terça-feira, 30 de agosto de 2011

OS 10 MAIS - CLARA CROCODILO

Meus delírios nervosos
Cansei de esperar por ela
Toda noite na janela
Vendo a cidade a luzir
Nestes delírios nervosos
Dos anúncios luminosos
Que são a vida a mentir
Veio-me essa música ao olhar, pela janela, as luzes da cidade piscando como estrelas no oceano negro da noite. Trata-se de uma música do Silvio Caldas com poesia de Orestes Barbosa, o mesmo que escreveu este outro presente para a vida:
A porta do barraco era sem trinco
E a lua furando nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
Tu pisavas os astros distraída...
Bastariam esses dois pequenos trechos para colocar Orestes Barbosa entre os grandes poetas brasileiros, mas como a poesia feita para música, neste país iletrado, não atinge o status de poesia, você, sobrinho apedeuta (não por sua culpa), pode nunca ter ouvido falar do cara, embora saiba que José Sarney pertence à Academia Brasileira de Letras. Ah, não dá para deixar de mencionar que Silvio Caldas compôs as duas melodias, imortais. Esta última se chamaria “Foste a sonoridade que acabou”, não fosse o poeta Guilherme de Almeida sugerir chama-la de “Chão de Estrelas”. Guilherme de Almeida escreveu, 30 anos depois:
"Nem de nome eu conhecia o autor. Mas o que então dele pensei e disse, hoje o repito: uma só dessas duas imagens - o varal das roupas coloridas e as estrelas no chão (... ) - é quanto basta para que ainda haja um poeta sobre a terra".
E tem mais. Manuel Bandeira escreveu o seguinte sobre Orestes:
"Se se fizesse aqui um concurso (...) para apurar qual o verso mais bonito de nossa língua, talvez eu votasse naquele de Orestes: ‘tu pisavas os astros distraída..."'
A primeira letra, moderníssima, que fala de delírios nervosos dos anúncios luminosos, é “Arranha Céu”, cujos versos foram gravados (no início dos anos 80) no interior do meu crânio, por um tal de Arrigo Barnabé, que a recita em “Diversões Eletrônicas”. Os versos, compostos décadas, antes haviam lhe servido de inspiração para uma das criações mais delirantes e revolucionárias da música brasileira. Isso é mais uma prova de que só se faz algo inovador e revolucionário com conhecimento do passado. Por isso, quem quer ser moderno, tem que conhecer o antigo, músicas, livros, filmes, etc.
Se neste momento me disseres “Ah não, Tio Moa, vou ter que ver aqueles filmes em preto-e-branco? Que horror!”, responder-te-ei: não me chame de Tio Moa, você não é meu sobrinho, saia já deste blógui!
A quem quer arranhar o céu
Aos sobrinhos malucos do Tio Moa, que gostam da verdadeira arte, que saboreiam a invenção, bebem ousadia, fazem amor com o inusitado e sonham alto a ponto de arranhar o céu: houve um tempo em que se ousava muito, em que se criava num nível muito mais profundo que nos tempos atuais. Hoje (sem inútil saudosismo) a criação é rasa e muito limitada a “releituras criativas”, já que as artes, de modo geral, e a música, especialmente, pouco fazem senão repetir modelos (vejam a onda retrô, verdadeira obsessão, não trazida por outra coisa senão pela preguiça ou incapacidade de criar).
Noite muito fria de inverno no início dos anos 80, arquitetura arrojada do Teatro de Arena do CCC, em Campinas. Ao ar livre, com névoa, nuvens esparsas e estrelas tímidas, Arrigo Barnabé com seu sobretudo negro e cabelos volumosos, regia o revolucionário e performático Clara Crocodilo, show do disco que contém a delirante “Diversões Eletrônicas”, que havia ganhado um festival da TV Cultura anos antes e que, pasmem, foi inspirada na mesma Arranha Céu.
Clara Crocodilo, o disco, retém tudo aquilo, mas com maior qualidade no tratamento sonoro, coisa que, evidentemente, um show ao vivo não consegue. Como toda obra revolucionária, não é um disco fácil de ouvir, mas os ávidos sobrinhos do tio Moa, dotados, além de alma, de bons ouvidos, se deliciarão.
Trata-se de uma experiência sonora e sensorial arrebatadora. As músicas, atonais e dodecafônicas, de Arrigo, são construídas sobre um piano descontrutivista (expressão que não significa nada além de “ouça que é bom, diferente, mas bom”) de Arrigo, sobre metais (trombones, clarinetes e sax), e sobre um outro naipe de metais, mas este extraído de vozes de sopranos femininas, Susana Sales, Tetê Espíndola e Vania Bastos (todas depois construíram sólidas carreiras solo). Como exemplo, o delirante refrão “Era um balcão de bar de fórmica vermelha”, em “Diversões Eletrônicas”, repetido por longos minutos, substitui o que normalmente seria o papel dos metais, enquanto estes ficam solando transversalmente, enquanto a voz arranhada de Arrigo narra as epopéias urbanas. Os temas: o amor fácil, o desejo e a cena noturna das grandes cidades, aquelas dos anúncios luminosos.
O disco todo é uma experiência, mas alguns momentos são particularmente magníficos, como o coro do balcão de fórmica vermelha, especialmente quando ele é retomado após uma pausa com um canto quase operístico, quando os metais também retornam num glorioso petardo.


