quinta-feira, 28 de julho de 2011

OS 10 MAIS - JARDIM ELÉTRICO IS VERY NICE PRÁ CHUCHU!

Mutantes foi, e ainda é, a mais importante banda do Brasil. Ainda hoje é a banda brasileira mais conhecida fora do país. Seus discos ainda são atuais, portanto sustentáveis, e plurais... ih, não sei o que escrever agora. Desculpe, mas "sustentável" e "plural" são as palavras da moda e como prezo muito a moda, tentei incluí-las. É o vício da redação empresarial: se você não sabe como convencer a anta do seu chefe a aprovar alguma proposta sua, basta colocar no relatório as palavras sustentável e plural, que ele aprova, por mais absurda que seja. 

Saindo da moda, que é mutante posto que tudo passa, tudo sempre passará, menos a importância dos Mutantes, voltemos a eles, depois dessa inútil digressão.

Talvez todos os seus cinco discos com a formação original devessem estar na lista dos 10 mais. Mas como sou humano e, portanto, injusto, resolvi colocar um só disco. Mas qual escolher?

“Mutantes”, de 1969, é maravilhoso, deslumbrante e tem “Caminhante Noturno”, “Dia 36” e “Qualquer Bobagem”, esta última tão tocante que Arnaldo, impossível, resolveu inventar e cantar como gago, o que, por incrível que pareça, não tirou em nada o peso da música. Mas é o "Jardim Elétrico", de 1971, que vai figurar na disputadíssima lista do Tio Moa dos 10 melhores discos brasileiros de todos os tempos. Como Tio Moa mata a cobra e mostra o pau, vamos aos motivos: 



 § Jardim é um disco injustiçado, e eu detesto injustiças. Fui criado vendo Batman, o paladino da justiça, aquela série meio comédia, que o Robin é, digamos, bem avançado para seu tempo. Um dia eu irei ao dicionário para descobrir o que significa paladino.

 § Jardim é provavelmente o mais completo e bem acabado de todos;

 §  Jardim tem a ousadíssima e lisérgica capa do Alan Voss, um gênio dos quadrinhos. Aliás, a capa ficou em segundo lugar em recente concurso de melhor capa de todos os tempos, promovido pelo site da MTV. Se quiser dar uma olhada nas outras maravilhas: http://mtv.uol.com.br/projetos/panamericana.

 §  Jardim começa com uma sonzeira do órgão do Arnaldo e do baixo do Liminha na introdução de Top Top

§  Ousadia: naquele tempo a expressão (e o gesto - ao lado) top top correspondia ao atual fuck you, ou ao brasileiro e sutil vá se fudê (sutileza que se estende ao delicado gesto da mão fechada e dedo médio esticado). Agora, imagina naquela época de censura militar moralista o disco começar com um sonoro "Eu quero que você se top top top... uh!” (veja na foto do Batman a coincidência: Robin tinha um gesto típico muito parecido com o top top)

§  Em Benvinda Arnaldo canta como Tim Maia. “Eu sem você não sou ninguém”. Detalhe: na capa do disco está escrito: qualquer semelhança com Tim Maia é mera coincidência. 

§  Porque tem a declaração de amor mais rasgada e debochada da história da humanidade, cantada pelo Arnaldo com voz gutural arranhada: “O que você me dá é lindo de morrer, é lindo. Oh, oh, oh, yeah… It’s very nice prá chuchú, baby” 

§  O disco tem Virgínia

§  Quando termina a melódica e sentimental Virgínia vem o alucinante riff da guitarra do Sérgio Dias, muito bem acompanhado pelo baixo de Liminha e pela majestática bateria, numa performance maravilhosa do Dinho. Tudo isso em “Jardim Elétrico”, a faixa título, a mais pesada do disco. Falando na batida da batera do Dinho, ela certamente inspirou Charles Gavin no fenomenal Cabeça Dinossauro.

§  Depois dessa pedrada tem a delicada “Lady, Lady”, com um hipnótico solo da guitarra do Sérgio Deus, digo, Dias.

§  A badalada balada mexicana “El Justiciero”, teatral, engraçada e impiedosa. 

§  Além de Arnaldo, Sérgio e Rita, os agregados Liminha e Dinho dão um show. Baixo e bateria ainda não haviam tido tanto peso nos mutantes. Ali eles conquistaram seu lugar fixo na banda.

§  Jardim é a transição entre as loucuras tropicálicas dos discos anteriores e o caminho que nos discos posteriores começaram a trilhar para um rock mais progressivo (que, dizem, desagradava Rita). Não que os anteriores e os posteriores perdessem um mínimo de qualidade, mas é que o Jardim, nessa transição, parece que acabou ficando mais pop, e como sou pop... 

§  Antes de J.E. ainda não haviam aparecido com tanta clareza os solos de guitarra do Sérgio Dias como em “Jardim Elétrico”, “Lady, Lady” e “Saravá”. Ele ainda mostra neste disco que é a grande voz, o grande cantor do grupo (Tecnicolor e Virgínia, por exemplo). Tanto que, no disco posterior Rita queria cantar a Balada do Louco, mas Arnaldo, felizmente, não deixou. E Sérgio Dias a cantou divinamente e a imortalizou.

§  Porque Rita está ótima cantando solo em “Baby”, e nas demais fazendo seus vocais criativos que colocam as músicas num outro nível, mais etéreo. Arnaldo disse que eles são diferentes dos Beatles porque tinham a Rita, que dava o tom circense.

