sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

BOLEIROS - NOSSO CREPÚSCULO DOS DEUSES

"Boleiros, era uma vez o futebol", disponível no Now (para assinantes da Net) e no Netflix (quem não assina é a mulher do padre) é um desses filmes memoráveis, que a gente assiste flanando, sem querer saber quem matou quem ou se o fulano (e, por projeção, a gente) vai ficar ou não com a bonitinha inacessível.

Boleiros começa com uma música inebriante que acompanha a câmera passear por fotografias de antigos ídolos do futebol, penduradas na parede de um bar, numa abertura que dá o tom nostálgico e melancólico que nos acompanhará. Ugo Giorgetti, com extrema sensibilidade e simplicidade, nos leva de modo romântico, como um canoeiro de Veneza que parece nem fazer força para remar, pelas histórias que os jogadores famosos do passado contam na mesa daquele bar. As histórias desfilam pelo filme como partes de um chocolate suíço que derretem, uma a uma, em nossa boca.

A primeira história, interpretada por Otávio Augusto, mostra um jogo em que um juíz comprado está desesperado para fazer com que um timeco incompetente ganhe. A reconstituição é ótima e o juiz, e aqui vai um paradoxo, está impagável!.

De dar nó na garganta é a história do orgulhoso Paulinho Majestade, ex craque que foge da imprensa, mas, precisando de dinheiro, coloca anúncio no jornal vendendo troféus e medalhas, atraindo um jornalista esportivo, interpretado por Cassio Gabus Mendes, que a muito custo consegue uma entrevista. A história tem participação elegante do cantor Silvio Cesar, num toque meio Billy Wilder de misturar e confundir os ocasos de personagem e ator (Marilyn Monroe em "Quanto mais Quente Melhor" ou Glória Swanson em "O Crepúsculo dos Deuses").

Também tocante é o monólogo final de Flávio Migliaccio, um dos ex-craques no bar, em um dos melhores momentos de nosso cinema. Só vendo... e engolindo seco. Mas há momentos de comédia, como a história do técnico (Lima Duarte) que vigiava seus jogadores na concentração para que eles não fizessem noitada. Estava dando certo até que uma maria-chuteira (Marisa Orth) desse bola para o pegador do time. Ou a engraçadíssima história do craque azul, que satiriza programas de rádio e principalmente mesas redondas. O trio Adriano Stuart, Rogério Cardoso e Flávio Migliaccio, grandes atores, dois dos quais já se foram, leva as conversar no bar de modo leve e competente e nos coloca lá, como se estivéssemos na mesa ao lado.

Intercalando as histórias de lamentos nostálgicos dos ex-boleiros com suas piadas sobre sua condição atual, Boleiros não deixa dúvidas: o magnífico Boleiros, o nosso "Crepúsculo dos Deuses", não é um filme sobre futebol, mas um filme de alcance universal sobre nossa dificuldade em aceitar a passagem do tempo, em nos livrarmos de nossa fase de maior sucesso que ficou para trás, e isso vale para tudo e para todos, para mim, para tu e para o rabo do tatu.

sábado, 31 de agosto de 2013

FRANCES... AH!!!



Sabe quando você está meio sem rumo, meio sem saber o que quer da vida?

Não sabe? Já sei, você é uma daquelas pessoas focadas... Um daqueles... sei; você sabe o que quer... Entendo. Vai ver, você mesmo faz o seu futuro. Já sei: é um vencedor! Pois ponha-se para fora deste blog. Sabe aquele “x”bem pequeno que fica lá no ângulo superior direito da tela? Ponha a maldita seta do seu fucking mouse ali e clique com gosto.

Pronto. Restaram como leitores apenas os meus iguais, ou os parecidos, ou mesmo os totalmente diferentes, mas que não se enxergam como o exemplo vivo das palestras motivacionais. Fico mais tranquilo em escrever apenas para vocês. Sim, porque gosto de imaginar que este blog seja para os perdidos, para os inconstantes, para os deprimidos, ou mesmo para os alucinados que, no lugar de “se focar” em apenas um objetivo, se maravilham com as centenas de possibilidades que enxergam, e só as enxergam porque levantam suas cabeças ou escalam montanhas.

Isto posto, voltemos àqueles dias, ou àquela fase em que estamos meio sem rumo, meio sem saber o que queremos da vida. Frances é uma dessas. Ela acha que quer ser dançarina, mas não parece ter certeza disso. Trabalha como professora de balé para crianças na espera ser escalada para o quadro principal das dançarinas da academia. Ela não percebe que não é muito boa nisso, então vai tomando tombo atrás de tombo.

O que ela gosta mesmo é de conviver com sua amiga Sophie, com
quem divide o apartamento. Parecem feitas uma para a outra. Frances chega a desistir do namorado, que quer que morem juntos, porque não quer largar da amiga. Só que logo em seguida é a Sophie quem larga de Frances, justamente para ir morar com o namorado. Segue uma sequência de tombos: Sophie se muda para o Japão, Frances é dispensada da turnê de dança, não tem dinheiro para pagar o aluguel, não tem onde morar...