Canto quase de ópera, praticamente à capela:
Depois, quando clareou
E eles foram pro hotel
Ela viu um bêbado jogado no chão
E sorriu perversa
Sorriu perversa
Sorriu peeeerveeeeersaaaaaa
Aqui é retomado o tema principal:
Só você não viu
Mas ela entrou, entrou com tudo
Naquele antro, naquele antro sujo
Você nunca imaginou, mas eu vi
No luminoso estava escrito
"diversões eletrônicas"
E aqui voltam os metais pesados e o refrão pesadíssimo:
Era um balcão de bar de fórmica vermelha
Que momento!!!
O caos que se estabelece em muitos momentos é apenas aparente: todos os instrumentos e vozes sabem muito bem para onde vão e quando voltarão a se encontrar. E esses reencontros são êxtases.
Clara Crocodilo é um dos 10 mais importantes discos da música brasileira, segundo o prestigiado crítico musical Tio Moa.  Mas há três recomendações para ouvi-lo:
- coloque em alto volume;
- pare na frente das caixas de som e se deixar conduzir;
- tire da sala quem você acha que não está preparado.
Para muitos críticos, Clara Crocodilo é uma obra-prima que seria o marco inicial da terceira revolução da MPB (depois da Bossa Nova e da Tropicália). A tal revolução não se confirmou, ou não se popularizou, porque logo em seguida veio um movimento muito mais acessível ao povo, o do Rock Nacional de Titãs, Barão Vermelho, Legião Urbana e tantos outros. Não foi popular, mas é imortal e influenciou a criação cultural (Humberto Laraia usou o sobretudo e algumas falas de Arrigo)
Epílogo: viajar é mais, eu vejo mais a rua
Clara Crocodilo não é um disco para se ouvir todos os dias. Mas quando se ouve uma vez, tem que se ouvir várias vezes seguidamente. E nestes dias em que o ouvi várias vezes, as sensações da época em que o conheci me vieram fortes nesta gelatina cinza que carrego atrás dos olhos e neste músculo sanguinolento que fica bem no centro do meu peito (se no teu peito fica à esquerda, vá a um médico com urgência).
E justamente neste final de semana pintou uma festa na casa de uma figura ímpar da minha vida e daqueles tempos, o Ari, que já apareceu discretamente num ou noutro pôsti sobre o Cobra Parada. E lá, além de rever o Ari, para quem o tempo não passou, acabei revendo um mestre, o Zé Mauro, com quem tive aulas de teatro no início da formação do Cobra Parada. Mais que técnicas de teatro, que qualquer um poderia passar, o Zé me passou o espírito combativo, a alma artística, o amor pelo trabalho e o jeitão de ensinar, que carrego ainda hoje, como professor universitário.
Zé Mauro uma vez me fez um elogio público, comentou a um grupo que eu era um louco responsável. Veja bem, sobrinho atento: não era algo do tipo “é louco, mas é responsável”. Não: era um elogio igual, equilibrado, tanto à loucura quanto à responsabilidade. Isso mudou a minha vida, porque me carregou de das responsabilidades de ser responsável e de ser louco, responsabilidades que procuro honrar até hoje.
Viajar no tempo é bom demais, principalmente quando a viagem nos traz bônus extra: os leitores que, por algum motivo explicável pela psicologia, lêem costumeiramente este blógui, sabem o impacto que me causou o “Meia Noite em Paris”, do Woody Allen, em que o protagonista viaja no tempo a partir de um carro que parava à beira de uma escada numa rua de Paris. Pois o Zé Mauro, que acaba de retornar de quatro anos na cidade luz, contou-me que passava diariamente por ali...  
Não sei se ela veio da lua ou se veio de marte me capturar
Só sei que quando ela me beija eu sinto um gosto diferente
(uma coisa estranha, um negócio esquisito)
Meio amargo do futuro