§  E Arnaldo, o gênio criativo, ora com seu órgão maravilhoso dando o clima, ora como personagem, com interpretações viscerais, como em “It’s Very Nice...”.  

§  Porque, como o salgado queijo e a doce goiabada formam Romeu e Julieta, a irônica interpretação de Arnaldo a deliciosa voz de Sérgio Dias fazem de “Portugal de Navio” uma jóia rara.  

É impressionante como não só neste, mas em todos os discos da banda, as gravações, o conceito, a riqueza dos arranjos, as diversas camadas e as performances, tudo permanece original, atual, moderno, pós-moderno, pós-tudo.

Tudo lembra nossas vidas
Nossas noites de ilusão
Suas roupas estão vazias
Lady ainda estou aqui...

terça-feira, 26 de julho de 2011

O FEITIÇO DO AMOR

Algo me inspirou (não conto o que foi, não conto, não conto) a falar novamente do amor. Mas não qualquer um: o amor de um homem por uma mulher. Não qualquer mulher: uma mulher de verdade, como as que lêem este blógui (o que a gente não faz para continuar sendo lido?). Uma mulher de verdade faz com que o homem, um ser infinitamente mais primitivo, precise se desenvolver muito como pessoa para conquistar seu amor. (Não considero demérito ser primitivo; ser primitivo não significa ser pior nem melhor, apenas primitivo).

No passado não havia necessidade de o homem ter o amor de uma mulher, bastava ter, possuir uma mulher. E à mulher bastava ser de um homem, isso já a satisfazia. Mas essa maledeta, como diria meu vô, emancipação da mulher, ocorrida com mais vigor na segunda metade do século passado, mudou essa história: agora a mulher também precisa amar. Isso nos deixou a nós, homens, como perdidos no meio de uma nevasca, numa condição terrível, afinal, foram milênios sem precisar ser amado. Paciência, vamos à luta.

Mas não pense que é fácil: para que uma mulher te ame, mas ame meeeesmo, você precisa tirar aquela diferença que citei no começo do pôsti: você, homem, espada, machérrimo, é infinitamente inferior à mulher. Inferior no quê? Na força física? Na capacidade de dirigir um carro, de trocar o gás? No talento para instalar o home theater? É claro que não. Então seria na capacidade de dirigir uma empresa? Também não. Calma leitora fiel: não estou dizendo, para não criar polêmica, que o homem seja melhor para dirigir uma empresa, embora seja... Ih, criei...

O problema é que as relações sociais mudaram drasticamente. Hoje as relações são de troca, de igualdade. Hoje à mulher é permitido ter prazer, e o pior é que elas querem mesmo. E dar prazer a uma mulher é muito mais difícil e complexo. Para dar prazer a uma mulher, e com isso encantá-la a ponto de ela te amar, você tem que fazer muito mais do que pôr um pneu no carro, do que pôr dinheiro em casa, pôr o carro na vaga estreita. Só pôr não basta, se é que você me entende. 
Agora veja o diálogo:
ELE: O que você quer da vida?
ELA: O mesmo que todos, uma carreira, amor, casamento filhos... e você, o que quer?
ELE: Quero alguém como você.
ELA: (Ri) Por favor...
ELE: O que procura, quem é seu cara perfeito?
ELA: Acima da tudo alguém humilde demais para se achar perfeito
ELE: Eu
ELA: Alguém inteligente, protetor, engraçado
ELE: Inteligente, protetor, engraçado? Eu, eu e eu.
ELA: Romântico e corajoso.
ELE: Eu sou assim.
ELA: Tem um corpo lindo, mas não fica se olhando no espelho
ELE: Tenho um corpo lindo e passo meses sem me olhar no espelho.
ELA: É doce, sensível, gentil e chora na minha frente.
ELE: Está falando de um homem?
Ela é Rita, produtora de TV. Ele é Phil Connors, o “homem do tempo”da TV. Estão cobrindo um evento folclórico no interior, no qual uma marmota sai da toca e, ao ver ou não sua própria sombra, diz se o inverno acaba ou se dura mais seis semanas. Ela decreta que o inverno vai prosseguir. Acabam presos na cidade por causa de uma nevasca. No dia seguinte Phil, que odeia tudo aquilo e detesta a cidade, acorda e percebe que o dia anterior está se repetindo. Só para ele. Ninguém mais nota isso. Para todos os outros é a primeira vez que ocorre aquele dia. E o mesmo acontece, dia após dia, centenas e centenas de vezes. O filme é Feitiço do Tempo, um daqueles que o tempo transforma em clássico, e o tempo não faz isso com qualquer filme, não.
No começo, Phil se irrita muito, afinal, para ele foi um dia horrível. Mas os dias se repetem tantas vezes que ele percebe que pode fazer o que quiser, que não haverá conseqüências, já que o dia seguinte começará na manhã anterior ao que quer que faça. Todos os dias começam com a filmagem do “Dia da Marmota”, seguindo para um café com Rita, por quem se apaixona. Resolve conquistá-la e faz de tudo para isso, inclusive preenchendo os requisitos (aquilo foi um questionário – agora você sabe). Mas é difícil, afinal, ele parece descobrir que como pessoa ele é um marmota (por sinal, o nome original do filme é o dia da marmota).

