sexta-feira, 25 de novembro de 2011

AS MIL E UMA NOITES E A FADA DO DENTE


Salve, salve, leitores e seguidores do Cobra Parada, o blógui que não engole sapo;

Salve, salve, Estácio, Salgueiro e Mangueira, Oswaldo Cruz e Matriz, que sempre souberam muito bem que o Cobra não quer abafar ninguém, só quer mostrar que está vivo também;

Salve, salve, ministro Lupi, herói nacional, Macho com M maiúsculo, porque não fez como os outros que saíram com o rabinho no meio das pernas, ainda que negando. Nada disso, aqui nesta terra sem lei, neste faroeste caboclo, não tem lugar prá gente que não assume. Aqui é lugar prá macho. Que ficar se defendendo que nada! Coisa mais mulherzinha ficar negando! Coisa mais infantil ficar gritando “tem que prova-á, tem que prova-á”. Macho fala: daqui eu não saio e pronto! Lupi é nosso Bufalo Bill, nosso Clint Eastwood. Não vai ser qualquer revolverzinho de merda que haverá de tirá-lo da legítima missão de angariar fundos para o bem da sociedade, seja lá qual seja essa sociedade;

Salve, salve, gloriosa Ponte Preta, cujos torcedores protagonizaram as cenas mais emocionantes da semana, na magnífica edição de imagens do Sportv. Sim, porque a emoção está sempre pelos estádios, mas é raro captá-la com leveza, com emoção e, sobretudo, sem cair na pieguice padrão de ficar longo tempo numa criancinha chorando e verbalizando a respeito. Nada disso, a edição rica, variada, abrangente e com cortes precisos feitas pelo Sportv nos momentos finais do jogo foi magnífica, merecendo inclusive elogio público da concorrente ESPN;

Salve, salve, pernambucanos do Náutico e do Sport, que também estão na série A do ano que vem (tem uma aposta aí, mas é barbada). Não sei se minhas amigas seguidoras pernambucanas gostam de fut, mas arrisco que sim, amantes de arte e de manifestações populares que são, e há arte, ainda que às vezes muito escondida, no esporte bretão (expressão dos antigos narradores do rádio);

Salve, salve, pessoas atormentadas pela dor, a dor da enxaqueca, da gastrite, de pedra no rim, a dor de dente, de gota, porque de vocês será o reino dos céus.

Salve, salve, porque este blógui está de volta, depois deste autor passar por algumas das dores acima homenageadas, mas que hoje está no reino dos céus, vivo, sem dor!

Mas que dor foi aquela que deixou este já meio atormentado autor sem dormir por várias noites! Acredite, desconfiado leitor, foram, ou pareceram ser, o que dá no mesmo, exatas mil e uma noites sem sono, porque a dor de dente, diferentemente da dor nos rins, dita a mais terrível (e pela qual também já passei), é a mais cruel de todas, ela transcende o local, vai para o global, sai do dente e vai para toda a mandíbula, para o queixo, pescoço, para o crânio; a dor de dente invade e atormenta a alma!  Descobri que a alma está ligada ao corpo através das raízes dos dentes, e é por isso que a alma não se desprega do corpo, como a sombra de Peter Pan teimava em largá-lo. E quem perder todos os seus dentes perderá também a sua alma (não confie em ninguém sem 32 dentes).

Nas mil e uma noites de dor descobri o maior problema da solidão: não tem quem ouça nossos gemidos. O gemido é imprescindível ao sofredor, porque funciona como um analgésico; o gemido, o gemido bem dado, o gemido sofrido, é um lenitivo, é um bálsamo para o gemente, mas o gemido só funciona se tiver quem o ouça, além do gemente, por suposto. Ao ouvir o gemido, e evidentemente se incomodar com isso, a alma do ouvinte acaba absorvendo um pouco da dor do gemente. Tentei abrir a janela do quarto e gemer bem alto, para que o inocente morador do apartamento de baixo, ou de cima, ouvisse, mas desisti, porque o vento no rosto deformado aumentava a dor mais do que o gemido ouvido pudesse diminuí-la.

