domingo, 11 de novembro de 2012

ARGO - SURGE UM DIRETOR


“Quem não sabe fazer, ensina, e quem não sabe ensinar, vira professor de educação física”, diz Jack Black em Escola de Rock, numa mesa cheia de professores, inclusive um de educação física. Isso me lembra do que pensei quando soube que o mediano ator Ben Affleck estava dirigindo. Normalmente julgamos que quem não sabe fazer uma coisa nem outra, na terceira será apenas medíocre. Tinha visto um filme dirigido por ele, “Atração Perigosa”, que gostei como um bom passa-tempo; um filme de roubo a banco com viés romântico e um pouco moralista. Gostei a ponto de me lembrar de que gostei, nada além disso, embora esteja com vontade de ver de novo para conferir.

Ontem foi a vez de “Argo”, também dirigido por ele, que estreou neste final de semana nos cinemas. Já de cara eu aviso: saí embasbacado! É um filme daqueles que no final a gente tem que se controlar para não bancar o idiota e aplaudir. Na real, nem sei aplaudir um filme é algo idiota. Sabe quando acaba um filme e você ouve aquele murmúrio generalizado de uaus e ohs? Foi assim. Se não fosse “proibido” aplaudir um filme, as pessoas não teriam se segurado.  

E não é que o diretor Bem Affleck é o grande responsável pela maravilha que o filme é? Vou dizer por quê:
O filme, baseado na história real da crise EUAxIrã, pode ser dividido em três partes: a primeira compreende a explicação inicial, a invasão da embaixada americana no Irã, em 1979, a fuga de seis diplomatas que se escondem na casa do embaixador do Canadá, terminando com a decisão, pela CIA e governo americano, da estratégia para tentar resgatar os seis diplomatas do Irã: simular a montagem de um filme por uma equipe de sete “canadenses”, que seriam os seis refugiados americanos mais o agente da CIA, Tony Mendez (bem interpretado pelo ator Ben Affleck – que parece ter sido bem dirigido...). A segunda parte se dá em Hollywood, com o agente tentando convencer o maquiador do Planeta dos Macacos (John Goodman) e um produtor (Alan Arkin) a simularem o filme como se realmente fosse ser filmado. A terceira parte, que vai até o final, compreende a preparação e a execução do plano, na capital do Irã, acompanhada pelo comando da operação nos EUA, com o brilhante Bryan Cranston (de helênica série Breaking Bad). 

O problema é que cada parte do filme é filmada de modo completamente diferente da outra. Olha o absurdo: são três gêneros em um filme só. Sabe quais? Drama político, comédia e suspense, nesta sequência (vamos abrir uma campanha pela volta do trema?). Pense no seguinte antes de ir ao cinema gastar seu rico dinheirinho: tem chance de dar certo uma mistureba dessa? 


Sim, desde que alguém de peso comande tudo isso, alguém com sensibilidade para passar naturalmente de uma parte para a outra, sem quebras, sem que pareça que são três filmes diferentes que mal conversam entre si. É aí que reside o maior mérito de Affleck: o filme tem unidade e coesão, as passagens são naturais e nunca perdemos o foco da gravidade do que está acontecendo. A reconstituição da época, perfeita, ajuda muito. Além disso, as 3 partes são muito bem filmadas: desde a invasão da embaixada, cena que não apela ao modismo da câmera tremida correndo no meio da multidão e nem daquela montoeira de cortes estilo vídeo-clip. 


Na primeira parte, Affleck opta pelo estilo dos bons filmes dos anos 70, de Friedkin ou Scorcese. Já a comédia, ao estilo irmãos Coen, engraçada e inteligente, ironiza o mundo de Hollywood como paralelo à situação política, com piadas tipo “o que? Você já lidou com radicais muçulmanos? Não são nada comparados a um diretor de estúdio!” Já na terceira parte há cenas de suspense que Hitchcock aplaudiria, cenas com uma carga de tensão impressionante. Nada como um bom suspense para deixar a gente sem ar. 


Voltando ao “quem não sabe, ensina e quem não sabe ensinar é professor de educação física”, o mundo do futebol consagra estes últimos: Felipão e Luxembrugo, jogadores medíocres, são treinadores de primeiro escalão, enquanto os craques Falcão e Zico são medianos como técnicos. Com Argo, Ben Affleck está mais perto de Felipão e Luxemburgo do que do de Zico e Falcão.

Argo é filme de primeira, inteligente, de qualidade e para todos os gostos, daqueles filmes que Tiagos e Davids podem ir junto com Tias Anas e Tios Edinhos, daqueles que podemos convidar nosso nosso chefe com sua esposa para ver e depois comentar numa pizzaria.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

9,5 RAZÕES PARA VER 007 - SKYFALL



1.            1. O filme homenageia os 50 anos de James Bond no cinema. E homenageia em grande estilo. A série, que está no vigésimo terceiro filme, inventou a modernidade, inaugurou um estilo, ditou moda. Você vai ser Mané de ficar fora dessa?
2.   A cena de abertura: enche os olhos de quem gosta e de quem não gosta de cenas de ação, como é o meu caso. Não que eu não goste por definição; o problema é que na maioria dos filmes, as cenas de ação são enjoativas: de tantos cortes, a gente não vê quase nada, uma imagem mal chega a cristalizar na retina e o corte já traz outro ponto de vista, num truque para dar a sensação de ação. Ou seja, a ação é mais da câmera, ou da montagem do que da cena. Não é o que acontece na primeira cena de Skyfall, onde a câmera, às vezes se aproxima, mas também se afasta, deixando-nos ver a ação com mais clareza. Destaque para delirante perseguição com motos sobre telhados e para o final da cena, que nos traz, veja só que diferente para cena de ação: um dilema moral.