Phil faz o que pode, a cada dia chega mais perto de Rita, mas perde tudo no dia seguinte, afinal, todos os dias começam com ela, meiga e sensível, detestando o egoísta e arrogante Phil. Ele sempre terá apenas um dia para transformar ódio em amor. Até chega perto, mas sempre falta alguma coisa, e quando avança o sinal, sempre toma um tapa na cara (para ela é um só tapa, mas para ele são dezenas). Para conquistá-la, falta alguma coisa que ele não sabe o que seja. Phil é o sensacional Bill Murray, ator fantástico e econômico que, ao melhor estilo Peter Sellers, não precisa de caretas e micagens para fazer rir.

O brilhante roteiro mostra, sem dizer, que os dias se repetem centenas de vezes. Por exemplo, quando ele resolve aprender a tocar piano e os dias passam, até que ele vira um exímio pianista, escultor, passa a conhecer a vida de todos os habitantes da cidadezinha. Mas os saltos nos dias são cuidadosos: para que saibamos que é novamente o mesmo dia, os sinais se repetem: o relógio despertando com a mesma música, o café da manhã, um antigo colega de escola. Quando assimilamos os códigos e entendemos a repetição dos dias, o filme insere novos códigos, todos tão bem feitos que acompanhamos com tranqüilidade. Mais do que isso, com prazer. As descobertas de Phil sobre como utilizar aquela situação em benefício próprio são hilariantes. Além disso, não há explicação sobrenatural para aquilo, não tem maquininha, nem raios, nem uma carta de baralho oriental, nem um cara estranho numa loja que diz a Phil que ele tem que melhorar.
Mas como acaba? Phil conquistará Rita? Ele vai se livrar daquele dia?
Não importa, o filme é mais que isso. Acabei o filme com a sensação de que o amor requer tempo, que o amor é o que faz a vida valer à pena, apesar de toda a dor que causa, dor que faz a gente querer se matar muitas vezes (mas não podemos nos matar, porque amanhã, ao contrário dos dias de Phil, será o dia seguinte e acordaremos mortos, ou melhor, não acordaremos).

O amor faz com que nós, homens, ao tentar conquistar uma mulher de verdade, sejamos realmente mais do que instaladores de aparelhos de som.

Por deixar isso tão claro, com tanta graça, prazer, suavidade e elegância Feitiço do Tempo é sublime... como o amor.


"Eu, que não sabia que o amor requer vigília..." (Raduan Nassar, em Lavoura Arcaica)