Para dores extremas, só remédios extremos. Remédios com tarja, controlados com formulários em várias vias. Preenchi um monte de vias, que pediam centenas de informações. Pediram nome, endereço, nome e telefone de alguém para contato. Acho que até tive que dizer o time que torcia. Meu Deus, pensei, prá que serve tudo isso? Para o caso de eu morrer por causa do remédio? Já em casa, praticamente consumido pela dor torturante, enquanto aguardava, meio sem esperanças, o efeito do remédio, delirava a respeito daquelas vias. Como uma alma que levitasse e observasse as pessoas lá embaixo, tive a nítida sensação de ouvir o contato telefônico da funerária, de posse de uma das vias do formulário, querendo saber se eu já... era cliente:
- Bom dia, com quem eu falo?
- Com quem o Senhor quer falar? (minha irmã JAMAIS diria seu nome antes de saber quem está do outro lado da linha)
- A senhora conhece Moacir do Valle?
- Era meu irmão (é que ela fica meio brava quando eu passo um tempão sem ligar e diz que eu não sou mais seu irmão)
- Era? Sinto muito pela perda.
- Que perda?
- O seu irmão.
- Ele perdeu o que? O senhor conhece o meu irmão?
- Torcia pela Ponte Preta, não é?
- Subiu.
- Seu irmão subiu?
- Não, a Ponte Preta, para a série A!
- E seu irmão, como está... de saúde?
- Agora está melhor, não sofre mais!
- Ah, sim, que pena...
- Como que pena? O que o senhor deseja com ele?
- Levá-lo com conforto à sua nova morada.
- Ele vai mudar? E não fala nada para a irmã? É típico dele!
- Temos o modelo standard, luxo e super-luxo...
Não sei se ainda delirava quando cheguei ao consultório. Felizmente, há uma justiça divina, que dá água aos sedentos, alimenta os famintos, que atende aos gemidos solitários. Eis que, no meio das mil e uma noites de dor, mais precisamente durante um dia, dia de dor, é claro, me aparece uma odalisca, como que para provar estarmos nas mil e uma noites.
Doutora “V”. “V” de visão, como a de um oásis no deserto. “V”de vida, como se aqueles olhos e seu jeito lindo de falar me instilassem um sopro em meus combalidos corpo e alma. Uma princesa, elegante e sutil, uma rainha, uma deusa que me apareceu como devem aparecer todas as deusas: com uma seringa Carpule carregada de anestesia.
Uma, duas, três, quatro, nem sei quantas vezes ela recarregou e me aplicou, com aquele instrumento, o líquido divino (a anestesia dentária surge, juntamente com a coca-cola e com o ar-condicionado, para provar a existência de deus, ops, Deus). Ante aquela princesa inclinando-se sobre mim, esculpido pela dor como eu estava, senti-me um sapo. Ela me aplicou as doses da anestesia como uma princesa beija o sapo. O alívio da dor trouxe ainda mais luz à divindade daquela minha fada do dente, da bela odalisca, da salvadora princesa que me transformou em príncipe, muito embora poucas horas depois, passado o efeito do beijo anestésico, eu tenha retornado ao meu estado anfíbio. 
Veja de novo como ela é linda!

Jurei-lhe amor eterno. Ela jurou tratar-me.

Jurei-lhe devoção, ela jurou cobrar dentro da tabela da ABO.

Não gosta da frieza da doutora? Não é frieza, é a objetividade de quem sabe o que quer. É a tradicional negativa da mulher que ainda não se sabe perdidamente apaixonada. Pedi uma foto e ela se deixou fotografar. Mais do que isso, olhou para a câmera com seus olhos mágicos, com o mesmo terno, interessado, profundo e fascinante olhar com que olhava para dentro da minha alma enquanto fazia um lânguido movimento de vai-e-vem com o aparelho ligado na velocidade máxima, penetrando com carinho a minha dentina, explorando meu canal com sua espátula número 1, raspando, terna e provocante, o escavador no meu tártaro, sussurrando “abre a boca”.

Acho que vou colocar no facebook que estou em um relacionamento sério, ainda que ela pense, fingindo a si mesmo, não estar, ainda que eu não tenha voltado lá por conta da diferença de preço entre o convênio e o particular. "Particular, ela é particular!", tragédia do Martinho que ora me assola!

Agora devo de ir, vou dormir, esperando o efeito do remédio para o estômago, esburacado pelos outros remédios. A alma vai bem, sem dor, sonhando com fadas...

Devo de ir, fadas
Inseto voa em cego sem direção
Eu bem te vi, nada
Ou fada borboleta, ou fada canção
As ilusões fartas
Da fada com varinha virei condão
Rabo de pipa, olho de vidro
Pra suportar uma costela de Adão
Um toque de sonhar sozinho
Te leva a qualquer direção
De flauta, remo ou moinho
De passo a passo passo...
Fadas (Luiz Melodia)