3.   Os créditos iniciais: depois da cena inicial de tirar o fôlego, vem a abertura do filme, os créditos. É uma obra de arte. Embora fiel ao estilo das melhores aberturas da série, a abertura de Skyfall moderniza, atualiza e reinventa, tudo com extremo bom gosto estético e uma música de arrepiar. Um primor. Extasiado, tive vontade de gritar “para tudo!”, sair do cinema, pagar outro ingresso e voltar para ver o resto do filme. Deviam cobrar um ingresso só para os créditos...
4.   Vilão - Javier Barden: A concepção do vilão Raul Silva também respeita o estilo dos filmes 007, mas não me lembro de algum dos vilões ter sido tão complexo. Barden, desculpem-me por não conseguir encontrar outra expressão, é fóda! O cara faz de tudo: comédia, drama, bandido, vilão. Sempre arrasa, mas talvez aqui mais do que antes. Seu Raul Silva já é um vilão antológico.




5.   Visual: As locações como a da cena inicial, em Istambul, ou da sequência final, um vale úmido no interior da Escócia, são maravilhosas. A ilha onde o vilão se esconde é espetacular. Além de agradável aos olhos, a concepção visual, locações e cenários dialogam com as cenas e, ao contrário de cansar os olhos, a variação de tons e temperatura os refrescam.

6.   Não é só ação: Alguns críticos e amantes de “cenas de ação” reclamaram que só há ação na primeira e na última cena. De certa forma eles têm razão. Só que é isso que torna o filme melhor, mais rico. Porque filme com “cenas de ação” o tempo todo, convenhamos, é chato demais. Imagino que os leitores com bom índice de utilização de massa cefálica entenderam as aspas em “cenas de ação”. O importante é que entre a primeira e a última cena do filme há vida, há cinema, há, inclusive, ação. Parêntese sobre cenas de perseguição: Willian Friedkin (diretor de “O Exorcista”) talvez seja o melhor diretor de cenas de perseguição. As de “Operação França” e “Viver e Morrer em Los Angeles” são antológicas.
7.   O tema principal, que não é o roubo, pelo vilão revoltado, dos arquivos com os nomes dos agentes e a consequente morte destes. Sam Mendes, de Beleza Americana, que não é um diretor de filmes de ação, fez um filme cheio de camadas de significação, um filme cujo tema principal é mais o homem a procura de si mesmo do que à procura do vilão; é Bond cinquentão, sei o que é isso, questionando sua vida, seus valores e sua missão. De quebra, Mendes aproveita a para fazer meta-cinema e questionar a própria validade e a energia da série James Bond. A resposta fica para o expectador.

8.   O filme brinca com a série: Nessa esteira, o filme, espirituoso, faz, lá, aqui e acolá, brincadeiras com a série, como aquela com os artefatos tecnológicos ou, a melhor, com o carro mais glamouroso de todos os tempos: o Aston Martin DB5, usado por James Bond no 007 Contra Goldfinger, de 1964 (olha o carro na foto aí em cima). Até o vilão sabe da importância do carro para o personagem James Bond e para a série. Mais uma curiosidade importantíssima: há dois ou três anos, uma publicação lançou as miniaturas de todos os carros da série. Adivinha qual foi o único modelo que comprei e que tenho na estante...
9.   Atualização crítica: Sabe quando aparece algum recado no seu micro recomendando uma atualização, classificada como crítica? Pois é, os produtores devem ter achado que o 007 precisava de uma atualização e tiveram a genial ideia de chamar um diretor ligado a temas mais sensíveis, mais humanos, um diretor mais crítico. E Sam Mendes parece ter acertado: extrapolou a elegância do personagem para a filmagem, elaborada com mais suavidade e beleza e deu uma nova perspectiva à série, embora mantendo sua essência e até destacando-a mais do o fez a maioria dos últimos 007, que se limitaram a repetir o que talvez nunca tenha sido o mais importante. Alguns reclamaram da falta de elementos originais da série. Sim, Mendes tirou alguma coisa... Mas a gaivota não quebra seu bico e suas unhas para se revigorar? Ou seria a pomba? Quem sabe a águia... Bem, o fato é que não se faz um ovo frito sem quebrar a gema...
9,5. Eu recomendo.  

domingo, 14 de outubro de 2012

O delirante Moonrise Kingdom


Você já se sentiu um estranho no ninho, a ovelha negra da família, ou que ninguém liga prá você?

Você nunca, de repente, sentiu como se ninguém à tua volta gostasse de você?

Algum dia você já pensou em largar tudo e se jogar na aventura de fazer o que mais gosta?

Você já bateu o olho em alguém pela primeira vez e pensou “essa é a mulher com quem vou me casar e que vou amar para sempre”?

Existe nossa alma gêmea, o amor verdadeiro? Alguém que gosta da gente não “apesar” do que somos, mas exatamente pelo que somos?

Para quem respondeu sim para alguma dessas perguntas, o filme “Moonrise Kingdom” vai fazer muito sentido. Mas, caso você seja uma pessoa absolutamente normal e bem resolvida, enfim, mentirosa, o filme vai valer à pena mesmo assim, pela diversão, pela graça, pela aventura, pela beleza das imagens.

Porque a verdade, verdadeira mesmo, é que nós todos temos nossas esquisitices e nossas estranhezas. Todos temos vontade, às vezes, de chutar tudo e fugir com alguém que seja como a gente, que nos compreenda, por mais que essa fuga seja inconveniente e possa causar problemas. Pena que sempre (ou na imensa maioria das vezes) optamos pelo “correto”, pelo menor risco, deixando de viver a real aventura da vida.  Nós, que damos alguma cor a este mundo, somos assim, ou temos momentos assim, e talvez esses momentos nos definam muito mais do que os restantes 99% das nossas vidas comuns em que fazemos tudo certinho.