domingo, 24 de julho de 2011

TIO MOA ALERTA - THE DARK SIDE OF THE NÓS

tOU “O DOPADO, O MALUCO E A DROGADA”
A voz comum costuma ser assassina. Estou ouvindo Back to Black. Antes de continuar esta leitura, por favor, acesse este link e ouça a música enquanto lê.
E aí, já está ouvindo? Ainda não? Pois ligue logo a música... Pronto?
Três coisas aconteceram nesta semana que me deixaram assustado. Um quarto acontecimento me deixou assombrado.
1.       Cesar Cielo é nosso herói bonitinho, o maior nadador que este país já teve, ganhou ouro olímpico e é esperança de ouro nas próximas olimpíadas. Só que outro dia ele foi pego com doping, como um ladrão é pego saindo do roubo, como Mauricio Marinho é pego recebendo propina. Foi absolvido pelo comitê brasileiro não sei das quantas, mas o julgamento iria a um tribunal esportivo internacional; este sim iria fazer justiça, já que é conhecido pela dureza com casos de doping. Este mesmo tribunal já havia dado, há pouco tempo, uma pena severa a outros nadadores por ingestão da mesma substância. Como não se pode ter dois pesos e duas medidas, esperava-se que a justiça fosse feita e Cielo fosse condenado à mesma pena, mesmo que isso significasse perdermos nosso maior nadador por duas olimpíadas. Mas o tribunal, infelizmente, liberou Cielo.
2.       Kleber, jogador do Palmeiras, no meio de semana protagonizou uma cena inusitada. Quando um jogador cai e o juiz pára o jogo para que se restabeleça, quando a bola volta em jogo, o time que não estava com a bola no momento da paralisação, gentilmente devolve a bola ao time adversário. É o chamado fair-play. Só que, ao receber a bola do juiz depois do atendimento a um jogador do Flamengo, Kleber, ao contrário do que todos esperavam, saiu como um maluco com a bola para a frente e tentou fazer o gol.
3.       Amy Winehouse, em seu último show, foi vaiada porque estava sem condições de dar o melhor de si, de cantar as músicas da forma que as pessoas, que, afinal, pagaram pelos ingressos, esperavam. Ela estava totalmente fora do que se pode chamar de estado normal. Como é que uma mulher bonita, bem sucedida, celebridade mundial, pode se entregar à bebida e às drogas desse jeito. Hoje ela morreu, novidade nenhuma: todos esperavam que isso fosse acontecer a qualquer momento, dado o tipo de vida que ela levava, se é que aquilo pode ser chamado de vida.
Muito bem, o que estes 3 casos desta semana têm em comum, pergunta você, leitor desconfiado? Por que estes casos me assustaram, como eu mesmo disse no início deste pôsti meio sombrio a ser lido ao som de Back to Black? “Tio Môa”, você pode estar pensando em dizer, “não é assim tão raro as pessoas fazerem besteira, isso acontece todos os dias, o mundo está podre, afinal”.
Só falta agora aparecer o Casoy e dizer que precisamos passar este mundo a limpo.
Aumente o som antes de continuar lendo.
O que os três casos têm em comum é o que me deixa assustado: a reação moralista e irada das pessoas.
1.       No caso Cielo, todos esperavam que se fizesse “justiça” com sua condenação. Não foi a opinião que você teve ao ler o meu enunciado do caso? Eu li há pouco um fórum: estão apedrejando o cara. Todos pedindo “justiça”, pedindo igualdade, dizendo que devia ser aplicada a mesma pena dos outros. Mas duvido que algum deles sabe em que condições os outros foram condenados. Acaso você sabe se a quantidade encontrada no sangue dos outros era igual à do Cielo ou se era muito menor? Você sabe se uma gota é igual a um litro para surtir o efeito de obter melhor rendimento? E os antecedentes dos outros? Já haviam sido “pegos” antes? Tudo isso deve, necessariamente, servir de base para uma decisão justa, mas quem quer saber disso? O que chamam de “justiça” é a condenação do outro. Ninguém quer saber da essência da justiça, o que querem é sangue.
2.       No caso Kleber, os jogadores do Flamengo, os jornalistas e os “defensores da ética” no futebol partiram prá cima do Kleber, que infringiu o chamado código de honra dos boleiros e o chamado fair-play. Agora pense numa coisa: e se o jogador do Flamengo (ou de qualquer time que caia para ser atendido) estivesse “fazendo cera”? Fato: aproveitando-se do tal do fair play, muitos jogadores que caem, na verdade estão fingindo para fazer o tempo passar porque o resultado lhe interessa e a equipe adversária está melhor e pressionando. Afinal, o juiz nunca, repito, NUNCA, repõe aquele tempo perdido. E ainda por cima o time que precisa do resultado tem que devolver a bola ao time que está mentindo e prejudicando o espetáculo, e tudo porque convencionou-se dizer que o fair-play consiste em “gentilmente” devolver a bola ao adversário. Hoje ouvi Muricy Ramalho (técnico) dizer que o mundo tá ficando cada vez mais chato, que tudo tem que ser politicamente correto, que antigamente não havia nada disso e o futebol era muito melhor. Adoro vozes e comportamentos dissonantes. Mas todos caíram de pau no Kleber, inclusive quem tem conexão ilegal da NET, quem fura fila, quem anda pelo acostamento e rouba lugar de quem está esperando. Garrincha hoje não encantaria o mundo com seus dribles mágicos, porque seria contra o código dos boleiros. Curioso é que Garrincha é tido como o inventor do fair play, o verdadeiro, porque ao ver um adversário mancando pôs a bola para fora para que ele fosse atendido. Ninguém quer saber da essência do fair play, o que querem é sangue.
3.       No caso Amy Winehouse, uma amiga postou hoje um comentário jocoso sobre ela ser drogada. Sorte que outra amiga, maravilhosa, postou um comentário dizendo-se triste. Lembro, como se fosse agora, do momento em que a TV disse que Cassia Eller havia morrido e que a causa provavelmente era overdose. Quem estava ao meu lado disse: bem feito, uma drogada a menos. É muito comum a gente (e eu sou gente) falar “bem feito” quando alguém, sucesso ou não, se dá mal. É uma delícia ver alguém dançar...  Sei que uma avalanche de comentários semelhantes de estar agora entupindo a rede. Ninguém está pensando nas dificuldades afetivas ou psicológicas que ela tinha, nem na música maravilhosa que ela criou, nem nos dois discos maravilhosos que ela deixou e que vão ficar prá sempre, já são clássicos, ninguém imagina, nem quer, se ela sofria ou não, nem querem saber se sua vida era ou não um inferno, ninguém está nem aí se ela usava drogas ou se bebia. O que querem é julgar, é jogar a bruxa na fogueira. O que querem é sangue.
Não sei ao certo, mas desconfio que isso seja pior aqui no Brasil, país de mentirosos, país raquítico que mais arrota do que come, que permite roubos descarados, que deixa no comando do maior evento de futebol do planeta uma pessoa internacionalmente conhecida como corrupto, mas, por outro lado, somos um país que não permite deslizes morais, ao menos os públicos.
No inicio do pôsti, falei que uma quarta coisa me assombrou. Foi o cara na Noruega que matou 80 jovens, ao que tudo indica porque não pensavam como ele, que é ligado a grupos de extrema direita.
É hora de voltar a ouvir a ouvir Back to Black, caso ela tenha terminado.
A associação é assombrosa, é terrível a simetria: o que moveu o atirador é o mesmo que move as pessoas a, de uma hora para outra, odiar Cesar Cielo, apedrejar Kleber, ironizar Amy Winehouse. O que move é o ódio, que é um extremismo. Se o cara era de extrema direita ou extrema esquerda dá no mesmo, o que conta é o extremismo. “Odeio aqueles jovens imbecis”, “odeio nadadores dopados”, “odeio músicos drogados”, “odeio jogadores malucos”. O extremismo que está no lado negro do nosso ser nos faz urrar como os nativos da ilha da caveira diante do sacrifício da mocinha, que tinha o pecado de ser diferente, loira e bonita. O pior é que não fazemos isso sozinhos, porque não temos coragem de enfrentar a nós mesmos, mas ficamos valentões na multidão, quando estamos na voz comum.
A voz comum é assassina.
Nosso urro quando apedrejamos alguém vem de saber que não somos nós que estamos lá, no muro. Nosso gozo ao apedrejar é por saber que nossos deslizes morais não foram descobertos. Cada vez que pegamos um otário desses, urramos para reafirmar aos outros a nossa retidão moral e para empurrar nossos deslizes e nosso fracasso de volta para o nosso lado oculto, back to black.  