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A NOVA PELE DE ALMODÓVAR

M. Night Shyamalan
Sobre ver um filme, novo ou antigo, M. Night Shyamalan, diretor, entre outros, dos estupendos "O Sexto Sentido", "A Vila e "Sinais", disse, referindo-se a ver hoje um filme de Hitchcock:
"Nunca penso nisso como coisa do passado, mas como uma maneira fantástica de se fazer cinema. Isso é narrativa, é contar histórias, e todos deveriam usar. Não importa se foi há 50 anos ou se é de hoje; a força narrativa, de poder guiar alguém através de uma história é tão forte hoje quanto foi ontem"
De fato, um dos grandes méritos do Grande Mestre foi o domínio do contar uma história, o que é uma qualidade muito mais rara do que se pensa. Contar de qualquer jeito, muita gente conta, todo filme conta uma história, mas poucos nos entretém realmente. E dentre esses filmes que nos entretém realmente, são grandes filmes apenas os que foram além do entretenimento: souberam contar a história nos levando às alturas, nos envolvendo visceralmente, mexendo com nossas estruturas e nos modificando (somos produtos de todos os filmes que nos modificaram - vide o pôsti sobre o The Front). Voltando a Hitchcock, além de contar histórias dessa forma, ele usou todas as possibilidades da linguagem cinematográfica para nos envolver ao máximo com a história, ele inovou a linguagem e ajudou a desenvolvê-la; por isso é gênio.
Um pequeno adendo: Romário, quando recentemente esteve nos jogos Panamericanos do México, comentando pela TV Record, foi muito assediado pela imprensa mundial. teve até que dar entrevista coletiva. Vê só, alguémk com tarefa jornalística teve que dar coletiva. Mas nessa coletiva, perguntaram a ele se o Messi poderia ser comparado a Pelé. Espirituoso, Romário respondeu: "calma lá, primeiro ele teria que chegar ao Maradona, depois ao Romário..."  
O leitor mais ansioso deve estar se perguntando "mas afinal, o que é que Romário, Messi e Pelé têm a ver com cinema, com Hicthcock e com o Almodóvar, que por sinal é motivo do post e até agora não apareceu?"
Ok, leitor, tentarei não desapontá-lo mais, se é que chegou até aqui. Apenas para justificar a digressão, como livre e despretensiosa associação: Hitchcock é o Pelé do cinema; Glauber Rocha era um Edmundo; Jerry Lewis, Garrincha; Billy Wilder, um Zidane; Woody Allen um Maradona. Neymar é um Tarantino. E Almodóvar? Taí: não sei. Messi? Romário?


Saindo da associação um tanto inusual, o que parece é que, com este filme (corra ao cinema), Almodóvar habita uma nova pele, mas ao contrário do que ocorre no filme, parece se sentir bem. APQH coloca Almodóvar num patamar que ainda não alcançara em termos de realização, do contar uma história e do uso da linguagem cinematográfica. Talvez este blógui tenha que refazer seu bâner de abertura, onde estão perfilados Hitchcock, Billy Wilder, Brian de Palma, Frank Capra, Tarantino, David Lynch, Glauber Rocha, Campanella (inserido lá, como aposta, no calor d'A Flor do Meu Segredo), Woody Allen, Kubrick e Jerry Lewis. Talvez tenha que inserir neste time o tal do Pedro Almodóvar, de quem sempre gostei pela paixão e pelas cores de suas bem contadas histórias boléricas (esta expressão não vem de bola, afinal o futebol já cumpriu sua participação neste pôsti, mas do bolero, gênero "jogado aos seus pés", feito de tragédias, dor e amor).


Como em nenhum outro filme do espanhol, A Pele Que Habito carrega, em cada segundo do filme, uma tensão que nos mantém atentos, presos e interessados no que vai acontecer, em quando vai acontecer e como vai acontecer. Ficamos o tempo todo em estado de suspensão, o que define o gênero: suspense, um suspense beirando o terror, no sentido de retratar o drama humano, nossos medos e nosso lado mais obscuro.


O reinventado Almodóvar envereda pelo suspense, mudando um pouco a cor usual de seus filmes, dispondo as informações da história na ordem que mais nos nos mantém presos (grande qualidade de Hitchcock). Primeiro sabemos que há uma mulher (belíssima, santo deus, ops, Deus!) fechada numa sala e observada pelo médico (Banderas) através de uma imensa tela ao lado de sua cama. Depois sabemos de uma tragédia ocorrida há tempos. Mais tarde voltamos seis anos, depois avançamos mais um pouco. A cada viagem ao tempo vamos conhecendo a história, ora sentindo ódio, ora compaixão. E a medida que vamos compondo o mosaico, mais aumenta a tensão, porque aquilo tudo certamente vai desaguar em algo. E como deságua. Magnífico o momento da revelação, magnífico o fechamento, magnífico o take final, forte e emocionante.


Almodóvar entrou no terreno dos grandes mestres da história do cinema, mas parece que está em casa, tanto que estão lá os sinais do bom e velho Almodóvar, as situações cômicas, o Tigrão, os pênis de borracha dispostos um a um aumentando o tamanho: incrível como Almodóvar conseguiu extrair humor das cenas mais improváveis, sem perder a tensão dramática. Isso não é pouco. Como hoje disse o Fábio (que assistiu e também achou o filme o máximo), chegar a Hitchcock, realmente Almodóvar nunca chegará. Mas Hitchcock, como Pelé, é extra-terrestre, gênio absoluto. Messi e Neymar não precisam ser comparados a Pelé ou Maradona. 


O mais importante é que Almodóvar, depois do exuberante A Pele Que Habito, vai entrar para o Bâner dos grandes cineastas que fica no alto deste blógui, o que certamente fará uma grande diferença em sua vida e o deixará muito feliz e realizado. Não precisa me agradecer, Pedrito; quando vier ao Brasil ter com seu amigo Caetano, dá uma passadinha aqui por Brasilia, me paga um bom jantar na Rosário e tudo bem.




domingo, 13 de novembro de 2011

O TERROR DAS MULHERES


Desde tempos imemoriais as mulheres nos aterrorizam com aquele jeito de inalcançáveis, de senhoras de si, bafejando aquele insuportável ar de segurança. Até no primeiro beijo, a que as meninas dão (ou davam?) tanta importância, e que poderia causar alguma insegurança, elas são mais seguras que os homens. É óbvio que o jeito “não tô nem aí” dos meninos é puro engodo. Não é que os meninos tivessem medo do beijo, mas tinham um enorme medo das mulheres, de não agrada-las, de fazê-las correr a outro que as beijasse melhor.