O estranho garoto do filme “Moonrise Kingdom” (acima, em desenho da Riana e ao lado no filme), que se veste como Daniel Boone, inclusive com o chapéu e o cachimbo, responderia sim a todas as perguntas acima. Órfão de 12 anos que vive sendo expulsos de orfanatos por condutas inadequadas, desta vez foge do acampamento de escoteiros poucos dias antes da tempestade anual que costuma assolar aquela ilha meio perdida. O monitor do acampamento (Edward Norton), seus escoteiros (que não gostam nada do fugitivo) e o único policial local (Bruce Willis), começam a busca pelo interior da ilha.

Logo descobre-se que o garoto está acompanhado da filha mais velha de um casal de advogados (os sempre ótimos Bill Murray e Francis McDormand), a problemática adolescente Suzy, por quem Sam se apaixona à primeira vista quando a viu fantasiada de corvo (não seria um colibri, certamente) e com quem se corresponde combinando a fuga a dois e a aventura ao interior da ilha, por uma trilha indígena, em busca de um lugar paradisíaco, a enseada Moonrise Kingdom.  

Entram na busca os pais de Suzy e a assustadora assistente social (Tilda Swinton), que quer levar o menino a um abrigo juvenil, algo assustador como um campo de concentração.Eis a história. E deixemo-la por aí mesmo. Porque a história, sim, é maravilhosa, inspiradora e edificante, diz respeito a todos nós e nossa busca pelo amor e pela liberdade, enfim, a história já vale o ingresso, mas ainda assim é só uma história. Agora, o filme... Ah, o filme!

Parêntese: lembrei agora de uma cena em Durval Discos, em que o Ari França (Durval) está defendendo o vinil contra o surgimento avassalador do CD. Seu interlocutor afirma que o som do CD é melhor. Durval, meio sem saber o que responder, solta “O som?... O som, sim, mas a música...”

Voltando ao filme: ah, o filme! Wes Anderson é, atualmente, meu diretor favoritíssimo. Seu universo é a estranheza e a busca pela aceitação. Foi assim em seus filmes anteriores, em especial no fantástico “A Vida Marinha Com Steve Zissou”. Sua capacidade de usar a arte para mostrar essa estranheza com alma e emoção é algo nada menos do que genial. Tudo que o diretor fez ou ameaçou fazer nos filmes anteriores, amadureceu neste. Os movimentos de câmera, que se este blógui fosse sério chamaria de “travellings”, a importância da música, as cores, enfim, todo o cinema evoluiu.

Começa pela impactante abertura, com a apresentação de Susy, sua família e sua casa, que culmina de modo fantástico com a linda menina olhando com o binóculo pela janela, a elevação da música e o recuo da câmera que se afasta e mostra a casa. Aliás, é pelo binóculo que a menina vê o mundo, incluindo as escapadinhas da mãe com o policial. 

Esplêndida a cena em que Sam, surgindo por entre as roupas penduradas na arara de um camarim, conhece Suzi, uma das cinco garotas fantasiadas de pássaros, a mais linda e séria.

Ah, e os diálogos secos e espirituosos? 

Sam pergunta a Suzy: “Você é uma pessoa deprimida?” Como resposta ela lhe mostra o livro que roubou dos pais: “Como lidar com uma criança problemática”. Ele ri, ela fica furiosa e vai para a barraca. Ele pede desculpas e estende seu lenço de escoteiro para que ela seque as lágrimas.

Ela, aliás, é uma personagem espetacular: “Eu sempre quis ser órfã”. 

Depois de os escoteiros os atacarem (mesmo em absoluta maioria, eles saíram correndo, alguns ensanguentados) ela diz a Sam “Minha mãe tem razão: eu piro”. É ou não é o máximo?

Outro momento espirituoso bem Wes Anderson: a mãe, quando descobre que a filha desapareceu, pergunta ao marido: “interessa-lhe saber que sua filha fugiu de casa?” Bill Murray, após pausa: “Essa foi uma pergunta capciosa...”

Na praia, em Moorise Kingdom, os garotos se abraçam. Ela: “está duro”. Ele: “Você se importa?”. Ele: "Ok". Ela: “Toque no meu seio”. Ele obedece e toca os dois. Ela: “ainda vão crescer”. Abraçam-se. Corta. Ele fumando (com o cachimbo apagado) e ela lendo um livro para ele.

Wes Anderson conseguiu fazer um filme em que nenhuma cena, nenhum trecho de uma cena, não tenha uma beleza rara, poética, uma emoção ou uma ironia delicadas. E é assim até o fim dos créditos finais, com a apresentação dos instrumentos feita em off pelo garoto. 

A magnífica composição de figurino e cenários do anos 60, com as músicas da trilha (a maioria clássicas), tudo isso gera uma beleza como se telas de grandes mestres da pintura estivessem em movimento. Um filme para ver e suspirar.

A delicadeza e a sutileza do humor e do amor: a ver a linda e poética cena da saída do grupo da capela, feita com música forte e em câmera lenta, com os personagens saindo e a câmera recuando. O beijo de Suzy nas mão de Sam é a consagração do amor. Tudo o que acontece depois é a consagração da vida.

Moonrise Kingdom é um daqueles filmes inesquecíveis que trabalham com todos os nossos sentidos, com nossa inteligência, com nosso sentimento. Um deleite para os solitários, para os esquisitinhos e esquisitões. Um deleite para quem é "família" e "amizade". Um bálsamo para os românticos incorrigíveis, dos quais, eu confesso, sou sócio fundador.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O DIA EM QUE O MUNDO MUDOU


Há exatos 50 anos, os habitantes do planeta e suas poderosas nações estavam distraídos com outras coisas mais (ou menos?) sérias, como a guerra fria e outras bobagens, quando os ingleses pegaram o mundo de surpresa e o dominaram irremediavelmente. Era 05 de outubro de 1962, quando, em duas abordagens simultâneas e precisas, estreava nos cinemas “007 Contra o Satânico Dr No” e, nas rádios, o primeiro single dos Beatles, "Love Me Do". No mesmo dia! Foi ou não foi planejado para dominar o mundo? 