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A ÁRVORE DA VIDA

Contar Histórias
Dia desses vi um jogo incrível entre dois times franceses, que terminou 5 a 4. O jogo foi marcante porque, aos 41 minutos do segundo tempo, o time que venceu por 5 a 4 estava perdendo por 3 a 1. Ou seja, em pouco mais de sete minutos, contando os acréscimos, foram feitos 5 gols. Contei para alguns amigos, que se impressionaram. Sabe quando você faz sucesso com sua história? Também, com a história daquele jogo, qualquer um faria sucesso.
Mas e quando acontece alguma coisa em que você está envolvido, algo muito mais incrível do que um jogo de futebol, por melhor que tenha sido o jogo; algo que te cause um gigantesco impacto emocional, que mexa e remexa com você? Você consegue contar com o mesmo sucesso? Se foi algo de caráter subjetivo, espiritual ou psicológico, é muito mais difícil de contar. Sabe quando você conta, todo empolgado, todo emoção, algo para os amigos e eles “nem tchum”?  Broxante, não? Seriam eles insensíveis ou você não soube contar? Ou as duas coisas juntas?

Tem que ser artista
Experiências subjetivas são muito difíceis de traduzir em palavras e de transmitir com emoção a terceiros, por melhor que você seja como contador de histórias. Muito difícil, mas não impossível. Você terá que ser extremamente sensível e ser um grande artista para contar e fazer os outros viajarem na sua experiência. Ao contar a sua experiência, você tem que proporcionar uma nova experiência ao seu interlocutor se quiser que ele sinta algo parecido com sua emoção.
Não sei o que motivou Terrence Malick a filmar A Árvore da Vida, mas posso garantir, sem nenhuma pesquisa de notícias sobre cinema, que não foi algo simples como “vou fazer um filme”. Ou ele teve uma experiência transcendental, ou ele é a própria transcendência, ou seja, o próprio Deus, mas acho que não é isso não, até porque eu não acredito que exista um Deus. Só sei que ele soube contar essa história e transmitir todo o impacto e toda sua transcendência.  
A alma é o bilhete
Isso foi suficiente para emocionar quem vê o filme?
Voltemos a você e aos seus amigos insensíveis: mesmo que você conte sua história de modo perfeito, transmitindo algo que permita ao outro vivenciar uma experiência, vai depender de o outro se dispor a vivenciá-la e, mais que isso, conseguir vivenciá-la. Alguns se emocionarão com sua história, mas a outros ela não dirá absolutamente nada. A diferença é a alma. Há que se ter uma alma para se deixar navegar por algo subjetivo que está sendo contado, ainda que bem contado. Mesmo que muitos queiram viajar, há que se ter o bilhete de passagem, que é a alma. Não são todos que tem uma alma, estou absolutamente convicto disso.
Não existe alma sensível e alma insensível: ao ter uma alma você tem sensibilidade. Fique tranqüilo, leitor portador de alma: você é uma pessoa sensível, talvez lhe falte um pouco de traquejo com a alma, primeiro porque ela não vem com manual de instruções, depois porque a vida cotidiana não exige que usemos nossa alma, aliás, por vezes exige que não a usemos. Conselho: ouça boa música, veja bons filmes, se entregue às paixões, olhe para o céu, coma pipoca doce, ou até, tenho o direito da propaganda, leia este blógui.