Ô, mulata assanhada
Que passa com graça
Fazendo pirraça
Fingindo inocente
Tirando o sossego da gente 
(Ataulfo Alves)

O jeitinho lépido e saltitante com que as meninas, arrebitadas, passam à nossa frente, nos arrebata e ao mesmo tempo causa terror. Terror à rejeição. Ah, tem um homem seguro lendo este pôsti que agora está pensando “comigo isso nunca aconteceu, mulher nunca me aterrorizou”? Santa inocência, santa ignorância, santo auto-engano. O medo da rejeição da fêmea constitui a base do instinto agressivo do macho e da própria negação desse mesmo medo.
A mãe natureza (olha só, até a natureza é mulher) fez com que as mulheres escolhessem os homens, e isso nos colocou, a nós, homens, desde que o mundo é mundo, em posição de inferioridade e insegurança: dependemos de sua aprovação, e qualquer ser humano que dependa da aprovação de outrem, fica inseguro, porque não depende só de si, mas do julgamento do outro, da outra, no caso. .


Bonequinha de Luxo, com Audrey Hepburn representando a mulher acessível (no sentido de que Holly era uma mulher que todas poderiam ser), inventou a mulher moderna: que podia ser independente, ficar linda com apenas um pretinho básico – também inventado pelo filme, e livre para amar – ou para fazer amor. Depois desse filme, a situação do homem piorou ainda mais, porque as mulheres ficaram ainda mais interessantes e mais desejáveis (quanto mais alto o vôo – ou o desejo, maior o tombo - e o medo da queda). As bobagens da “revolução sexual” e do feminismo tentaram, felizmente em vão, destruir isso, descendo a mulher do seu pedestal. As feministas (praticamente um eufemismo para feias invejosas) reclamaram até da propaganda da Gisele Bündchen. 

* Aqui um adendo, não para ser politicamente correto, mas para evitar má interpretação: mulher é feia ou bonita muito mais pelo “uso” que faz de si mesma do que por condições físicas naturais. Feministas não gostam de passar com “graça fazendo pirraça” e não querem “aderir” à feminilidade que chamam de cosmética (mas que Eva já tinha, ou seja, é natural), e por isso não tiram o sossego da gente e acabam sendo feias à vista do homem, hétero ou não. E quem são as bonitas? Bonitas, ora, são as simplesmente bonitas (outro dia li: que bom que Vinícius foi de um tempo livre da chatice do politicamente correto e pôde escrever “desculpem as feias, mas beleza é fundamental" – hoje seria processado). E já que falei dos homens não héteros, devo falar também das mulheres que não passam “com graça fazendo pirraça” por não terem interesse nos homens: imagino que, sem perder sua beleza, também prefiram as mulheres que passam com graça fazendo pirraça.

desce do trono, rainha

desce do seu pedestal

(Arnaldo Antunes)


Pura lógica: se a mulher descesse do pedestal, ficariam menos inalcançáveis, mais acessíveis, por conseqüência menos desejáveis, e os homens não se sentiriam tão inseguros (quanto mais baixo o vôo – ou o desejo, menor o tombo – e o medo da queda). Neste ponto, a leitora curiosa da alma masculina (sim, os homens têm alma – porque só se fala em “alma feminina”?) deve estar se perguntando: afinal, o que preferem os homens, que a mulher desça do trono e se sintam seguros, ou que ela permaneça lá, linda, causando terror?

A resposta é dada por Jerry Lewis, o mais refinado palhaço que este mundo já viu num filme que fez sobre esse terror que as mulheres provocam nos homens, ao menos aos sinceros. O genial Jerry Lewis presenteou a humanidade com uma jóia rara e singular: O Terror das Mulheres. Nele, JL é Herbert H. Heeber, um tímido que após uma desilusão amorosa (rejeição), passa a sentir verdadeiro terror ante as mulheres, foge de sua pequena cidade e cai, sem saber, numa pensão de mulheres, não qualquer pensão de mulheres, mas numa pensão de mulheres que iniciam na carreira artística: atrizes, instrumentistas e modelos, ou seja, uma pensão cheia de beldades que “passam com graça fazendo pirraça”, justamente o que mais aterroriza Herbert. 

E Jerry Lewys faz um filme tão belo quanto a beleza que ele quer retratar. Como ator é um palhaço refinado que, com o corpo e com expressões faciais, ilumina o espetáculo. Como diretor é um jazzista, também refinado, capaz de criar uma mise-em-scène (não existe, acho, expressão em português para isso) como a que se pode ver no link mais abaixo. 