Quanto ao cinema, 007 inaugurou uma nova forma de fazer filmes, misturando ação, espionagem, sexo e muito charme.  O estilo Bond é imitado, citado e homenageado até hoje. E mais: ajudou a moldar um estilo de vida, uma vida mais pop. Exemplo: a antológica cena de Bond saindo da água vestindo aquela roupa de mergulho; ao tirá-la, por baixo está com um smoking perfeito, passado, impecável, alinhadíssimo. Para fechar, a sínica expressão "tá vendo como eu sou bom?" de Connery


O irônico glamour de Bond, os temas de gênios do mal tentando destruir o mundo e as mulheres maravilhosas, provocantes e sempre pouco vestidas (principalmente para a época - aí à direita, Ursula Andress, no Dr. No)... 

As que eram do mal e estavam ali só para matá-lo, nunca resistiam ao seu charme e resolviam dar umazinha com Bond, James Bond, antes de matá-lo. Só que Bond tinha uma característica, que talvez, apenas talvez, alguns outros homens tenham: ele se “desconectava” do ato assim que despejava a última gota. Assim, sempre era ele que matava a bandidinha linda, para depois ajeitavar o cabelo e o terno, tomar o último gole do uísque e sair do quarto com aquele ar entre pena e tédio.
  
Ah, e os gigantescos cenários daquilo que, antes dos filmes de Bond, seria o “covil dos ladrões”, com suas máquinas imponentes e as centenas de operários-do-mal vestidos com uniformes bem cortados? 007 glamourizou até o mal! Os gênios-do-mal eram impecavelmente vestidos, cheios de excentricidades, bebidas finas e algum estranho animalzinho de estimação.

Sean Connery, que fez os seis primeiros 007 e foi, disparado, o mais charmoso (seguido, talvez, por Pierce Brosnan), ditou um estilo que está ainda muito longe de ser esgotado. James Bond não é apenas é o mais icônico personagem da história do cinema, mas um dos mais importantes do mundo pop. 

Criado em livro pelo escritor Ian Fleming cerca de 10 anos antes, o James Bond que conhecemos nasceu para a vida mesmo com Sean Connery, e não vai morrer nunca mais. Duzentos anos depois do fim do mundo, ainda estarão fazendo filmes de James Bond. Parabéns, Bond!

Post-pôsti: 
A segunda abordagem dos ingleses para sacramentar o domínio do mundo foi o lançamento, no mesmo dia, do o primeiro single dos Beatles, “Love Me Do”. Sobre a importância dos Beatles, entretanto, não me atrevo a comentar nada: prefiro que o Daniel o faça por meio de um brilhante e elucidativo comentário. 

E "God save the Queen" que eu vou nessa, ver Dr. No! 

domingo, 30 de setembro de 2012

OS ASNOS SÃO LITERALMENTE BURROS?


Há dias em que desacredito brutalmente da humanidade. Nos demais dias desacredito menos. Não pense o leitor que não conhece este autor, que sou do tipo pessimista. Nada disso, muito pelo contrário. Sou até bastante otimista, tanto que acredito até em mim mesmo! O problema é que é difícil deixar de ser realista. Os sinais de que a humanidade não tem mais jeito são numerosos demais.

Quer ver? A gente liga a televisão e um cara pergunta prá gente porque o Gino Passione está feliz! A resposta é: “porque você está feliz”. Quem disse que eu estou feliz? Quem autoriza o cara a supor que eu saiba quem é o Gino Passione? Quem quer saber de um estúpido ursinho e que fica feliz porque eu fiz a revisão do meu carro naquela porcaria de concessionária? E mais: quem o autoriza a colocar aquela música ridícula que me inferniza desde que eu tinha iuns 6 anos? As pessoas fingem que gostam da música só porque é legalzinho gostar de música africana. Legal é gostar de música boa, seja africana, paquistanesa, inglesa, ou de que país for, exceto, vamos combinar, música japonesa (pedirei a Buda para que os fãs de música japonesa indignados não saiam por aí queimando embaixadas brasileiras). Sabe qual é a música que toca na propaganda? Aquela que diz assim:
“Sat wuguga 
sat ju benga 
sat si pata pata”. 
E o refrão, com a bestinha família do tal do Gino dançando de mãos dadas?  
“Hi ha mama, hi-a-ma 
sat si pata pata”. 
As TVs deviam ter aquele recurso dos e-mails: na hora que vai passar propaganda indesejada, a TV impediria e a gente escolheria o que colocar no lugar. Ah, me poupe... Gino Passione!


Falando em ursinho, está passando um filme nos cinemas, Ted, sobre um menino que ganhou um ursinho e na noite de Natal o ursinho ganhou vida e virou celebridade. O tempo passou e os dois são trintões. O ursinho ainda fala, mas também anda, pensa, bebe, fuma maconha e pega a mulherada (pega porque é famoso, é claro). Li críticas negativas, mas esses dias, estimulado pela efusiva recomendação do Márcio Guedes, da ESPN (último reduto do jornalismo esportivo inteligente), fui ver e gostei muito, bem mais do que pensava que gostaria. Diversão garantida, a não ser que você seja um daqueles moralistas que se revoltam, saem do cinema e vão incendiar estúdios de cinema.

