dela. Cachorro entende a alma das pessoas.

Amelie se foi há pouco. Logo em seguida, a Nilce a seguiu. Ou foi o contrário? Nem lembro mais.
Que
todos os cachorros merecem o céu, já sabemos, mas onde eles ficam por lá? Será que no
céu existe um lugar específico para gente muito especial? Ok, as leis recebidas
na tábua de Moisés, e sei lá mais que outras leis que inventaram para
classificar as pessoas na hora da travessia, dizem que quem as segue, vai para
o céu. Digamos que isso seja verdade, e espero mesmo que seja. Mas, venhamos e convenhamos: imagina que porre
seria ficar a eternidade inteirinha ao lado daqueles que apenas não pecam. O papo seria a bem-aventurança eterna, o cultivo de lírios do vale, o
triunfo do bem sobre o mal, todos desfrutando de frozen iogurte e saladas com
sementes de chia e linhaça, que servem de graça no céu. Meu Deus, me poupe!
Estou convicto de que o céu guarda um lugar específico para gente
que é especial demais e que faz este mundo ser mais gostoso de ser habitado. É
neste lugar que a Nilce deve estar, com a Amelie no colo, esperando por aqueles
de quem ela se cercava.
Saiba, cara Nilce, que pretendo te fazer esperar muito, muito, muito tempo, ok? Por enquanto, vai conversando aí com a Amelizinha – ela não vai te responder nada, mas estará
adorando te ouvir.
Um comentário:
Obrigado pela definiçao tao verdadeira e justa .Bem se vê que a conheciam muito bem,esta e verdadeira Nilce, minha irmã.que os respeitava e os amava muito , aliás onde esta continua sendo o que era por aqui. A essencia nao se muda .
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