O cenário que ele criou lembra o de Janela Indiscreta, mas todo no interior de uma mansão. Veja a cena abaixo. É o primeiro amanhecer de Herbert na pensão. Os movimentos são perfeitamente encaixados na música, numa maravilhosa coreografia não dançada, com os instrumentos representando os personagens e a câmera sempre bem posicionada (atenção à ótima tomada em que, em primeiro plano a primeira mulher ajeita a meia e em segundo plano, outra, bem diferente, repete o movimento).





E como esse filme responde à questão colocada pela leitora curiosa da alma masculina? Afinal, os homens preferem a mulher que passa fazendo pirraça e atormentando o coração da gente ou aquela que lhe dá segurança?
Antes da resposta final, um brinde: duas cenas do filme. Na primeira, Jerry Lewis brinca com o homem seguro, o chamado homem com H, machérrimo. É uma cena de ação e reação, quase sem palavras, que acaba com um “atrás da porta” à Lubitch.

Na segunda, uma homenagem ao cinema, eu que Lewis ao mesmo tempo homenageia um seu ídolo e realiza algo como um sonho pessoal, num lindo brincar de cinema, mostrado com beleza e elegância. Por algum motivo, não consegui puxar o link prá dentro do blógui, mas este é o link:
Afinal, o que preferem os homens? 

Herbert tenta fugir da pensão várias vezes, afinal, aquelas dezenas de mulheres lindas o atormentam demais. Mas não consegue, porque elas o impedem (ele as ajuda muito nos afazeres cotidianos). No final, elas deixam de impedir que ele se vá. Ele vai? 

É claro que a questão que levantei e coloquei na boca da leitora curiosa é falsa. Mulher nenhuma, especialmente a que passa com graça fazendo pirraça, como é o caso das leitoras deste blógui, tem essa dúvida, caso contrário não passariam com graça fazendo pirraça, atormentando o coração da gente. 


Herbert fica, é óbvio, feliz da vida. Feliz e profundissimamente atormentado.

domingo, 6 de novembro de 2011

NIETZSCHE DE VOLTA PARA O FUTURO


Nietsche disse que o que é bom é leve, que tudo que é divino caminha com pés delicados. Desconfio que se ele visse De Volta Para o Futuro (direção de Robert Zemeckis - 1985) acharia divino, porque é divino e leve, deliciosamente leve. Talvez Nietzsche se livrasse, por algumas horas, de sua enxaqueca (ninguém me tira da cabeça que aquele bigode imenso era a causa das dores – sobre enxaqueca, sempre tive impressão que tenho menos crises quando estou de cabelos curtos).
Ontem, 05 de novembro, minha filha Riana, 18, publicou no Facebook a foto aí ao lado, do relógio do De Lorean, a máquina do tempo do DVPF, do qual ela gosta muito. Como pai zeloso, cliquei em “curtir” e ainda comentei que mereceria um pôsti. Ei-lo.
André Bazin, talvez o mais importante e influente crítico de cinema da história, disse que o cinema substitui nosso olhar por um mundo que coincide com nossos desejos. Só poderia estar falando de DVPF, embora tenha morrido no final dos anos 50. Quem sabe Marty McFly não tenha levado a ele uma fita do filme... Mundo que coincide com nossos desejos? Quem não desejaria conhecer seus pais adolescentes e fazer com que se apaixonassem? Quem não desejaria viver nos anos mais glamourosos, mais nostálgicos da história (ainda que, talvez, simplesmente por terem sido os mais filmados)? Nós somos Marty McFly, somos medrosos, inseguros, mas detestamos que nos digam isso; e adoraríamos jogar um caminhão de estrume no brutamontes do pedaço!  
Ítalo Calvino, escritor italiano que morreu em 1985, ano do lançamento do DVPF, listou motivos para lermos livros clássicos (recentemente foi relançado Porque Ler os Clássicos). Basicamente, algum livro que atenda esses motivos é um clássico. Permito-me ultra-resumir alguns motivos e transpô-las para o cinema, mais precisamente DVPF. Clássicos são:
1.      Aqueles filmes dos quais se pode dizer “estou revendo” no lugar de “estou vendo” – Quem já viu De Volta Para o Futuro, vê de novo, sempre e sempre - talvez seja o filme mais revisto da história;
2.      Filmes que significam uma verdadeira riqueza tanto para quem já os viu há tempos quanto para quem os vê hoje pela primeira vez – Se você viu BTTF, faça a experiência: mostre para quem não viu e veja o resultado;
3.      Não apenas os filmes inesquecíveis como também aqueles que se ocultam nas dobras da memória - como ocorre quando, do nada, nos vem uma frase (mesmo sem nos lembrarmos de onde veio, usamos) como: “não me chame de covarde”, “Oh, Meu Deus! É Calvin Klein, que sonho!”, “Estradas? Para onde vamos não precisamos de estradas” ou “Você construiu uma máquina do tempo com um DeLorean”, “Bem ... Você está são e salvo agora, de volta ao bom e velho 1955”, “Se vocês tiverem um filho, se ele, quando tiver oito anos, botar fogo no tapete... Peguem leve com ele...”, “Quem diabos é John F. Kennedy?”, “se vamos viajar ao tempo, porque não fazer com estilo?”, “Eu acho que vocês não estão prontos para isso, ainda. Mas os seus filhos vão adorar;
4.      Toda vez que você revê um clássico, é uma descoberta como da primeira vez – Desde que adquiri o DVD, há uns oito ou nove anos, eu o vejo pelo menos uma vez ao ano, sempre com grande excitação;
5.      A primeira vez que você vê um clássico é como se você tivesse revendo-o - Pense bem: um clássico é sempre universal na medida em que mexe com coisas que estão em nosso inconsciente e usa referências conhecidas para nós;
6.      Um clássico é um filme que nunca terminou de dizer o que tinha a dizer – Veio o DVPF 2 e o 3, todos excelentes, e no mundo todo clama-se pelo quarto filme da série;
7.      Ver um clássico pela primeira é sempre uma surpresa em relação à imagem que fazíamos dele. – Por mais que você saiba como é o filme, de ler, de ouvir falar, um clássico dialoga diretamente com você, com sua vida, seus desejos e suas referências. DVPF sempre surpreende ao primeiro “visitante”.
.     8 Um clássico que você não viu pode ter sido feito antes de vários outros que você já viu, mas quando você o vê, reconhece logo o seu lugar na genealogia – a lista de filmes que fazem referência direta a BTTF é imensa – dia desses vi um pedaço de a série que não gosto muito, mas que o Fábio adora, Two and a half man, e numa cena eles comentam o DeLorean.
      Além disso, um clássico dialoga com seus predecessores, como quando McFly filho, fantasiado, acorda o pai de noite:
      “Silêncio, Terráqueo ! Meu nome é Darth Vader. Eu sou um extraterrestre do planeta Vulcano!”
Obama visita fábrica do skate "do futuro"
No filme, o skate e o Nike