Mas, por falar em jornalismo esportivo e incêndios, voltemos às besteiras televisivas: hoje o estádio do Manchester United sofreu um incêndio, ateado por um jogador, por sinal, japonês. Ao menos foi o que o narrador disse: “Kagawa entrou e literalmente incendiou a partida”. Outra tragédia, pouco comentada, foi a morte do corredor Lewis Hamilton, decapitado após realizar uma manobra perigosa. Ao menos foi o que o Galvão Bueno disse: “Lewis Hamilton literalmente perdeu a cabeça”. Você, leitor não idiota, já percebeu que ninguém mais diz nada sem colocar o tal “literalmente” para reforçar? E em 99% dos casos, erradamente. 

Em alguns casos não altera o sentido, como em “eu estou literalmente escrevendo este texto”. É idiota mas não altera muito. Mas na imensa maioria dos casos altera o sentido, mata pilotos e incendeia estádios. Outro dia ouvi que o excesso de notícias sobre o Ganso estaria "literalmente" afogando o jogador. Imaginei o jogador sob uma piscina cheia de jornais. 

Alguém precisa avisar essa gente que deve-se usar o “literalmente” quando se quer diferenciar uma metáfora de uma situação concreta. “Estar literalmente de pernas para o ar” significa estar com as pernas erguidas e não vagabundeando. Será que teremos que “estar fazendo” uma campanha contra o “literalmente” como foi feita contra aquela imbecilidade do gerundismo, que felizmente ficou restrita aos call-centers? Tudo bem que um idiota qualquer use “literalmente” para tudo, mas um jornalista, mesmo idiota, não poderia falar tanta asneira, com o perdão dos asnos, que não têm nada a ver com isso.


Mas, por falar em estupidez, voltemos ao meu pessimismo ou realismo com relação à humanidade: neste momento em que impera a intolerância seguida de violência, a ditadura do politicamente correto (que homem, além do Justin Bieber, não comeria a Vanessa Camargo grávida?), em que a economia mundial está em vias de explodir (ou implodir, sei lá) e, principalmente, neste momento em que o Mano Menezes ainda está no comando da seleção brasileira, é quando mais precisamos da inteligência dos seres humanos para salvar a humanidade, que está literalmente na corda bamba (piada - tá vendo como é ridículo esse “literalmente”? Imagina todas as pessoas do planeta debaixo de uma lona de um gigantesco circo, ao mesmo tempo equilibrando-se na corda que liga um mastro ao outro).

Pena que a inteligência esteja (não "literalmente") sendo engolida pela idiotice. Na história do desenvolvimento humano, quanto maior foi o uso da linguagem, maior foi o crescimento do homem. É um moto-contínuo: quanto mais o homem se desenvolve, mais desenvolve a linguagem, e quanto mais a linguagem se desenvolve, mais o homem evolui. As pessoas mais bem sucedidas são aquelas que mais e melhor sabem usar a linguagem. Mas hoje a língua está como os Pandas, em extinção. Cada vez mais simplificada (para que as pessoas não tenham o trabalho de pensar no que dizer), ela diz cada vez menos.

Pode alguém dizer que sempre foi assim, que a inteligência sempre foi rara, mas que o mundo sempre foi salvo pela ação das grandes inteligências, dos grandes cientistas, dos grandes líderes mundiais e, finalmente, dos grandes jornalistas em seu papel de esclarecer e formar, com sua visão crítica e independência, a opinião pública.

Infelizmente, no entanto, os grandes líderes mundiais hoje são mais raros que os Pandas (se é que os Pandas, de fato, algum dia existiram – desconfio que tenham sido inventados e que os que aparecem no Discovery sejam robôs de pelúcia), os cientistas dependem dos grandes líderes (em extinção), ou dos políticos, que tem mais o que fazer para ficarem se preocupando em liberar verbas para pesquisa. Restam os grandes jornalistas, que, ou estão em falta, ou com o rabo preso (financiados, não têm a necessária independência).  Já dei, acima, exemplo de como o jornalismo anda mal. Esse vídeo aí embaixo é feito por novas jornalistas, recém-formadas... Não precisa ir até o fim, ele não melhora. Mas ver um pouquinho é bom para ter noção do perigo que o jornalismo corre no futuro. 


Por falar em jornalismo, e para que você não se suicide depois de sair deste quase sempre otimista blógui, vou te dizer que há uma série na HBO (amanhã será o nono episódio), sobre jornalismo. The Newsrom fala sobre o dilema ético entre a necessidade de audiência e o dever de informar com independência o que deve ser informado para desenvolver a sociedade. Fala de trabalho em equipe. E fala de mais um monte de coisas subjacentes, com atores de primeiríssima, comandados pelos espetaculares Jeff Daniels e Sam Waterston. Com roteiro fantástico, aborda tudo o que está por trás de um telejornal, inclusive a produção e todos os percalços antes e depois de entrar no ar. É sensacional e, além de tudo, sempre emocionante.


Bem, juntando 3 jóias como “Ted”, “The Newsroom” e “Intocáveis”, divertidíssima, tocante e incorreta comédia francesa que está em cartaz nos cinemas, com grande sucesso popular, a gente acaba por resgatar a esperança de que haverá luz no fim do túnel, embora seja certo que no final da luz haverá um outro túnel, provavelmente mais longo. 

Finalizando, morreu a Hebe, o que pode ser grave: quem pode garantir que amanhã os aparelhos de TV no Brasil funcionem?

domingo, 9 de setembro de 2012

CARA OU COROA - CINEMA COM ALMA



A arte é a forma nova, é o inconsciente do artista. Creio que foi Glauber Rocha, o maior cineasta brasileiro de todos os tempos, ao menos por um tempo, que disse isso.  Ora, se a “forma nova” é, como o nome diz, nova, ela então é desconhecida e, portanto, inclassificável. Se vem do inconsciente do artista, como parece sugerir o gênio baiano, então a arte, além de inclassificável, tem caráter altamente subjetivo.