Aos vinte e sete anos, portanto não sendo mais nenhuma menininha, Frances até que é bonita, mas muito desengonçada, grandalhona, bagunceira e atrapalhada. Mas, e aqui é que vem o chantilly que une tudo isso e dá um gosto delicioso, Frances é uma figura que nos encanta logo na primeira tomada, em que ela, numa praça, brinca de lutar com a amiga. Engraçada, divertida, leve e
agradável, é daquelas que, no fim de uma noitada com amigos, se um deles diz que gostaria de comer algo, ela vai lá e prepara; daquelas que vê um desconhecido chorando, se senta ao lado sem falar nada, só para que a pessoa sinta que não está sozinha. Enfim, o tipo de pessoa que todos gostam de ter por perto.

Não confundir com personagens saídos de livros de autoajuda, que depois de um tombo saem à luta e conquistam. Não é nada disso. Frances leva tombos e não os encara como lições (blargh!). Ela cai e continua vivendo. Do chão ela é capaz de se encantar tanto com o céu quanto com um par de sapatos passando por ela. Frances é
simples, pura, apaixonada e apaixonante. Vê-la após uma pequena conquista (um novo apartamento para morar com dois amigos recentes), sair correndo e dançando pelas ruas de NY ao som de Modern Love, do David Bowie, é um delírio.

Frances está no imperdível “Frances Ha”, que, filmado em NY em preto e branco (nunca um P&B pareceu tão apropriado), traz ecos de “Manhattan”, de Woody Allen e de filmes franceses da Neuvelle Vague.

Frances é meio que assexuada. É hétero, mas seu maior interesse no momento não é sexo, mas amor. O amor que sente pela amiga é o que a move e move o filme. Em cena chave, Frances, discorre, num jantar com a família de outra amiga, sobre seu ideal de amor: um relacionamento entre duas pessoas que, por exemplo, numa festa, conversando com terceiros e em pontos diferentes da sala, se olham de longe e não veem mais nada além de um ao outro, e quando se olham cada qual sabe que o outro o ama.

Frances está à procura desse tipo de amor, mas no caminho, entre
tantos tombos e saltos, acaba encontrando ainda outra coisa: encontra-se a si mesma, encontro este lindamente demonstrado no take final, que encerra o filme com inteligência, poesia e a contagiante Modern Love, de Bowie.

Presenteie sua alma neste final de semana. Leve-a para ver Frances Ha.

sábado, 6 de julho de 2013

ROUND MIDNIGHT

Por volta da meia-noite, vindo do teatro, onde assisti uma belíssima visão dos cortiços por um grupo mineiro com uma atriz magnífica, e, na sequência, alimentado por um inebriante crepe mexicano, com direito a duas cocas para aplacar a pimenta, tendo ainda uns vinte e poucos quilômetros pela frente, ligo o rádio para afastar o sono que a noite e o estômago despejavam na minha cabeça.
Mais que músicas ou notícias, nessas horas prefiro ouvir entrevistas. Gente conversando no rádio me desperta. Acho uma entrevista. Ela, boa voz, entrevista um músico baiano de afro-MPB. “Afro-MPB, tu vê!”, costumava dizer o Humba, um amigo distante ao se dar com denominações bizarras. O cantor/compositor falava sobre seu disco “Manufaturas”, guarde este nome.
“Essa musicalidade afro lá em Salvador já vem desde criança, na vitamina”. Pronto, estou desperto.
Com um leve, quase imperceptível, toque de cinismo (ou seria ironia?) na voz, o que pode ser coisa da minha cabeça, ela faz aquela típica entrevista para apresentar e promover novas vozes, gente que “canta na noite”.  Estranha a expressão “canta na noite”. Será um eufemismo para “canta no fundo do barzinho”? E essa, então: “barzinho”? O que será um “barzinho”? Talvez seja um daqueles lugares sem cara nem estilo, nem luz, onde casaizinhos vão tomar chope com fritas, em que o cara só percebe que tem alguém lá no fundo cantando MPB quando a menina que ele quer comer diz “essa eu conheço, é do Djavan!” E cantarola, voltada para o músico, com os olhos semicerrados “você deságua em mim e eu oceano”. “Não é linda”, pergunta ela, meio que testando. “Ah, é... linda... E aí, vamos pedir a conta, dar uma volta?” “Mas aqui tá tão bom”. Sem chance, ele não vai comer.
Mas signifique o que significar a expressão “canta na noite”, o fato é que eu ouvia, cada vez mais atento, aquela entrevista “do bem”, com perguntas tipo “com que músicos você toca”, que trazem resposta do tipo “com fulano; ele é muito competente,  a gente se complementa, a gente tem uma verdadeira simbiose musical.”
¾     E como foi a gravação?
¾     Foi todo um processo!
Ah, bom, está explicado. “Todo um processo” não é de matar? Depois de alguns segundos de silêncio, ela, disfarçando o incômodo:
¾     Sim, mas e aí, como foi todo esse processo? (ela é engraçada demais, intencionalmente ou não)
¾     Eu dei bastante liberdade para os músicos. Eles puderam imprimir sua individualidade musical... A música do jazz trabalha muito com essa liberdade dos músicos, e eu resolvi trazer para o disco. Então ficou aquela coisa muito criativa, solta.
¾     Você podia mostrar como isso acontece na música?
¾     Sim, é claro. Por exemplo, a segunda música.... Por favor, coloca a segunda, é “Massunim” (ou algo parecido)
Ouve-se a música. Trinta segundos de música e nada de especial, só aquela base típica de MPB. Começa a parte cantada. Nada demais. Um minuto de música e nada de aparecer algo além daquele sonzinho básico de MPB, ou afro-MPB, que seja. Deu para ouvir suspiro dela. Segundos depois:
¾     E aí?
¾     O quê?
¾     Você estava falando da liberdade, daquela, e pediu para mostrar a música dois para dar um exemplo...
¾     Sei...
¾     E então, como essa liberdade, essa coisa muito criativa, solta se reflete nessa música?
¾     (confuso)... Ela se reflete em todo o disco.
¾     Ah, sei...
¾     Eu dou essa liberdade, depois vou esculpindo.
¾     Ah, você vai esculpindo?
¾     Isso mesmo!
¾     Interessante... Eles gravam, depois você esculpe... (decifrando o enigma) Por isso o nome do disco: “Manufaturas”?
¾     Exato!
¾     Puxa vida... Olha só... Muito bom.
¾     É. É gratificante.
¾      E você quer mostrar mais alguma música?
¾     Sim, “Cauecitã” (ou algo parecido)
¾     Que é sua música preferida, certo?
¾     Não, não. Eu não tenho música preferida.
¾     É que eu tinha lido isso aqui, em algum lugar.
¾     Sim, é que “Sua Música Preferida” é o nome de uma outra música.
¾     Ah, olha só, que coisa! Vamos ouvir a música?
¾     Qual?
¾     Sua música preferida, ou a que você preferir...