9 - Clássico é o filme que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo. Um amigo meu tem dificuldade de ver filmes antigos porque lá não há celulares e outras modernidades, por isso tem que ficar “dando um desconto” para o filme. Pois quando se trata de um clássico, o antigo se sobrepõe às modernidades. DVPF é exemplo ainda mais forte dessa questão, porque trata de modernidades em oposição às antiguidades. O McFly do futuro usa um Nike auto ajustável, que se fecha sozinho (sabia que a Nike acaba de anunciar seu lançamento?). Sabia que Obama "autorizou" a fabricação do Hoverboard (aquele skate que flutua, sem rodas). Ainda da série "você sabia": um daqueles meninos do futuro que acham estranho que Mc Fly jogue games com as mãos é o Elijah Wood, o Frodo... 

DVPF se apóia numa história fantástica, num roteiro que é um dos mais engenhosos da história do cinema, numa dupla de atores com um carisma incrível (Michael J. Fox  e Christopher Lloyd), e numa trilha sonora de arrepiar.
Existem clássicos que você sabe que é um clássico, o coloca na sua lista de melhores filmes de todos os tempos, mas não o assiste muitas vezes. Há outros filmes que são puro, e bom, entretenimento: você vê dezenas de vezes mas não o coloca em lista nenhuma (muitas vezes você nem fala para um cinéfilo que ama esse filme); eu, por exemplo, amo todos os “Corra que a polícia vem aí”. Pois De Volta Para o Futuro é ao mesmo um clássico inquestionável, um cult movie e um filme que é o mais puro e divertido entretenimento. 
Pra encerrar:
Doc (em 1955, duvidando que McFly tenha vindo de 1985, ou seja, do futuro): Então me diga: "Rapaz do Futuro", quem é presidente dos Estados Unidos em 1985?
Marty: Ronald Reagan.
Doc: Ronald Reagan? O ator ? Há há..... Então quem é Vice-Presidente? Jerry Lewis?
Biff: Olá? Olá? Alguém em casa? Huh? Pense, McFly. Pense...

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

TIO MOA - TESTA DE FERRO POR ACASO



Em dezembro de 1935 nascia, nos Estados Unidos, um judeu chamado Allan Stewart Königsberg. Viveu, portanto, ainda que criança, a época do holocausto. Cresceu e se tornou comediante, adotando o nome artístico de Woody Allen, conhecido de todos por ser cineasta brilhante, roteirista excepcionalmente engraçado e que tem um humor cuja base é a neurose do homem das metrópoles, o sexo e a religião, especialmente a judaica.


Cobra Parada Não Engole Sapo, que é, como milhares de pessoas sabem, o nome deste blógui, é também, como todo o Brasil e a parte culta do resto do mundo sabem, o nome de um grupo brasiliense que, nos início dos anos 80 mudou a cara de Brasília, do Brasil e, por conseqüência, do mundo, no campo das artes, da política e da filosofia. Nos pôstis que contam a incrível história do lendário grupo, muito já se disse sobre as influências que o grupo teve, mas pouco se falou sobre o que influenciou o grupo, ou membros do grupo.