Teste aos leitores que não estão certos de portarem ou não uma alma: coloque no fone de ouvido, em bom som, a nona sinfonia de Beethoven. Se você é incapaz de levitar, fique absolutamente tranqüilo: você não é um insensível, você apenas não tem alma. A má notícia, desalmado leitor, é que não se pode comprar uma alma. Se você não tem, paciência. Pare imediatamente de ler este pôsti e não pense, nem por brincadeira, ao cinema ver “A Árvore da Vida”. Não perca o seu tempo com essa bobagem que não passa de um exercício de irritar deliberadamente as pessoas com uma história sem pé nem cabeça em que aparecem até dinossauros, com um monte de black-outs sem nenhum sentido, ondas do mar, pedras, e nenhuma ação. Nada acontece senão um eterno cuidar do jardim ou horta ou as chatas brincadeiras infantis de crianças meio retardadas cuja mãe é uma ferruginosa até bonita, mas magra e sem bunda. E lá de vez em quando aparece o canastrão do Sean Penn, que não fala quase nada, só fica olhando para o nada com aquela cara de “sou ator dramático”. E chamam aquilo de filme!
Não é uma questão de gosto
Ontem, ao terminar a sessão, um cara ao meu lado, cuja justa irritação era notória durante todo o filme, vociferou: “que bom que terminou essa bosta de filme”. Ele estava certíssimo. Só errou ao não ter saído antes; podia ter se poupado do insuportável filme e da companhia dos chatos que fingem gostar de filmes “cabeça”. Não é uma questão de gosto. Só pode ser fingimento: impossível alguém gostar daquilo.
Não é uma questão de gosto 2
Como pôde ser visto, não basta ter uma história bem contada: é preciso que haja alma dos dois lados, de quem conta e de quem ouve. E se você chegou até aqui, suponho que tenha alma e disposição para navegar. E é exatamente assim, com alma e vontade de explorar oceanos ignotos, que se deve ver “A Árvore da Vida”. Não é uma questão de gosto, o filme é maravilhoso e ponto. Não é cinema comum: é uma experiência de amor, beleza, vida e espiritualidade que, gentilmente, Malick resolveu compartilhar com todos nós.
Ce ta pensando que eu sou lóki, bicho?
Repare que me referi a “navegar” para me referir às experiências que o filme proporciona. Evitei falar em sonhos e viagem, que têm sido muito utilizadas nas críticas do filme, mesmo nas positivas. É que viagem remete aos filmes “viajandões”, lisérgicos, psicodélicos, e sonhos remetem a cenas desconexas, a loucuras, e o filme não tem absolutamente nada de louco nem de “viajandão”.  É claríssimo e redondo como uma missa.
Deus, onde você estava?
O filme começa, pela voz da mãe, personificação da beleza e da doçura, falando da natureza e da graça. Ainda no início o casal recebe a notícia da morte do filho. Para quem quer imaginar a experiência: a mãe, ao receber um consolo do tipo “eu sei que a dor é muita, mas saiba que ela vai passar”, responde “eu não quero que passe”.
A mãe questiona a Deus: onde você estava? Ele, Deus ou o diretor, não sei, responde com 16 minutos de imagens alucinantes da criação do universo até as primeiras formas de vida na terra, com toda a dor e a beleza possíveis e uma música, um réquiem (Lacrimosa), que vai crescendo com as imagens até um clímax arrepiante (no meu caso a expressão é literal - me arrepiei inteiro, coisa de fresco?). Não é para qualquer um. O problema é a ansiedade que as pessoas têm de ouvir logo o próximo diálogo, ou ouvir uma explicação literal bem clara; só que os mistérios da vida e da morte não são claros. Dezesseis minutos sem diálogos, para quem não tem alma, é uma eternidade, uma tortura. Oras, relaxe e curta aquilo, que depois você faz as conexões, não necessariamente com seu cérebro, mas certamente com sua alma. Aliás, tem um trechinho aí abaixo. Só clique se você já tiver visto o filme, senão, segure a onde e primeiro veja na telona.