O sinal da rádio se perde no estacionamento do subsolo. Fecho o carro, subo pelo elevador e entro em casa com um persistente sorriso no rosto. Nada como uma comédia involuntária para fechar a noite.

domingo, 19 de maio de 2013

JULIO BARROSO E A FUNDAÇÃO DOS ANOS 80


1984
As mãos se agarravam desesperadamente no batente da janela. Pendurado do lado de fora, plena noite, ele parecia ter percebido a merda que havia feito, porque gritava por ajuda. O vizinho de cima ainda tentou arrombar a porta da sala, mas não deu tempo, o batente da janela se soltou...



Um sonho estranho nas paredes do prédio
Prefiro morrer de vodka do que de tédio
Acendo um cigarro e vou até a janela
Na rua umas sombras à luz do lua

Esse rock, que parece narrar a queda, fora gravado no ano anterior. “Perder um cara como o Julio é uma decaptação. A gente ficou órfão do nosso irmão mais velho”, disse João Luiz a Agenor, ambos desmoronados, na noite seguinte, no velório de Júlio Barroso. João Luiz e Angenor, que começávamos a conhecer como Lobão e Cazuza.

4 ANOS ANTES – 1980
O começo dos anos 80 a música brasileira estava ascensão, depois de sufocada por tanto tempo. O pessoal do nordeste, Zé Ramalho, Ednardo, Belchior e Fagner, de um lado, o pessoal do Clube da Esquina, Milton, Lô, Beto Guedes e mais um monte de gente boa do outro. Caetanos, Chicos e Bethanias emolduravam, como sempre com talento e competência, o quadro da Música Popular Brasileira. Ou seja, a música por aqui estava de uma caretice gigantesca.
Depois de morar 2 anos em NY, o jornalista, DJ e poeta carioca Júlio Barroso chegava a São Paulo cheio de ideias. O clima de SP estava favorável ao novo. O movimento independente ganhava formas. Só que Júlio era universal e queria mais. O negócio dele não era só a música, mas também a performance, a agitação, a poesia encenada.

UM ANO DEPOIS - 1981
Nos meus 18, sem trabalhar ou estudar, tímido e macambúzio, mergulhado em livros, metido a poeta, devorador de novelas e filmes, estava lá eu, ligado no MPB Shell 81, na Globo, sempre atento a uma nova “Canalha”, que Walter Franco, no festival da Tupi de 79, cantou de costas para a plateia, só se virando para gritar o refrão: “Canalhaaaaaaa”!

O festival rolava caretamente tranquilo, quando uma música começa com rugidos de leão e gritos de macacos e araras. Aí entra uma loira alucinante seguida de outras duas gatas, todas teatrais, soltas, expansivas, chocantes. Eram as Absurdettes. A loira alucinante fazia o estilo Kim Karnes, só que louca. Era May East (olha a sacada do nome: oposto cardial da loira do cinema May West !). O líder da banda, um cara esquisito, muito alto, óculos fundo de garrafa, camisa social, com um dente faltando bem na frente, tinha uma presença de palco espetacular. Sobre o dente faltando, perdeu quando, bêbado, chorava a morte de John Lennon – por isso não quis colocar outro, era sua homenagem a Lennon.