É por isso que as grandes obras, músicas, filmes, peças de teatro, poemas, nos tocam de maneira tão profunda, tão distinta e muitíssimas vezes, de modo incompreensível. Se um palestrante nos fala do sucesso que somos hoje, depois pede para nos lembrarmos da nossa mãe morta ao som de uma música sentimental com imagens de filhos felizes com mães sorridentes, é fácil demais chorarmos, o que não significa que o cara é um artista: está mais para oportunista; não fez nada mais do que manipular nossa memória emotiva, ligando o racional ao sentimental. 

Assim é com filmes ruins, mesmo que nos façam chorar ou rir. A grande arte é diferente: mexe com a gente de forma menos compreensível, mais poética, mais diletante, mais no nível submental (puxa, o Word não grifou esta palavra, o que significa que deve, de fato, existir – vou deixá-la aí). 

Walmor Chagas, o General
Penso isso a respeito da sensação que me transmitiu o filme “Cara ou Coroa”, do Ugo Giorgetti, que estreou neste final de semana nos cinemas. Estar naquela sala foi como rever um bom e velho amigo depois de muitos anos, num bar, sem pressa, ouvindo suas novas histórias, ou mesmo as velhas histórias contadas sob uma nova ótica, o que as transforma em novas histórias... Foi como encontrar um Panta num banco de jardim, e ficar ali, de bobeira, conversando ao sabor do vento fresco que traz o cheiro das acácias em flor. 

Porque tudo isso? Porque o filme é bom? Porque evoca lembranças? Porque diz respeito a um tempo que vivi? Porque, como disse o crítico da Folha, tem alma? Talvez. O filme parece evocar, como disse o Glauber, o inconsciente, a forma nova, o peito humano, que ainda resiste e pulsa sob essa nossa conturbada vida social, profissional, econômica e política. 

O filme trata das recordações de um tal Getúlio sobre o longínquo 1971, quando, jovem, morava com o tio (um taxista que odeia comunistas), não sabia o que fazer na vida e namorava a linda universitária Lilian, que por sua vez morava sozinha com o avô, um influente general reformado. O irmão de Getúlio é um diretor de teatro financiado pelos comunistas, vive na dureza, gasta o pouco que tem em jogos, está sendo abandonado pela mulher e sua peça caminha para o naufrágio. Aí o partido lhe pede para dar guarida por alguns dias para dois procurados pela ditadura. Os dois acabam sendo escondidos em um quartinho escuro dos jardins da casa do avô de Lilian, a namorada do protagonista, o General, sem que este saiba, é claro. 

O bom argumento poderia facilmente descambar para o filme engajado, para o cinema denúncia. Mas Giorgetti não é disso. Ele é um sentimental, um cara que gosta de conversar, um cara para quem nada importa mais do que as pessoas, suas crises, sua vida, seus acertos e erros, seus risos e choros; a ele importa mais as pessoas que o cinema. Seu cinema assiste, divertido, as pessoas. Assim é no genial Festa (1989), que se passa no andar de baixo de onde se realiza uma festa numa mansão, onde os personagens conversam enquanto aguardam sua hora para subir e animar a festa. Assim é em “Sábado” (1995), em que uma propaganda é filmada num antigo prédio do centro de São Paulo, antigamente de alto padrão, mas atualmente é quase uma favela vertical. Conversa é o que não falta no delicado e sensível Boleiros (1998), que teve uma boa continuação em 2004. 

Em “Cara ou Coroa” também é assim: o filme vai se passando, despretensiosamente, de conversa em conversa. E conversas ótimas, porque são reais, sem textos “inteligentes”, e porque os atores são ótimos, passeiam por seus papéis e nos inserem na conversa: Otávio Augusto (o delicioso taxista), Walmor Chagas (em pleno domínio do seu general reformado), Emílio de Mello (muito, muito bom como o Diretor de teatro fracassado – ih!) e Juliana Ianina (uau, supreendente, baita atriz, altamente crível como a estudante, neta do General). 

Jose Geraldo Rodrigues (Getúlio) não está no mesmo nível, o que poderia ser lamentável, já que é o protagonista, mas como o filme trata de como ele via as coisas, os que estavam à sua volta aparecem muito mais e ele acaba não comprometendo. Talvez ainda seja implicância minha, talvez o próprio desenho do personagem, um jovem perdido às voltas com gente bem resolvida, exigisse aquilo... Ainda assim, poderia ser um ator melhor. Sua voz atual, entretanto, a que narra o filme, é ótima (Paulo Betti). De qualquer forma, a eventual infelicidade escolha do o ator parece não ter tido importância, diante da grandeza simples e direta do filme.   

Além do humor, alma e sensibilidade, comuns a seus filmes, Giorgetti acrescentou uma visão diferente e mais ampla daquela época, mostrando que nem a ignorância, nem a humanidade, eram exclusividades de uma ou outra parte. Mostrou o lado do exército que conheci nos livros do Elio Gaspari sobre a ditadura.

Além disso, duas coisas novas no cinema de Giorgetti: 

1. Uma produção primorosa, com ótimas câmeras, tratamento visual e uma excelente reconstituição de época;

2. Suspense: as conversas despretensiosas aos poucos vão nos enredando aos poucos até estarmos ali, quase sem respirar, até a cena final, com a incrível Julia dando um show; show contido, mas show... É um final do tipo que, se fosse outro, seria falso.

Giorgetti tem isso, esse compromisso com a verdade, aquela verdade das pessoas comuns que vivem suas vidas cheias de problemas, de frustrações, de realizações e, sobretudo, cheias de humanidade, o que faz com que a gente saia de sessão com mais otimismo para viver o que restar de nossas vidas, com a sensação de que, afinal, viver é melhor do que tudo, do que qualquer frustração, do que qualquer plano não realizado, do que qualquer desamor. 