E aquela do...
A partir daí o filme alterna imagens do presente e do passado. Sean Penn é um dos filhos que recapitula sua infância e sua relação com os pais e com os irmãos, especialmente o morto. O ator jovem (não sei o nome) é impressionante. O pai (Brad Pitt), super austero, e a mãe, dulcíssima. Não há um discurso verbal, quem fala são as imagens, extremamente bem cuidadas e feitas com tamanha sensibilidade que parece que nós mesmos estamos recordando nossa infância. Os pontos de vista são sempre originais e parecem nos colocar lá, junto com eles, como mais um filho. O filme é inteiro composto por pequenas cenas de muita beleza e alto impacto. Num esforço de montagem gigantesco (aposto como ganha o Oscar de montagem), cenas de três, de cinco segundos, são dispostas de modo que criam um discurso claro e calmo, ao contrário do que normalmente ocorre quando há muitos cortes. Nesse aspecto o filme dá uma importante contribuição técnica ao desenvolvimento da linguagem cinematográfica. Mas isso pouco importa diante da beleza.
Eu poderia relacionar dezenas de pequenas cenas antológicas, maravilhosas, como a dos irmãos em lados opostos do vidro da janela, perto do final do filme. Uma ode à amizade e amor entre irmãos que deve durar uns 30 segundos, mas é inesquecível. Ou a cena do vento na janela balançando a cortina e derrubando o abajur, seguida pela casa mergulhada na água como se estivesse no fundo de um lago límpido e muito claro; o menino abre a porta e nada para fora, para cima; corte para sala de parto e o nascimento do bebê. Meu Deus!  E a da borboleta dançando com a mãe e pousando em sua mão? E a do pedido de desculpas do irmão? E a da festa que fazem quando o pai viaja? E aquela do...
Meu espelho Cristalino
A seqüência final é impressionante pela beleza e pela emoção absurda e indescritível que causa. Sean Penn, o ator mais intenso e econômico da atualidade, pouco fala, mas transmite tudo. Na cena final, com uma micro-expressão que só quem tem alma pode ver, ele nos diz algo claríssimo, embora não traduzível em palavras deste ou de qualquer outro idioma lingüístico.
Saí do cinema pequeno, sentindo o tamanho do universo, da vida, de deus, de seja lá o que for. Meus problemas viraram pó. O estresse que me acompanhava se dissipou. Saí da sessão pleno de amor, que era tanto que escorria abundante pelos meus olhos. Saí do cinema e entrei no carro para uma longa viagem. Fui acompanhado de minha santa mãezinha, de meus irmãos, minhas filhas, meu neto, meus pássaros e cachorros, vivos e mortos. Estavam comigo também o Seu Antonio e o Tio Osvaldo, a Julieta, a Carlota, o Woody e a Charlie. Acho que a humanidade, ao menos a minha, estava lá comigo. Foi a maior experiência religiosa da minha vida de ateu convicto.
A Árvore da Vida é uma obra prima que ultrapassa o próprio cinema. A Árvore da Vida é meu “espelho cristalino”, tem uma luz que me alumia... Vantagem econômica do filme: equivale a 30 anos de missa (eu ia quando garoto, para ganhar quindim do meu cunhado), a 280 sessões de terapia, a mil caixas de rivotril, vinte anos de leitura de livros de auto-ajuda e a seja lá o que for.
Neste momento, posso ver, da janela, mais de 30 quilômetros de luzes de uma cidade mergulhada na escuridão e na “insensatez do asfalto”. Tudo é tão pequeno...