Oh! Mas que calor tropical
Mais que folhagem maneira
É sururu, carnaval
Tem festa na floreta inteira


A “Gang 90 e as Absurdettes”, que tinha visual inspirado na banda B-52, era linda e chocante ao mesmo tempo.

Quando o avião deu a pane
u já previa tudinho
Mim tarzan, you Jane
Incendiando mundos nesse matinho
Eu e minha gata
Rolando na relva
Rolava de tudo

Nem ele, nem as Absurdetes eram grandes vocalistas, mas não era de grandes cantores a cena musical brasileira precisava. Aquilo tudo ganhou a plateia na hora. O Brasil todo cantava o delicioso pop-rock “Perdidos na Selva”. Bons tempos quando o Brasil inteiro cantava coisas desse nível. O sucesso instantâneo alertou o mundo da música. Toda uma geração de jovens músicos percebeu que estava ali o caminho. A personalidade magnética de Julio Barroso, culto, caótico, verborrágico e doce, atraiu músicos que em breve iriam fazer a explosão do rock nacional.

1983
Em 83, a banda lança seu fenomenal disco “Essa tal de Gang 90 & As Absurdettes”. A empolgante balada new wave, “Nosso Louco Amor”, foi tema de abertura de novela da Globo. Sabe quando uma música toca tanto que ninguém aguenta mais? Não foi o caso dessa. Nunca é demais ouvir:

Nosso louco amor
está em seu olhar
quando o adeus
vem nos acompanhar
...
Agora aqui
passou a dor
na rua a luz
da cidade ilumina
nosso louco amor

Mas o disco tinha muito mais. Com JB no comando, as meninas fazendo vocais alucinantes, solos de guitarra e baixo com pegada pesada, “Eu sei mas eu não sei” é um rock que deveria entrar em qualquer lista das melhores músicas dos anos 80. É uma delirante e magnética declaração de princípios.

Eu posso, mas não quero

Você pode, mas não comigo
Você quer fazer mistério
Acontece que eu não levo a sério

Na sequencia, outro sensacional rock, rockasso de pegada pop, clássico, clássico, definitivo: “Convite ao Prazer”, aquela premonitória do início do post.

Dentro da banheira, espumas flutuantes
No jeito do corpo vejo crescer seu desejo
No brilho dos olhos um convite ao prazer
Ao prazer, um convite ao prazer
Ao prazer, um convite ao prazer

O disco é completo. Tem “Telefone”, uma balada romântica clássica, que o Ira gravou com a Fernanda Takai.

Pode ser de São Paulo a Nova York
Ou tão lindo flutuando em nosso Rio
Ou tão longe mambeando o mar Caribe
A nossa onde de amor não há quem corte 

E o mais deliciosamente cantado refrão da história da música universal:
Oh meu amor
Isso é amor
Oh meu amor
Isso é amor

Outra balada clássica: “Noite e dia”, parceria com Lobão. Conforme o próprio Lobão afirma, ela já estava quase toda na cabeça do JB, que generosamente o convidou a compor em parceria, depois de perder sua namorada (uma das Absurdettes) para o próprio Lobão.
No escuro do quarto, bela na noite
Nas ondas do luar
Seus olhos negros, pantera nua
Vem me hipnotizar
Eu olho sorrindo, lindo!
Você está me convidando
Menina quer brincar de amar
Você está me convidando

O disco termina com a onírica e elíptica Jack Kerouak, que acaba assim:
Ontem à noite eu sonhei
Que conversava com Jack Kerouac
Ele chegava e me dizia
"Hey Man! eu renasci black
E agora sou um tocador de piston!"
Eu só sei que o som era tão alto que despertou o mundo inteiro
Eu acordei, e saí mandando brasa nas estradas do mundo.
Sair mandando brasa nas estradas do mundo. Foi o que fez.
1984 NOVAMENTE

Um sonho estranho nas paredes do prédio
Prefiro morrer de vodka do que de tédio
Acendo um cigarro e vou até a janela
Na rua umas sombras à luz do luar

Julio Barroso não cabia num apartamento, talvez nem numa banda. Por isso resolveu fundar não só uma banda, não só o rock brasileiro de Legião, Ultraje, Titãs, Barão. Júlio Barroso talvez tenha fundado o Brasil dos anos 80.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

ÉRAMOS TÃO JOVENS


 Há coisas que te pegam e coisas que não te pegam. Tem coisas que entram e te agarram a alma e tem coisas que, por mais belas que sejam, não passam muito dos tímpanos. Da música dos Beatles, por exemplo, sempre gostei, mas ela nunca pegou de jeito, a não ser as do George Harrison, ou as que ele canta. George Harrison, durante e depois dos Beatles, sempre superbondou na minha alma. Yes nunca me pegou, Pink Floyd, sim. Vejam que estou falando só de coisa boa, e agora no cinema: Godard nunca me pegou, Herzog, sempre. Dos Andrade, Oswald não, Mário sim. E por aí vai. 