Ao final da sessão, algo a mais me convenceu a escrever sobre ele: a incomum reação da minha filha que, como ainda adolescente, não é nenhum prodígio em termos de animação. Ainda mais ela, que estuda cinema e acaba sendo mais exigente. Pois ao final do filme, me surpreendi com seus olhos arregalados me olhando: bateu sua mão direita na minha, e deu um "Yeah, adorei!"

domingo, 19 de agosto de 2012

CELSO BLUES BOY - INVERNO NA ALMA

Olá, leitor amigo, leitor inimigo, leitor indiferente a este autor, sobrinhos ávidos por descobertas, esposas de sobrinhos, sobrinho exímio guitarrista (Paulo Ribeiro, a quem, em minha fase pobre, dei um DVD pirata do Pat Methneny que não rodou – só para constar, a fase pobre já passou e tenho saudades dela...).

Antes de continuar lendo, pegue seu fone de ouvido, ou aumente o volume dessa caixinha de som furreca que você tem conectada ao micro. Ouça o link abaixo enquanto lê. É sério. Se não for ouvir, melhor nem ler. Dê o play. Pronto, pode continuar.

Homem das Ruas

Outro aviso, este ao leitor feliz que adora colocar mensagens positivas no facebook pensando que vai fazer bem a si ou a quem quer que seja: Humberto Laraia se apropriou dos dedos que digitam estas letras, o que significa que este pôsti é somente para aqueles que possuem coração onde nuvens negras choram.

Quanto ao que você está ouvindo, pelo jeito de cantar você deve estar pensando que é o Tio Moa cantando com sua voz gutural erótica em uma de suas raras e disputadas aparições nos palcos de karaokê da capital federal. Karaokê, veja só... Sem o virtuoso violão do Luiz, irmão do Junco, com quem cantava blues nos anos 90, Tio Moa teve que apelar para os Karaokês... É a vida.

Voltando à música, não; não é o Tio Moa cantando. O que o Tio Moa faz, desde que conheceu Celso Blues Boy, é cantar como ele, porque sempre lhe pareceu ser esta a única forma sincera de se cantar. Celso Blues Boy é um virtuosíssimo guitarrista brasileiro que ousou compor, tocar e cantar blues brasileiro. Blues, que conheci de verdade com o Paulão Magalhães, um amigo com alma de bluesman, é um gênero de origem afro-americana, que começou expressando a dor e o sofrimento dos escravos do sul dos Estados Unidos. Hoje o blues continua igual, expressando a dor e o sofrimento da escravidão, só que agora é a escravidão do amor e da solidão. Robert Johnson, que teria vendido sua alma ao diabo numa encruzilhada, popularizou o blues. Bob Dylan, Eric Clapton e BB King beberam em sua fonte e se lambuzam até hoje. Celso Blues Boy compôs uma música (Mississipi) com essa história do Robert Johnson, e a gravou dividindo guitarras e vocais com BB King. CBB fazia blues brasileiro e viveu o blues radicalmente, até o fim. Mas do fim falarei só no fim, como convém à cronologia da existência, exceto naquele filme chato em que o Brad Pitt nasce velho.

Agora dá um stop na música anterior e bota pra tocar essa maravilha aí embaixo, antes de continuar a ler. 


Trata-se de “Se você pudesse me ver” – tudo é lindo, letra, melodia, canto e guitarras incríveis do Blues Boy, cujo apelido, referência ao BB King, foi dado provavelmente quando tocava com Raul Seixas. O próprio BB King convidou CBB a fazer carreira nos Estados Unidos. Recusou, como também recusou o convite para fazer parte do lendário The Commitments, grupo criado por Alan Parker para o filme homônimo (não deixe de ver, se gosta de música e de cinema) e que continuou como grupo depois do filme. Nosso Blues Boy chegou a ser sucesso por aqui, no final dos anos 80, com o petardo “Sempre Brilhará” tocando nas rádios, na TV e em alguma novela. Mas Celso gostava mesmo era de seu mundo blues, de ser marginal. Aliás, seu segundo disco é o Marginal Blues, cujo carro chefe era a agitada “Marginal”, que gravou com Cazuza, que entrava bem ao seu estilo, rasgando com
A sua mãe não trabalhava
Prá você virar um marginal!
A popularidade dos anos 80 nunca mais se repetiu, mas Celso Blues Boy manteve-se como um ícone, não só entre os fãs do blues, como entre os roqueiros e os guitarristas brasileiros, porque o cara realmente era um monstro. 

“Era”, porque, se ainda não disse, ele morreu há menos de duas semanas, aos 56 anos. CBB foi considerado pela revista Backstage americana um dos 20 maiores guitarristas do mundo. Sua popularidade nunca mais foi a mesma, o que, felizmente, não significa nada (Michel Teló é popular no mundo todo).

Pois foi exatamente na fase pós-fama, já no final dos anos 90, que CBB compôs seus melhores discos, os insuperáveis Indiana Blues-1996, Nuvens Negras Choram-1998 e Vagabundo Errante-1999. Neles, sua voz está mais madura e sua guitarra mais impressionante, com solos que choram no melhor estilo Duane Allmann. São estes os discos mais ricos, equilibrados, emocionais e, sobretudo, mais depressivos, portanto, mais belos.

"O quê", indaga o incrédulo leitor positivista que teimou em ler o pôsti até aqui. "Quanto mais depressivo, mais belo?" 

Aqui um esclarecimento a todos aqueles que postam lindas mensagens de vida no facebook porque pensam que a felicidade é a melhor coisa do mundo: sinto por contrariá-los, mas a verdadeira beleza vem da dor. A Nona Sinfonia, a maior composição da história do planeta, foi composta na fase mais dolorosa de Beethoven. Você já leu, do Goethe, “Os sofrimentos do jovem Werther”? Uma maravilha! Um dos maiores discos brasileiros de todos os tempos, “Loki”, é uma ode à dor. Tenha certeza de uma coisa: alegria só faz axé e pagode. Sofrimento e dor fazem arte e beleza.