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Atenção atenção! URGENTE - AVISO IMPORTANTE

Alguns dos últimos pôstis deste blógui falaram de novela. Pois hoje estréia, à meia noite e quinze, no canal VIVA, canal 36 da NET, a novela Roque Santeiro, escrita por Dias Gomes. Acreditem, sobrinhos do Tio Moa: esse cara era um gênio.
Agora faça um favor para você mesmo: veja, obrigatoriamente, este primeiro capítulo, porque há ali a cena de apresentação de Sinhozinho Malta, fantasticamente interpretado por Lima Duarte.

A cena é genial: trata-se de uma entrevista que ele está dando a uma repórter. Sir Duarte está fenomenal. Você, que gosta de arte e valoriza uma boa atuação, vai ficar babando com Lima Duarte na cena, que por sinal é uma bela mostra da capacidade de síntese e da genialidade de Dias Gomes. Numa única cena ele consegue sintetizar não só o personagem e seu caráter, como traçar um painel de como funciona o poder no Brasil. A cena é imperdível, mas inexplicavelmente não constou no box Roque Santeiro, que tem 16 DVDs e está a venda em todas as boas lojas. Portanto, é ver hoje ou nunca mais.
A novela é baseada numa peça do próprio Dias Gomes, chamada O Berço do Herói. Na peça, Roque é um desertor de guerra, mas como foi dado como morto vira herói. Na novela a história muda um pouco, mas mantém-se como uma sacada fenomenal para denunciar os mecanismos do poder. Vale lembrar que, anos antes, a Globo tentou levar a novela ao ar, mas no dia da estréia foi vetada pela Censura Federal... Tempos de ditadura. Em 1985, na chamada nova república, aí sim ela rola. A história: uma vilazinha cresce e se transforma numa progressista cidade depois que bandidos a tomam de assalto e matam Roque, que heroicamente, teria defendido a igreja do saque. Roque vira herói, estátua e santo, devido a umas invencionices ide pessoas interessadas no lucro que aquilo podia dar. E assim, baseada no mito do herói e santo Roque Santeiro, a cidade cresce e prospera. Um belo dia o “santo” reaparece na cidade, vivinho da silva, para trazer de volta o que ele mesmo havia roubado da igreja.

Assim, o mito está ameaçado. Sua volta leva ao desespero o padre Hipólito, o prefeito Florindo Abelha e o comerciante Zé das Medalhas, principal explorador do santo. Mas o maior prejudicado é Sinhozinho Malta, o todo-poderoso fazendeiro do lugar, que vê ameaçado o seu romance com a "viúva" Porcina, que nunca foi casada com Roque e sempre viveu à sombra de uma mentira articulada por Malta. Mentira institucionalizada para fortalecer o mito e tirar vantagens pessoais.
Durante toda a novela o poder tenta esconder seu retorno. Estão ali representados os poderes econômico e político, o papel da igreja, tudo como uma crítica mordaz aos valores e à hipocrisia da sociedade contemporânea. Paulo Gracindo está lá, como o padre, num papel comedido, mas com uma carga dramática que só ele seria capaz de dar. Divirta-se com o prefeito Florindo Abelha e sua mulher, Pombinha Abelha, interpretados por Ari Fontoura e Heloisa Mafalda, que roubam a cena todas as vezes em que aparecem, sempre hilariantes. Agnaldo Silva co-escreveu a novela, especialmente nas partes mais chatas, sim porque tem lá os núcleos chatos de sempre. Mas o resto compensa tudo.

Texto muito inteligente e criativo e atuações fantásticas dos atores que interpretam os principais personagens (Lima Duarte, Armando Bogus, Paulo Gracindo, Ari Fontoura, Regina Duarte). Não precisa acompanhar toda a novela, não, embora devesse, mas o horário é complicado... Mas saiba que em qualquer dia que esteja na frente da TV a esta hora e queira ver algo de qualidade, mas ao mesmo tempo leve e muito divertido, ligue no 36. A novela é a prova de que o impossível pode ser possível: entretenimento com inteligência na TV.

Tô certo, ou tô errado? (responda aqui mesmo no pôsti quem conseguir conferir este primeiro capítulo) 

domingo, 17 de julho de 2011

OS 10 MAIS - AVOHAI E O SEGUNDO ANDAR DA SUA CASA

Neste estranho mundo em que você é diariamente pressionado para conseguir as coisas que você quer, ou pensa que quer, já que é a sociedade que lhe impõe as vontades sem que você perceba, quase não há chances de respirar. A correnteza louca desta vida te arrasta para bem longe de você mesmo.

Imagine-se na sua casa, com muita gente, num domingo muito quente e cheio de homens bebendo muito e falando alto com suas vozes grossas, crianças correndo pela casa e gritando com suas vozes finas, e a TV em alto volume ecoando o chato do Faustão gritando PORRA MEU com sua voz de Faustão . 

Você pode até pensar que gosta dessas coisas isoladamente, mas quando todas são colocadas juntas e exacerbadas aí já são outros quinhentos. E você lá no meio, com vontade de respirar e de ouvir silêncio, para poder se conectar com algo ou simplesmente com nada, torcendo que chegue logo a hora de todos irem embora, mas quando vão, você tem que arrumar tudo e tem que tomar banho e tem que se preparar para o trabalho no dia seguinte. Você definitivamente não consegue respirar. Assim é a sufocante vida moderna: um domingão desses. 