Então vamos lá: Tio Moa ainda era penas um sobrinho de uns 14 anos que ouvia pequenas reverberações da ditadura, que via filmes do grande Jerry Lewis e séries como Perdidos no Espaço e que lia José Condé, Hesse, Hemingway e Machado quando foi tremendamente impactado por um filme estrelado por um comediante judeu chamado Allan Stewart Königsberg, que tinha a idade da minha santa mãezinha (ainda tem, mas hoje vivem em planos diferentes). Tio Moa já gostava das comédias que tinha visto do cara, como Bananas, Um Assaltante Bem Trapalhão e Sonhos de Um Sedutor, e esperava mais uma boa comédia. De fato, havia bons momentos de humor no filme, mas... prá te falar a verdade... Não sei bem como falar... Talvez cantando a música que na época estourava nas rádios.


Não estou bem certo
Que ainda vou sorrir
Sem um travo de amargura...


Como ser mais livre, como ser capaz,
De enfrentar um novo dia
Eu que tinha tudo, hoje estou mudo, estou mudado...


Estava à meia-noite, à meia luz, no meu quarto, as letras passando no final do filme, e eu era uma outra pessoa. É a transubstanciação da qual talvez somente a arte seja capaz de fazer. Definitivamente eu seria alguém que não se dobraria às injustiças, alguém que, embora não dotado de grandes qualidades, teria ao menos a de lutar contra a injustiça e a opressão. Assim pensava meu coração juvenil, que, convenhamos, é o melhor coração que há – nunca tive um coração tão belo quanto aquele (se todas as células de nosso corpo se renovam de sete em sete anos, aquele era meu terceiro coração, disparado o melhor dos sete que já tive – espero que essa visão retrospectiva me ajude a formar-me um oitavo coração tão bom quanto aquele).


O filme, no qual Woody Allen é apenas ator (nem, roteirista, nem diretor), se passa em 1950, época em que a terra mãe (que antes era Portugal, mas que depois do cinema passou a ser a “América” – mãe é quem cria) começava a mergulhar na tal da guerra fria, aquela guerra contra o comunismo que certamente destruiria o american way of life, grande orgulho dos americanos. Havia um horror a tudo o que podia ter uma ligação, ainda que muito distante, com “os vermelhos”. O horror era algo assim: se você tinha um primo em segundo grau que houvesse passado em frente da casa de um cara que havia estudado 20 anos antes com um comunista, você estava em maus lençóis. Com vocês, a wikipédia:


Lista Negra é um termo famoso historicamente, e se tornou de uso comum, por denominar a relação de pessoas que foram perseguidas ou proibidas de exerceram sua profissão sob a acusação de serem comunistas, pelo Comitê de Investigação de Atividades Anti-Americanas do Senado dos Estados Unidos, no período de “caça as bruxas” do Macartismo, nos anos 1950 nos Estados Unidos, no auge da Guerra Fria. A mais famosa destas perseguições se deu entre a comunidade da indústria do cinema e do entretenimento. Todos aqueles que se negavam a depor ou eram considerados suspeitos de afinidade ideológica com o comunismo, ou mesmo confessavam sua filiação ao Partido eram proibidos de trabalhar para os grande estúdios.


Woody Allen, The Fronte, o testa de ferro
Woody Allen é caixa de um restaurante, amigo de Alfred Miller, um roteirista que entrou para a lista negra. Alfred propõe a ele que assine seus roteiros e os leve à TV apresentando-se como o autor Howard Prince, e que fique com 10% do total recebido pelo roteiro. O roteiro faz sucesso e Prince começa a gostar da fama, mas os 10% ainda não o tiram da miséria nem são suficientes para pagar suas dívidas. Então Miller o apresenta a outros roteiristas da lista negra, todos excelentes, e a coisa engrena. Todos os roteiros fazem sucesso e Miller fica bem de vida e ainda por cima uma produtora de TV, lindíssima, se apaixona por ele.


Mas, como ocorre com Joseph Klimber, nem tudo são flores na vida de Howard Prince: lá está o Comitê de Investigação de Atividades Anti-Americanas do Senado dos Estados Unidos para investigá-lo. Descobrem suas ligações com roteiristas da lista negra e o convocam para prestar depoimento na comissão, ocasião em que ele, para se livrar, deve entregar ao menos um nome.


Zero Mostel: personagem e interpretação inesquecíveis
Mas aí já estamos no final do filme e não dá deixar de falar algo sobre o filme todo: uma direção sensível de Martin Ritt e um roteiro forte, mas delicado, de Walter Bernstein, ambos que sabiam o que filmavam: haviam figurado na lista negra do macartismo. E chamaram não um ator dramático, mas um comediante inteligente e sensível para fazer o papel do testa de ferro. Foi o pulo do gato. O filme é muito denso e chega a ser chocante (como no suicídio de um ator, magnificamente interpretado por Zero Mostel, que caiu na lista negra sem que tivesse qualquer ligação com comunismo), mas com Woody Allen e seu personagem, The Front tem um bom humor e uma leveza que só fazem aumentar sua força.


A opressão e a injustiça são universais, e mesmo nas mais abertas democracias, num governo ou até mesmo numa empresa, na sua empresa, por exemplo, há sempre alguém disposto a usar seu poder para oprimir e impor, à força do medo, seu desejo de poder.