Voltando à música e aonde eu quero chegar: Legião Urbana não, Titãs sim. Renato Russo não, Cazuza, sim. Sempre achei a música do Renato Russo muito cheia de lamento, um ai ai ai sem fim, um tanto monocórdica, sempre na mesma tocada, o mesmo cantar meio ritualístico. Acalmem-se fãs/seguidores do Legião, porque também sempre reconheci sua música como de alta qualidade e refinamento e sempre achei o Renato Russo um cara sensacional. Sua rebeldia culta agradava meu esnobe padrão de qualidade.

Na real, o rock Brasília como um todo não me afetava. O Capital Inicial, por exemplo, não passava de musiquinha de adolescente mimado. Eu morava em Brasilia na época, e uma vez fui a um festival de rock e vi toda essa gente lá. Levei um cartaz prá casa, que decorou meu quarto por anos. Gostava do clima e da rebeldia, mas não da música. Minha cultura elitista e minha tendência generalizadora colocavam tudo num mesmo balaio e eu acabei não gostando muito de nada daquele tempo. Azar meu, certo?

Poucos anos depois, quando eu deixei de sentir necessidade de dizer que tudo o que faz sucesso é ruim, passei a conhecer mais a fundo as bandas daquela época e a separar o joio do trigo. Aliás, isso é uma coisa que devemos fazer sempre, revisitar e reconsiderar. Se ainda considero, e provavelmente sempre considerarei, o Capital Inicial um grupinho que faz musica chatinha para adolescente mimado, hoje sei que Ultraje a Rigor, que eu antes considerava uma excrescência, é rock muito bom; sei que o Legião é música de primeira, refinada e tal, mas que, por algum motivo, ainda não me pegou, ao contrário de “Somos Tão Jovens”, o ótimo filme sobre a trajetória de Renato Russo em Brasília. Este me agarrou.

O filme, antes de ser sobre um cara que morreu há mais de 15 anos, antes de ser sobre algo que ocorreu há quase trinta anos, é um filme com uma linguagem atual, pop, vibrante, pulsante, e, mais que biografia, é uma ode a uma juventude que não se satisfaz em se sentar na frente da TV, em consumir. É um elogio aos jovens que se mexem, que sonham, que se arriscam que se apaixonam, que criam, que produzem, que não seguem os modismos, que chocam e que se movem. Enfim, fala de uma juventude que talvez não exista mais, ao menos na mesma proporção. E está aí mais uma vantagem do filme: deve atrair toda uma juventude que gosta do Legião, não importa se gosta por ser bom ou porque gostar do Legião é um tipo de upgrade cultural. Ao atrair essa gente jovem que está por aí, quem sabe se o filme não os influencia a serem mais autênticos, mais apaixonados, mais críticos, mais rebeldes, mais criativos?

Com uma ótima reconstituição da época e do clima de festa que havia nos bares (tá lá o Beirute) e nas quadras (como eu invadi festas naquela época! ), “Somos Tão Jovens” mostra um Renato Russo cheio de impáfia e simpatia, cheio de talento e de amor. O filme, por não se propor a ser uma biografia do tipo mostra tudo, mas um retrato empolgante de uma alma, uma época, uma geração e um lugar, não se aprofunda nos romances de RR com meninos, embora não os esconda: mostra de leve, com carinho e singeleza, mas se aprofunda mais na relação de RR com sua amiga Aninha. Não sei o que é verdade ou não e nem isso importa, porque é dessa relação que o filme tira seu momento mais emocionante, quando, com a música “Ainda é Cedo”, RR tenta se reconciliar com a amiga.

O filme é cheio de outros acertos, como a valorização das músicas e das performances de Renato Russo nos palcos de Brasília. O ator, Thiago Mendonça, encarna plenamente a alma bela e atormentada, além de cantar bem e exatamente como RR. Laila Zaid, a atriz que interpreta a amiga Aninha, está deslumbrante. Além de tudo, o diretor Antonio Carlos da Fontoura soube conduzir e terminar o filme muito bem, acerto que se prolongou nos créditos finais, cujo clima fecha a mensagem e o clima que o filme parece ter desejado transmitir.

Não vi, nos palcos que o filme recria, o cartaz que tive no meu quarto, mas vou procurar mais algumas vezes. Além disso, está em curso uma releitura da obra de Renato Russo. Quem sabe agora ele não me pega...

domingo, 21 de abril de 2013

A CAÇA AOS AMIGOS




Hoje um amigo, vítima de inclassificáveis intenções ou de outra bobagem qualquer, postou a frase, atribuída a Augusto Cury, “a crise não afasta os amigos, apenas os selecionam”. Discordo: o correto seria “...apenas os seleciona”, assim, no singular, sem o “m” (a crise seleciona os amigos). O erro não foi do meu amigo, foi de quem montou o banner, ou terá sido do autor? Discordo da gramática, mas não do conteúdo. Na verdade, acho que no facebook, mesmo os que tem 800 amigos, estão à caça, no bom sentido, de amigos, meia dúzia que seja, na melhor das hipóteses, do tipo que sobrevive às crises. Como diz uma amiga de Bauru, dá trabalho demais fazer amizade, amigos já bastam os poucos que tenho. 