Agora imagine que na sua casa tivesse um segundo andar mágico, para onde você pudesse subir. Imagine que nesse andar não chegasse barulho nenhum, nenhum, nenhum, a não ser o das asas dos pássaros batendo de quando em quando e o leve roçar das folhas das árvores ao vento. Imagine que houvesse uma poltrona bem gostosa num quarto bem amplo, de frente para a varanda, onde você se sentasse e sentisse a vida calma correndo pelas suas veias e pelos seus alvéolos. Esse andar seria mágico não por causa disso tudo de que até agora falei, mas porque ele seria refratário a todos os pensamentos mundanos e cotidianos, a todos os seus barulhos internos, que você levaria contigo se o seu segundo andar não fosse mágico.

Eu sei que você não tem o seu segundo andar mágico... Mas saiba que eu tenho. Morra de inveja... Tudo bem: como eu sou uma pessoa boa, além de inteligente, sensível, compassiva e modesta, não vou tripudiar com a exclusividade do meu segundo andar mágico. Vou dividi-lo com você, não sem um certo custo, evidentemente. 

Você terá o seu segundo andar mágico, basta que para isso saia agora mesmo de sua casa, ou melhor, basta que para isso você acabe de ler este pôsti e depois saia imediatamente de sua casa e vá correndo, sem ultrapassar os limites de velocidade, para o shopping mais próximo e entre na primeira boa loja de CDs que você encontrar e compre o disco gravado em 1978 por um paraibano esquisito que atende pelo nome de Zé Ramalho. O nome do disco é Zé Ramalho, mas é mais conhecido como Avohai.

Voltemos ao domingão insuportável que é a sua vida. Não se ofenda, porque a minha vida também é assim, mesmo que meus domingos sejam, infelizmente, solitários. Creio, caro sobrinho, que você entendeu que o Tio Moa usou o domingão apenas metaforicamente, certo? 

Pronto, está lá você no domingão de sua vida. Agora ligue ponha um fone de ouvido e ligue o CD recém comprado. Você imediatamente vai visualizar uma escada toda branca, hollywodiana, larga e em curva, como nos musicais. Não digo que seja como a escada pela qual desce Norma Desmond na cena final de Crepúsculo dos Deuses, o melhor filme da existência, desde que a existência foi criada por deus, por que naquela escada havia uma escuridão crepusucular e a escada de que falo, que aparecerá à sua frente assim que colocar o CD na vitrola (!), é branca, clara, matutina.

Com os primeiros acordes, sem que você faça o menor esforço, sem que você coloque um pé diante do outro, você já estará subindo os primeiros degraus. Esses acordes... Meu deus, o que são esses acordes?  Uma viola inicia o caminho e te faz subir o primeiro degrau, aí entra um sintetizador que toca algo que te faz subir mais uns 4 degraus de uma vez só. O sintetizador é do tecladista Patric Moraz, que acabava de gravar seu último disco pelo Yes, banda seminal do rock-pop-viajandão (e aqui não vai, embora você não acredite, nenhuma ironia – como poderia eu ironizar uma banda que influenciou decisivamente Arnaldo Baptista, meu deusinho particular?) 

Enfim, só com os primeiros acordes de Avohai, primeira música do disco, você já subiu toda a escada e está no seu segundo andar mágico. Aí vem a voz de Zé Ramalho, que parece vir direto do coração do mundo, “do orbe oriundo” (ah, os poetas românticos).

Um velho cruza a soleira
De botas longas, de barbas longas, de ouro o brilho do seu colar
Na laje fria onde coarava sua camisa e seu alforje de caçador
Oh meu velho e invisível Avôhai
Oh meu velho e indivisível Avôhai

A participação de Moraz termina em Avohai, a música, mas não precisava de mais nada, afinal, você já está no seu segundo andar. Já o fantástico baixo de Chico Julien pontua o disco todo e é como se ele esticasse os teus intestinos e tocasse com eles; sim, os teus intestinos, leitor incrédulo. Não há nada melhor do que algo que reverbere diretamente em nossos intestinos.

Gente de bem, críticos musicais, entre outros, dizem que Zé Ramalho trouxe o psicodelismo, moda no final dos anos 70, para suas letras. Nada mais enganoso pensar assim. Ah, essa gente do sul... Zé Ramalho, o paraibano que canta como se fosse o dedo de deus, traz aquilo que a cultura de nordeste tem de mais profundo, de mais atávico: as míticas lutas entre o bem e o mal, expressas no universo mágico e encantado do cordel, manifestação popular secular, enquanto que a psicodelia, embora influenciada por universos anteriores, pertence ao final dos anos 60.

Pares de olhos tão profundos que amargam as pessoas que fitar

E depois de Avohai vem Vila do Sossego, que deixa pequeno, caro leitor, todo os probleminhas e barulhinhos dos andares de baixo da sua vida, porque aquele coro com as vozes de Amelinha e Elba Ramalho te remetem ao fundo do seu ser, conectando-o com toda a beleza e sofrimento humanos. Diz o dedo de deus: os meus gametas se agrupam no meu som, explicando tudo.

Oh, eu não sei se eram os antigos que diziam
Eu seus papiros Papillon já me dizia
Que nas torturas toda carne se trai
E normalmente, comumente, fatalmente, felizmente
Displicentemente o nervo se contrai
Ô, ô, ô, ô, com precisão!

