quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

MORREU BIBI... E DAÍ?


Pois é... Bibi Ferreira morreu! E daí? Idosa, 96 anos, teve uma morte que não se pode chamar de surpreendente, uma morte sobre a qual não haverá quem diga “coitada, né, morreu tão nova!”. Uma morte que veio na sequencia de grandes tragédias...

- Na primeira, morreram mais de 300 pessoas de forma totalmente inesperada (inesperada para elas, não para a Vale, como agora se sabe), em meio a um mar de lama pesada;

- Depois, 10 garotos que viviam o sonho de ser alguém no futebol e de conseguir dar uma boa casa e um bom carro para os pais, estavam, agora literalmente, sonhando no momento em que uma fumaça tóxica os sufocava até a morte (pelo menos preferimos acreditar que morreram assim, sem conscientemente sentirem-se arder).

- Finalmente (é o que esperamos), calou-se uma voz que fazia parte de nossas manhãs (ao menos das minhas), a voz de um cara gente fina demais, uma cara muito importante para o Brasil. E se calou justo quando ele podia estar improvavelmente escapando de uma queda, mas foi atropelado pelo helicóptero que fora abalroado por um caminhão. Quer algo mais improvável? Sua morte é como se uma daquelas chuvas do Rio tivesse caído sobre o sol, o apagado e nunca mais fosse haver uma manhã.

Isso tudo, sim, é que é relevante, não a morte de uma mulher de 96 anos, mulher da qual, inclusive, a imensa maioria das pessoas nem imagina quem seja. Mas é justamente sobre a Bibi que quero falar, digo, escrever, e o faço sem corretor, porque teatro é ao vivo... Foi sua morte, não prematura nem surpreendente, que me compeliu a publicar este pôsti neste semidesértico blógui.

Morreu Bibi Ferreira!

Caralho! Sabe o que descobri hoje? Que ela era meio que uma mãe para mim! Foi ela que enfiou essa coisa nas minhas estranhas entranhas; essa coisa da qual nunca pude, e nem quis, fugir; essa coisa que também não precisei buscar: entrou em mim desde que vi a diva no palco do Teatro São José, no bairro do Taquaral, em Campinas, interpretando Joana, amante de Jasão, na peça Gota d’Água, lá pelos idos de 78, 79... O teatro, que nos anos 50 e 60 havia sido um cinema, hoje é uma igreja evangélica. Nada contra... Mas se deus já está em todo lugar, pra quê ocupar um tão raro espaço do teatro? Na verdade, tudo contra.

Só sei que aquela atuação foi um petardo na minha alma, me fez ver que a vida era muito maior do que aquilo que meus poucos dois olhos podiam ver; Bibi me deu mais uns trinta olhos, sério mesmo! A dimensão emocional daquela atuação me colocou no teatro, me despertou este Alien que eventualmente sai de mim como saiu da barriga do cara no filme.

Bibi não era uma atriz espetacular, era muito mais que isso. E nem vou falar da extraordinária cantora, das décadas e décadas de atividade em altíssimo nível, da diretora e sei lá mais o que ela era. 

Não se tratava somente de sua apuradíssima técnica de encenação, da incrível projeção de voz ou do pleno domínio de palco – nada disso é pouco, mas dane-se isso. O caso é que nada disso, que já a faria uma enorme atriz, nada disso se comparava ao cão feroz que tinha dentro de si, ao enorme lobo que uivava em sua alma e se projetava como uma onda gigante quebrando sobre a plateia.

Vendo aquela inesquecível amante de Jasão no palco, senti um baque no peito, a vida latejando. Queria começar a minha vida...

Morreu Bibi Ferreira, uma força da natureza.

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