Outro amigo, o mais paulista dos cariocas que conheço, também postou hoje: “por mais que você seja legal, gente boa, solidário, amigo e o escambau, pode ficar certo de que, em algum momento, você vai ser julgado mesmo é pela sua falha. Aquela única, banal, que você cometeu. E que talvez sequer seja uma falha”. Essa ressalva final é a cerejinha de crueldade. Se já é estúpido marcarmos alguém por ter falhado, que dirá quando sequer houve falha. 

Mais uma, esta mais otimista: um terceiro amigo, sorridente, pequeno e circular, finalmente, depois de anos de em abdução em uma trama kafkiana, está de volta, “livre, leve e solto”. “Leve” é maneira de dizer. Para este, felizmente, tudo parece voltar ao normal... Ih, desculpe, mas me lembrei de “Notícia de Jornal”, do Chico (não é um saco gente que se faz de íntimo do artista e chama o Chico Buarque de Chico?)
Tentou contra a existência
Num humilde barracão
Joana de tal, por causa de um tal João
Depois de medicada
Retirou-se pro seu lar
Aí a notícia carece de exatidão
O lar não mais existe
Ninguém volta ao que acabou...
Para quem se interessa pelo tema dos exemplos acima e não sabe de detalhes destes meus amigos, eu poderia aconselhar “Desejo e Reparação”, aquele filme com a sempre deslumbrante Keira (serei íntimo dela ou simplesmente não sei escrever seu sobrenome?), mas não aconselho, porque o filme é, basicamente, um pé-no-saco; nem a Keira o salva.
Bem melhor, zilhões de vezes, é o imperdível filme dinamarquês em cartaz, “A caça”, que também fala de acusação injustiça. Numa cidadezinha cuja principal diversão é a caça, um cara que trabalha numa creche é bizarra e injustamente acusado de molestar uma menina, justamente a filha de seu melhor amigo. Seu filho adolescente estava para se mudar para sua casa, ele acabava de arrumar uma namorada muito interessante e sua vida parecia que ia voltando aos eixos após a separação, mas a neurose da diretora e dos pais das crianças vira sua vida, que começa a escorrer ralo adentro. Os mecanismos pelos quais a diretora e os pais se convencem da culpa do professor são homenagens exemplos claros de burrice, de visão estreita e principalmente de como o animus puniendi pode guiar as ações e desconsiderar toda a vida pregressa do acusado e acabar com qualquer racionalidade e inteligência. Não adianta nem a criança falar “ele não fez nada”. O rótulo já foi impresso e colado.

Sabiamente, a polícia não é mostrada em nenhum momento, a não ser quando dois policiais saem com ele, preso, enquanto o filho está chegando. Por que é sábio não mostrar a polícia, nem nada da investigação policial, tampouco a defesa do professor? Porque não é isso o que interessa ao filme. O que importa é o julgamento que a sociedade faz, por mais absurdo que seja. É aí que a crise seleciona os amigos.  

Atuações fantásticas e um jeito de filmar e de contar a história que não se apoia em soluções mágicas e descobertas de última hora, nos colocam dentro do filme, não na frente dele, como normalmente acontece num típico filme hollywoodiano (em tempo: adoro filmes tipicamente hollywoodianos). A Caça, ao contrário de morder e assoprar, morde e morde mais forte, queima, dá porrada, provoca. Muita gente na plateia não se aguenta e quer participar, dar sugestão, mostrar indignação. Você, que não gosta de barulho no cinema, tente abstrair ou vá a uma sessão num dia e horário de poucas pessoas.

Eu fiquei mais envolvido em tentar adivinhar e torcer por uma quase impossível solução para o calvário do personagem, para sua paixão em que só faltou mesmo a cruz. Embora provoque emoções, o filme não abre mão da beleza, mesmo em algumas cenas quase catárticas, como uma das últimas, justamente da missa de Natal, época em que se relembra a paixão de Cristo, numa associação comovente.

Aqui não estou mais falando do filme, nem de meninas: o problema é que nenhuma menina é mais a mesma depois do estupro. Mas isso é o que menos importa, porque meus amigos podem, e devem, sair até melhor disso tudo, porque, como postou hoje um deles, ao menos poderão selecionar melhor suas companhias.

Mas nem tudo são flores na vida de Joseph Klimber. Haverá mais uma violência a vencer: o julgamento dos medíocres e dos boçais do dia-a-dia.  Por mais que alguém tenha dado um milhão de bons exemplos, a maioria das pessoas, de vida medíocre e raciocínio simplista, apenas espera, torce até, que esse alguém cometa uma falha, única que seja.