Zé Ramalho é um trovador que conta histórias que vão, como histórias em quadrinhos, entrecortando a linha reta, apagando todos os sons do domingão da sua vida, pra você não reclamar.  

Meus vinte anos de boy, that’s over baby! Freud explica
Não vou me sujar fumando apenas um cigarro
Nem vou lhe beijar gastando assim o meu batom


E assim, com Avohai, Vila do Sossego e Chão de Giz, fez-se a mais impressionante seqüência de 3 músicas iniciais de um disco de estréia da história da humanidade e do universo e da constelação e de toda a existência. Mas o disco não acaba aí; pelo contrário, seus momentos mais delirantes vêm depois. Alucinação é o que desperta A Dança das Borboletas, que giram a sua cabeça, te desconectam deste mundo do domingão, e, isso é segredo nosso, meu e teu, cúmplice leitor,  criam um terceiro andar, cujas características não são contáveis por palavras. Ouça, suba, e sinta. O mestre da guitarra Sérgio Dias, guitarrista dos Mutantes, foi quem construiu a escada que vai do segundo ao terceiro andar, num dos mais delirantes travelings de guitarra de toda a história da múzica, assim, com Z, universal, fechando com um interminável, porque não termina nunca, solo hipnótico.

As borboletas estão invadindo
Os apartamentos, cinemas e bares
Esgotos e rios e lagos e mares
Em um rodopio de arrepiar

Derrubam janelas e portas de vidro
Escadas rolantes e nas chaminés
Se sentam e pousam em meio à fumaça
De um arco-íris se sabe o que é....
Se sabe o que é.... se sabe o que é!

A alucinação não para por aí não. Paulo Moura, maestro, saxofonista e clarinetista que morreu há um ano, surge, em Meninas de Albarã, como um espectro, como se tivesse morrido 30 anos antes de morrer, como se viesse de algum lugar totalmente desconhecido pela razão humana.

De noite acendo a tocha do meu olho
Farol do Cabo-Branco secular
Desato as correntes do meu grito
E falo dos mistérios desse mar
Escuto a gargalhada de Netuno
Que no Atlântico me abrigou
A correnteza louca dessa vida
Me arrasta para bem longe do meu amor

Estréia avassaladora. Recentemente o Estadão lançou uma coleção: “Os 25 Discos que Fizeram História”. Este Zé Ramalho está lá. Para gravar o disco, Zé Ramalho não tinha um tostão furado e a gravadora não punha fé, ou seja, dinheiro. Todos os músicos, famosos e requisitados, provavelmente sem saber o porquê, tocaram de graça para um músico paraibano estreante. Talvez ungidos por algo desconhecido no universo material, Zé e os músicos proporcionaram a você, que está aí, de cara, lendo este fabuloso pôsti, uma passagem de primeira classe para o segundo andar mágico e, como bônus, para o terceiro andar, sobre o qual eu me recuso, veemente e terminantemente, a comentar e mesmo a ilustrar... Notaram que este pôsti não tem imagens?