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

AI MEU DEUS DO CÉU, AI MINHA VIRGEM MARIA

Se você sente saudade de alguém que está distante;
Se você está amando uma pessoa que está longe demais prá pegar o carro e ir a seu encontro;
Se você está feliz a ponto de publicar sua felicidade;
Ou mesmo se você está com saudade ou vontade de alguém que nem sabe se vai voltar a ver um dia;
Se você está triste porque está distante;
Se vivendo a sua vida, você sente a falta de alguém,
Não chafurde na lama, não mergulhe na dor, não seja uma anta!
No lugar de se afundar, aproveite a saudade para se levantar e siga o que diz esse pôsti do esquisitão do Tio Moa: ligue esse som aí embaixo, malungo!
(ouça bem alto, se necessário com fone de ouvido, E acompanhe a letra)
Se vivendo a minha vida
Sinto a falta de alguém
A saudade me levanta
Sai dizendo para mim
Na tristeza dê um fim:
Tecnologia é tanta!
Microondas, avião
Cumpra a sua função
Calme um coração que sangra
Com uma prova de carinho
Ou pedaços de lembranças
A voz de alguém num instante
E se um raio interromper
Estrondoso e casual
Essas ligações distantes
Que o fogo de um vulcão
Cuspa uma explicação
Que esclareça lentamente
Que o mundo é tão variado
Tanta exclamação que às vezes
Não se nota que é constante
Que uma banalidade
Gere uma canção gigante
Entre numa rádio e cante:
Música serve pra isso.
Música serve pra isso.
Música serve pra isso.
Música serve pra isso.
Como podem constatar os queridos sobrinhos do Tio Moa, ainda não existia esse treco de internet quando, em 1990, Mauricio Pereira e André Abujamra gravaram um disco sensacional. Eles formavam, apenas os dois, a autodenominada terceira menor big band do mundo: “Os Mulheres Negras”
A primeira música é essa espanta saudade que você acabou de ouvir. Ela enche o peito de alegria com um som delicioso que embala e levanta até os mais submersos. Música serve prá isso! Aliás, é esse o nome do disco, que tem milhares de pérolas (deixem-me em paz com minha conhecida superlatividade), entre elas uma música que também fala sobre comunicação: um telefonema de alguém que estava pensando na pessoa do outro lado da linha.
Ela só diz o seguinte: só te telefonei prá te contar que se tua orelha tá pegando fogo, to eu pensando em você. Apesar de a música pedir que seu corpo se mexa (coloque em alto volume e deixe que ela te levante e faça pular), a forma como a frase é dividida dificulta o entendimento, como a mostrar que nem tudo é tão fácil quando a gente quer comunicar algo simples à pessoa amada. (no link do clipe o som está ruim, a imagem está horrível, mas saiba: é sonzeira!)


Tetele
Fon
Nei
Práticon
Tar que se
Tua ore
Lhatapegandofo
Go

Eu
Pen
Sando
Envo

Se...
O disco é inventivo, surpreendente, inteligente, e muito, mas muito alto astral mesmo. Só pode ser do bem um disco que tem “Só quero um xodó”, do Gil, e um blues rasgado, pesado,  que começa com o título do pôsti: “Ai meu deus do céu, ai minha virgem Maria”.  Não dá para esquecer da delicadíssima e bela Imbarueri, pérola que está no link abaixo (em ótima qualidade de imagem – gravado há pouco tempo num reencontro da “banda” no Paraná - no disco o som é muito mais bem trabalhado, obviamente).

Talvez apenas para dar um contraponto a toda a leveza e alegria, o disco termina com uma tragédia, o nada-a-dizer dos casais em “Common Incomunicablity”. Apesar de trágica, a composição é maravilhosa, tem melodia belíssima a Cole Porter (calma, Fábio!) cantada divinamente com o timbre incomum do Maurício Pereira.
I been observin' you for a long time
you been observin' me for a long time too
I'd never say no to you
you would never say no to me
but we never talk each other
we never try
and life goes on in such a lonely way
that's just another case of common uncommunicability
Tudo bem, você pode até acreditar que isso não é uma tragédia, mas viver assim, convenhamos, não é o que a gente espera quando queremos compartilahr a vida com alguém. 

Este pôsti é dedicado a uma amiguíssima (viva, o Word não marcou de vermelho essa palavra!) de Brasília, que está toda feliz com seu amor, sua paixão, sei lá o que seja, por alguém geograficamente distante. Espero que logo essa distância acabe, se assim tiver que ser.

É dedicado também a alguém que me deu um toque muito legal e me inspirou este pôsti. Não reclame, leitor contumaz, por mais este segredinho...

Finalmente, este pôsti é dedicado à alegria que sinto neste momento, auxiliada, evidentemente, além da música dos M.N., por gentis doses de um rosé maravilhoso (Joaquim) apresentado pelo amigo Alberto. Falando nisso, "alegria" é um dos valores da faculdade em que leciono (e é por isso que trabalho lá – tudo bem, o salário também ajuda).

Para fechar, como bônus ao leitor que, por paciência ou por amizade, chegou até aqui, segue mais uma das centenas de milhares de pérolas do disco e, de novo, fala sobre comunicação: em Judith, o cara é apaixonado por ela, mas a moça se cala. Como você, amiga apaixonada, como eu e como toda pessoa que ama e que precisa que a outra pessoa dê um sinal de vida para darmos pulos de alegria, o cara apela:

“Por favor, querida, diga alguma coisa para mim, nem que seja simplesmente ‘Aí, garoto!’”.

Eu só quero um amor, que acabe o meu sofrer
Um xodó pra mim do meu jeito assim
Que alegre o meu viver

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