Acho que funciona assim o inconsciente dessa gente: eu, simples e banal, não consigo me livrar de minha mediocridade e isso me angustia diariamente. Só me alivio quando alguém melhor do que eu se dá mal. “Olha só, ele é pior que eu, que delícia! Ele não podia ser aquela maravilha toda! Ufa, agora já posso dormir em paz”.  É mais ou menos como um pontepretano, que nunca soube o que é ganhar um título, vibrar com o rebaixamento do Guarani, o arqui-rival, por isso eu sei como funciona.

Talvez seja assim com todos: temos uma natureza cruel e somos, em maior ou menor escala, medíocres, embora afirmemos odiar a mediocridade. Por isso, nossos bolsos vivem cheios de pedras, que pesam e atrasam nosso caminhar, mas o prazer que dá quando temos alguém para apedrejar...
Quem toma consciência disso pode mudar, ou ao menos se policiar e fugir da mediocridade e viver uma vida mais plena e mais rica. Só que assim pode se tornar alvo. E, embora talvez eu desaponte meu circular amigo, desconfio que nunca faltarão oportunidades aos medíocres de nos jogar pedras, ou de nos dar um tiro de alerta nos dizendo que ainda somos a caça.

Fazer o quê, amigos? Levanta e sacode a poeira. E bora co’essa prá cruzeta que tá mui da tucandêra!

domingo, 31 de março de 2013

O HORROR DA INVASÃO DE NOSSA PRIVACIDADE

O que há de mais terrível do que a iminência, cada vez mais concreta, de você ter a sua vida privada invadida? De ter sua vida e a de sua família vigiada? Lá pelos anos 60 e 70 este era um dos mais recorrentes temas de filmes de ficção científica. Veja que, em geral, filmes de “ficção científica” são passados num futuro que ninguém sabe ao certo se realmente acontecerá, mas acabam nos colocando diante da possibilidade de virmos a viver num mundo de terror. A invasão de nossas vidas já nos aterrorizava nos anos 60.

Mais de 50 anos depois, com internet, redes sociais e o diabo a quatro, a profecia está, com ou sem a nossa permissão, se cumprindo: alguém, em algum lugar, pode saber tudo de nós.
Raul Seixas, na genial Paranóia,  brinca com esse medo, transferindo-o a Deus:

Minha mãe me disse há tempo atrás
Onde você for Deus vai atrás
Deus vê sempre tudo que cê faz
Mas eu não via Deus
Achava assombração, mas...
Mas eu tinha medo!
Eu tinha medo!
Vacilava sempre a ficar nu lá no chuveiro, com vergonha
Com vergonha de saber que tinha alguém ali comigo
Vendo fazer tudo que se faz dentro dum banheiro
A pergunta é: agora, que já estamos no futuro, isso já não nos aterroriza mais ou não estamos nos dando conta dos perigos que corremos?

“Perigos”, aqui, não são apenas os concretos e criminalizados, como invasões de hackers nas contas bancárias, assaltantes e maníacos sexuais. Esses são os menores. Perigo de verdade são aqueles que o Raul e o filme francês “Dentro de Casa”, que está nos cinemas, apontam: nossa intimidade pode não ser mais íntima, e, ao não ser íntima, não é mais nossa e, assim, não temos mais a plena e total propriedade do que fazemos, de como usamos nosso banheiro, nosso quintal, nosso quarto... Se nossa existência se confirma pela nossa “persona”, única e individualíssima, perder essa nossa individualidade é quase como deixar de existir. Este é o verdadeiro terror.

“Dentro da Casa”, o filme, já impacta nos créditos de abertura, com fotos de alunos de uma escola, num mosaico do qual, no lugar de se afastar e mostrar que somos apenas mais um na multidão, o que, digamos, é um conforto e uma segurança, a câmera se aproxima, como se escolhesse alguém ao acaso para mostrar... e invadir. Há um desconforto já ali.

No mesmo sentido, do todo para o específico, um professor corrige, compartilhando com sua esposa, redações medíocres de seus alunos. Entre tantas, uma chama a atenção do casal. Em boa escrita, um aluno conta como escolheu um colega para, sob o pretexto de ajudá-lo em matemática, aproximar-se, entrar em sua casa e analisar ironicamente sua família, sua vida privada.

O filme estabelece um paradoxo ao deliberadamente não utilizar nenhum dos instrumentos mais comuns e esperados para invadir a privacidade: não usa, em nenhum momento do filme, um computador sequer. Nenhuma dessas máquinas diabólicas é acionada. Trata-se apenas um colega do filho que entra em sua casa, e relata tudo nas redações, escritas à mão e mostradas ao professor. 

A esposa do professor, mais que este, parece enxergar o horror e o perigo daquilo, e alerta o marido, mas este não consegue botar um ponto final nas redações, interessado que está no desenvolvimento do aluno escritor... Ou o interesse estaria, além da tarefa de orientação, em extravasar seu desejo, que é um pouco o desejo de todos nós, de invadir a vida alheia?