Ao pobre, humilde e meio ignorante Howard Prince, para se livrar, bastava denunciar alguém, um dos roteiristas que estavam na lista negra, por exemplo, afinal, já estavam na lista negra mesmo, nem iria mudar muito a situação deles, apenas confirmar que eram simpatizantes do comunismo. O produtor sugere que ele indique como comunista o ator que havia se suicidado – “ele já está morto mesmo, você não pode prejudicá-lo mais do que isso”.


Woody Allen e Andrea Marcovicci, a produtora
Corte: na véspera, num encontro com a produtora, que se demitira da emissora por não concordar com a política de colaboracionismo da TV com a comissão macartista, um Howard apaixonado dizia à amada que, seja lá o que dissesse à Comissão, ela se orgulharia dele (sempre uma mulher por trás das melhores coisas que o homem faz). Ela que já havia se decepcionado com ele ao descobrir que ele não escrevia absolutamente nada e a enganava com isso.

No momento final da sessão, Prince tem que se decidir, entrega alguém ou não? Mal maior não causará a ninguém, especialmente ao ator morto. Basta isso para se livrar.


O final do filme? Conto ou não? Não.



Quase dez anos depois estava lá, o Tio Moa, diante de um grande diretor dos Correios, empresa em que trabalhava. Ninguém sabia, mas Tio Moa fora o redator das comunicações da primeira greve depois de vinte anos de ditadura. Ditadura que por sinal persistia, ao menos naquela empresa. Colega de um dos diretores da “Associação” – na época sindicatos eram proibidos, prestou serviços de redação: o pessoal do “comando” da associação era bom de carro de som, mas não de escrita, e a comunicação escrita era para inflamar todos os funcionários do país. Eles queriam uma greve, e a greve era justa, pois, em plenos primeiros meses da abertura política, a empresa teimava em não dialogar e em oprimir, numa época de alta inflação e sem querer dar um aumento digno. Foram quase dois meses de comunicados nacionais escritos por este Tio e assinados pelo comando da associação. E o negócio pegou fogo em todos os cantos do país. Em 10 de outubro de 1985 nascia a primeira filha do Tio Moa e estourava a primeira greve pós-ditadura. Caça às bruxas. Tio Moa, até então oculto, teve que decidir: entrar no trabalho ou ficar lá na frente, à vista de todos, em adesão à greve. Ninguém do cargo que Tio Moa ocupava aderira à greve. Eram o que se chamava de pelegos. Filha recém nascida, demissões de grevistas e Tio Moa na dúvida, entra ou não entra para o trabalho.


Não entrou, ficou ali, à frente de todos, em meio aos grevistas (os vermelhos!!!). Começaram as demissões, diárias. Um dia avisaram que o nome do Tio Moa encabeçava a lista de demissões do dia. Disseram que o Coronel Manoelito queria falar comigo. Ao receber, simpático e gentil (um grande Homem, aquele coronel), um assustado Tio Moa, afirmou gostar muito dele, saber que acabara de ser pai e que aderira à greve. Por fim, afirmou ter que mandar uma lista ao presidente e pediu que declarasse porque estava ausente por vários dias, se por adesão à greve ou pelo nascimento de sua filha.


O que responder?




Não, não somos originais. Sempre repetimos modelos; modelos, é bem verdade, que nós mesmos escolhemos. A questão é: que modelos devemos seguir? Normalmente seguimos os modelos com os quais mais nos identificamos, os modelos ensinados (às vezes sem querer) por nossos pais; no caso de Tio Moa, os modelos de sua Santa Mãezinha, que, como disse, tinha a mesma idade de Woody Allen.


O Coronel repetiu a pergunta. O que responder?


Em verdade, mais de 90% do tempo de ausência ao trabalho naqueles dias era verdadeiramente dedicado à recém nascida Tani, beleza de menina, mas não houve dúvidas. “Estou em greve”, afirmou um assustadíssimo e trêmulo, mas resoluto Tio Moa.


O fim do filme? Não conto, mas que é magnífico é. Magnífico a ponto de influenciar, uma década depois, ainda que inconscientemente, um homem, um recém homem, ainda com “h” bem minúsculo, a tomar uma decisão aparentemente estúpida, que punha em risco a estabilidade de sua família, mas em nome da liberdade de assumir uma posição que acreditava certa, justa.


Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta,
não há ninguém que explique e ninguém que não entenda
(Cecília Meirelles)


Coronel Manoelito, grande homem, fino, delicado e provavelmente amante da beleza e da justiça, certamente valorizou algo de mais importante, além do que ele ouviu. Tio Moa seguiu na empresa.


O fim do filme? Não tem como explicar. Você, que acredita no triunfo da beleza e da justiça, assista The Front, ou “Testa de Ferro Por Acaso”.
http://www.2001video.com.br/busca/listagem_busca_home.asp?campo=Titulo_em_portugues&procurado=testa%20de%20ferro
Blog Widget by LinkWithin