quinta-feira, 14 de julho de 2011

TIO MOA E O ASTRO - BUEMBA, BUEMBA: DESCUBRA QUEM MATARÁ SALOMÃO HAYALLA

Uma amiga minha, a belíssima Aninha, escreveu na sua página no Facebook, na segunda-feira: “Logo mais começa mais uma novela da globo! Agora as 23H00... A pergunta é: Porque mais uma novela???? PORQUE????”. Depois ainda acrescentou que dormir é bem melhor do que assistir novelas.
Ora, direis, ouvir estrelas... Certo perdeste o senso! (Bilac)
Pensei em responder "o que é isso, menina? Esta não é 'mais uma' novela" e de dizer mais uma série de impropérios, mas segurei meu ímpeto e respondi outra coisa qualquer, de modo educado e gentil, afinal, quem pode garantir que realmente não será apenas mais uma novela?
Depois de um final de semana em que passei ouvindo trilhas (foi uma incrível viagem no tempo) de grandes novelas, escritas por Dias Gomes, ou baseadas em romances de Jorge Amado, com atores da estatura de Paulo Gracindo, Lima Duarte, Jaime Barcelos e Armando Bogus, os comentários da Aninha (não repeti o “belíssima” de novo para não encher demais a bola da moça) me atingiram como um soco do Holyfield bem na boca do estômago, ou como uma bolada no saco (quem já levou uma sabe do que estou falando).
Não que eu defenda as novelas, mesmo porque eu não vejo novela há 148 anos, mas, por causa do final de semana, eu estava tão nostalgicamente noveleiro e, confesso, até ansioso com estréia do remake de O Astro, que senti o golpe. Mas como tirar a razão da Aninha? Ela sabe muito bem que as novelas de hoje são ruins demais, são escritas por “autores de novelas”, não por dramaturgos ou romancistas, como nos anos 70. Os atores de hoje são formados nas escolas globais de fazer robôs bonitinhos e sarados. Hoje as novelas não dizem nada, são chatas, maniqueístas, previsíveis e só se prestam a entreter quem quer diversão rasa, muito rasa.
Mas, Aninha, acredite: houve um tempo em que não era assim. Não pense que estou usando apenas a tal da memória emotiva, que faz com que tudo no passado pareça bom. No passado havia novelas horrendas também. Mas quando criaram a faixa das 10, de novelas com espaço para arte, ousadia, invenção, e para os grandes atores, foi uma maravilha. Por isso que um remake de uma novela (das 8h), que foi tão interessante, chamou muito a minha atenção.
Destarte, como não sou de fugir do pau... Ih, isso soou estranho.
Destarte (resolvi manter o “destarte”, que achei digno), e como não sou de fugir de provocações (melhorou), coloquei-me diante da TV para ver “O Astro” e depois malhar a Aninha (malhar no bom sentido, é claro).  
Dionísio Azevedo, o Salomão Hayalla  da 1a versão
“Em setembro, se Venus me ajudar, 
 virá alguém...
Eu sou de virgem, e só de imaginar
Me dá vertigem... 
Minha pedra é o ametista, 
minha cor, o amarelo,
Mas sou sincero, 
necessito ir urgente ao dentista...” 
Que maravilha, já começou bem. Fiquei espantado com a homenagem da abertura, praticamente igual a da novela original, com aquela música deliciosamente irônica do João Bosco. Não que a abertura original fosse o máximo, mas gostei do raccord.
Finda a abertura, começa a novela. Expectativa... Mais expectativa... Calma, apressado leitor, deixe o tempo falar por si... Expectativa... Pronto: saiba, ávido leitor, que após ver o capítulo do dia, meu espanto continuou. E passou uma noite e passou um dia, e eu ainda estou espantado. Não consigo parar de pensar no que vi. Infelizmente, Aninha, não é o espanto do Olavo Bilac diante das estrelas.
Um parêntese informativo e, presumo, interessante: a novela original, como obra, não era uma maravilha (dirigida por Daniel Filho nenhum gênio), mas era muito bem escrita (Janete Clair, por sinal, mulher do Dias Gomes), tinha uma boa trama e sobretudo originou a famosa pergunta “quem matou...?” No caso, quem matou Salomão Hayalla? (veja ele logo acima). Mas era uma delícia de ver “O Astro”, por que tinha Francisco “Herculano Quintanilha” Cuoco como o encantador, cínico e divertidíssimo, vidente charlatão. 
Na trama da novela, seu personagem despertava ou amor absoluto ou ódio mortal. Ninguém, nem na novela, nem do lado de cá da telinha, ficava indiferente a ele. Francisco Cuoco, sabe-se, não é um gênio da raça, não é um Paulo Gracindo, nunca foi um daqueles atores de amplo domínio da técnica, mas funcionava muito bem na frente das câmeras e ainda tinha algo muito importante, especialmente para aquele papel: um carisma impressionante.
Laurence Olivier, Heathcliff em Wuthering Heights
Quem conhece um pouco de futebol, sabe que Garrinha ganhou sozinho a copa de 1962, que Maradona fez o mesmo na de 1986, que Neto ganhou um Brasileiro sozinho pelo Corinthians. No campo dos filmes, o gigantesco Lawrence Olivier domina de modo impressionante o Morro dos Ventos Uivantes, de 1939. Na música, o Barão Vermelho era ótimo, mas puro Cazuza – depois dele o grupo virou apenas mais um grupo de rock bonzinho, com o perdão do esforçado Frejat. Pois em “O Astro”, a original, Cuoco fez o mesmo: ele era a novela. Foi, disparadíssimo, sua melhor atuação na TV. O fato de desempenhar o papel de canastrão evidentemente ajudou, mas não foi só isso. Ele dominava as cenas com carisma e ironia irresistíveis. Compôs o personagem cheio daquele charme fake grosseirão. Foi espetacular, sucesso nacional. 
Mas, de resto, a novela não era nada demais. Não fosse Cuoco, a novela teria caído no esquecimento, como dezenas de outras.
Findo o parêntese, voltemos ao meu espanto: como é que colocam uma estátua para interpretar um personagem cuja principal missão na novela é ser irônico, encantador e carismático? 
Sim, porque o cara que interpreta Herculano Quintanilha (dispenso-me de procurar seu nome no Google) não passa de uma estátua em cena. Aliás, existem estátuas com muito mais expressão, vide “Laocoonte e seus filhos” (acima) e outras centenas de estátuas mais talentosas que o astrinho da Globo. Talvez existam até algumas vassouras e prateleiras mais talentosas. Quanto ao resto da novela, mesma coisa, nada demais, nada de novo. 
Não aproveitaram o horário de menor apelo comercial, para introduzir algo de novo, de qualidade, como às vezes fazem com minisséries, especialmente quando dirigidas por Luiz Fernando Carvalho, que inclusive dirigiu a última grande novela da TV, Renascer, nos anos 90.
Assim, a única atração da novela será mesmo a boa e velha pergunta “quem matou Salomão Hayalla?”, que deve ser mantida, pois parece que vão mudar o assassino original para manter o suspense. Mas considerando que quem interpreta o Salomão Hayalla agora é o diretor da primeira versão, que presenciou a estupenda e antológica atuação do Francisco Cuoco, eu desconfio que ele morrerá mesmo é de desgosto.
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.  
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?" 
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e entender estrelas"


Olavo Bilac despertava e abria as janelas, pálido de espanto, para ouvir as estrelas. Não há estrelas nesta O Astro.
“Dorme, minha pequena, não vale a pena despertar”. (Chico Buarque)
Aninha, siga, além de sua intuição, o conselho do Chico, vá dormir porque realmente não vale a pena sacrificar sua pele, por sinal, belíssima...
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