O professor pergunta ao aluno: “Porque escreve o passado no presente?” “É uma maneira de me manter dentro da casa”, responde o aluno. “O que vem em seguida?”, o professor instiga o aluno a continuar.  
“O que vem em seguida”. É exatamente isso que nós, que assistimos, nos perguntamos, cada vez mais retorcidos na cadeira. “Dentro da Casa”, filme de puro suspense, tem direção impecável e interpretações absolutamente convincentes, que nos levam, inevitavelmente a reflexões inconfortáveis.

Bônus: as duas atrizes, Kristen Scott Thomas, aquela maravilhosa de “O Paciente Inglês” (1996) e Emmanuelle Seigner, a louquinha deliciosa de “Lua de Fel” (1992). Ambas, agora em torno dos 50 anos, exuberantes de talento, beleza e sensualidade, explodem na tela e parecem, imbuídas do espírito de Nelson Rodrigues, aconselhar às novas divas do cinema, às lindas universitárias e às gostosinhas do happy hour: mulheres jovens, envelheçam, por favor. 

PAI, O QUE É PÁSCOA?


-      Pai, meu ovo de páscoa caiu no chão.
-      Então pega e passa um paninho no chão.
-      Não sujou, ele ainda estava fechado.
-      Então qual o problema?
-      Nenhum, mas eu fiquei pensando... Porque o ovo caiu?
-      Porque você derrubou.
-      Mas porque ele cai pro chão e não pro alto?
-      Porque se fosse pro alto ele não teria caído, teria voado.
-      Porque o ovo cai pro chão e não voa pro alto?
-      Por causa da força de gravidade.
-      O que é força de gravidade?
-      É um negócio que o Issac Newton inventou depois que uma maçã caiu na cabeça dele quando ele estava sentado debaixo de uma árvore.
-      Porque a maçã caiu na cabeça dele?
-      Por causa da força de gravidade.
-      Como, se ele ainda não tinha inventado?
-      Ele não inventou, eu falei errado. A gravidade já existia, senão as coisas ficavam todas flutuando, eu estaria agora tentando ler esse jornal lá no alto, do lado do lustre. A força da gravidade sempre existiu, ele só deu o nome.
-      E porque ele chamou de “força de gravidade”?
-      Sei lá, que pergunta! Porque é uma coisa que FORÇA as coisas a ficarem no chão.
-      E porque ele colocou o nome da força de força de GRAVIDADE?
-      Bem... Não sei!
-      Será que era porque a mulher dele estava grávida?
-      Acho que não, ele já devia ser muito velho para ter filho.
-      Qual o problema de ser velho? Não é a mulher que fica grávida?
-      Bom... É... Mas se fosse isso ele colocaria o nome de força de GRAVIDEZ, não de GRAVIDADE.
-      Será que é porque derrubar as coisas é uma coisa grave? A mãe diz que se eu derrubasse o vaso dela no chão seria muito grave.
-      Seria bem grave mesmo, porque o vaso iria quebrar e você poderia se machucar.
-      Então derrubar o ovo de páscoa no chão não é grave: não quebra e nem me machuca.
-      Não, não é grave, mas ele só cai por causa da força da gravidade e ponto final. Entendeu?
-      Acho que sim...
-      Agora me deixa ler o jornal...
-      Pai, posso fazer só mais uma pergunta?
-      Pode, é claro.
-      O que é Páscoa?
-      É o dia em que Jesus ressusci... ih, vai ser complicado explicar isso...  Páscoa é o dia em que a gente come ovo de páscoa...
-      Porque a gente come ovo de páscoa?
-      Porque é gostoso.
-      A mãe falou que este é o último ano que a gente vai comer ovo de páscoa, porque o preço do ovo é cinco vezes maior que o preço do chocolate.
-      Ela tem razão.
-      Então não vai mais ter páscoa?
-      É claro que vai. Não é porque a gente não vai comer ovo de páscoa que não vai ter páscoa.
-      O senhor não disse que páscoa é o dia que a gente come ovo de páscoa?
-      Não foi isso que eu quis dizer. Eu usei uma metáfora.
-      O que é metáfora?
-      É quando a gente diz uma coisa querendo dizer outra.
-      Prá que serve dizer uma coisa quando a gente quer dizer outra?
-      Porque tem coisa que dá tanto trabalho explicar que é melhor usar uma metáfora.
-      Porque dá trabalho explicar o que é páscoa?
-      Porque páscoa é uma data que comemora uma coisa que não existe... quer dizer, a páscoa comemora uma coisa que, se por acaso existiu, não é nada comum.
-      Dá mais trabalho explicar uma coisa que não é comum?
-      Olha, se explicar uma coisa comum, como o seu ovo de páscoa cair no chão, já dá um trabalho danado, imagina explicar uma coisa como a ressurreição de Cristo!
-      A páscoa é a ressurreição de Cristo?
-      Você sabe o que é a ressurreição de Cristo?
-      Não é uma metáfora?
-      Filho...
-      Sim, pai.
-      Feliz páscoa!
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