Então eu toco um blues, são as notas que choram
feito um açoite é a minha guitarra
no coraçao da noite, no coração da noite

Caso a música anterior tenha se acabado, coloque essa que vem abaixo. Se não, espere acabar, porque é uma heresia interromper essa maravilha no meio, e justamente num solo alucinante, delirante, emocionante, ante ante ante.... Calma, relaxa esse coração cheio de angústia, essa alma que transpira ansiedade... Ouça...

Pronto, acabou. gora clica na próxima. 

Agora que já está rolando "Nuvens Negras Choram" você está preparado para ler o resto.

Antes que você chore, vou te dar um presente: para quem pedir, via comentário, eu faço um CD com uma seleção. Quem não for de Brasília, manda o valor de um SEDEX (não aceito outras forma de postagem, nem outra empresa) que eu envio. Mas saiba que um CD de seleção é um avilte, não serve para conhecer um músico, assim como melhores momentos de um jogo não serve para saber como foi o jogo. Uma seleção serve para dar um empurrãozinho, para querer conhecer, para a gente sair do óbvio, conhecer alguém diferente e ter vontade de ir atrás de seus discos.

O óbvio é gostarmos de Eric Clapton (o Deus), Bob Dylan, Pat Metheny, Gilmour e outros gênios mais conhecidos. Mas há um gênio por aqui, pertinho, e não conhecemos. E não se trata de valorizar a coisa nacional, que isso é bobagem - "O patriotismo é o último refúgio de um canalha". O que vale na arte não é a sua origem geo-política, mas ser tocado por ela. É assim na música, no cinema, na arte, enfim. Para ser tocado por uma música, ela tem que conversar com a gente, nos dizer algo no fundo da alma (é óbvio que a qualidade é condição sine qua non - o Michel Teló pode eventualmente dizer algo a mim, o que duvido um bilhão de vezes, mas digamos que me fale - nem assim me tocará, porque ele faz lixo, não arte). O blues brasileiro do Celso Blues Boy me diz muito, e é muito, mas muito bom.

Como disse no início, Celso Blues Boy viveu o blues até o fim.
Descobriu uma merda de um câncer na garganta, mas recusou o tratamento.
Não contou para ninguém e pediu para ser cremado, virar fumaça.
Fumaça que tanto aparecia em suas letras...
O que sei é que a morte de um músico nunca me abalou tanto.
Sinto-me a própria Sra dos Sarsais quando Dércio Marques se foi, com a diferença que não chorei, porque sou homem e homem que é homem não chora! Coça o saco e arrota no lugar de chorar, para mostrar que é homem. Além de não chorar, o homem mente um bocado.
Mas, você há de convir... Celso Blues Boy não é como qualquer outro: eu cantava imitando o cara!
Quando a gente canta, é nossa alma se lavando, se abrindo... Tá bom, tá bom: estou chorando!
Sinto o inverno em minha alma...

sábado, 18 de agosto de 2012

UM DIVÃ PARA CASAIS



Acabo de retornar do cinema, tomar um banho e cair na cama. Sinto-me como que voltando de uma espécie de Spa emocional.

Nunca escrevo sobre um filme assim, tão pouco tempo depois. Prefiro maturar, vê-lo novamente no dia seguinte, para sentir e refletir melhor. Isso porque nunca penso em escrever sobre um filme como um crítico. O que se lê neste Cobra não são críticas, mas reflexões, talvez crônicas. O que mais me interessa no cinema é ao que ele nos remete, o que ele nos proporciona, no que nos transforma, e normalmente preciso de um tempo para sentir o que um filme me fez.

Neste mundo moderno, em que nos tornamos autômatos, colocando nossa vida no piloto automático, buscamos o cinema pela sua capacidade de nos fazer vivenciar plenamente uma experiência ficcional prazerosa. E o bom cinema se diferencia cinema ruim basicamente por dois aspectos:
- quanto maior a qualidade cinematográfica, mais intensa e prazerosa essa viagem ficcional;
- o bom cinema usa a ficção como transporte para nos levar ao fundo das coisas e de nós mesmos, numa viagem crítica e analítica, portanto, transformadora. 


A comédia “Um divã para dois”, que estreou hoje, me fez ir ao fundo de mim mesmo tão rapidamente e com tamanha clareza que me dispensei do tempo de que normalmente preciso para a tal maturação. O filme fala de um casamento que perdeu o fôlego, que caiu na rotina, que perdeu o viço. Alguém aí conhece um casamento assim? Cantou o Fagner: “amor quando perde o viço, nenhum carinho consola; sereno na boca da noite orvalha, mas não molha.” O tema me é caro, afinal, foram-se lá quatro casamentos, sem nenhum funeral. 

Meryl Streep, sempre divina, é a esposa que busca um terapeuta de casais porque o marido não a procura mais, não fazem sexo há anos. O terapeuta (Steve Carrell) os coloca em situações delicadas. Tommy Lee Jones é o marido carrancudo que acha aquilo tudo uma estupidez. A sinergia entre ele a Streep é inacreditável, parece que já fizeram 10 mil filmes juntos, parece que são casados há 30 anos e que não fazem sexo há 4. Os dois mega atores dão um show. Tommy carrega a parte cômica. Ator excepcional, usa a expressão (e não caretas) para fazer gargalhar inúmeras vezes a plateia. Eu mesmo chorei de rir algumas vezes. O filme é inteligente e delicado, equilibra a comédia com o drama sensível, sem cair nem na comédia rasa nem no drama fácil. 

Casais de meia idade, casais sem viço, casais que já não fazem sexo como antes (ou seja, todos, exceto os casais de mentirosos), eu os conclamo para irem ainda neste final de semana ao cinema, mas preparem-se, porque o filme, além de fazer rir muito, toca em algumas feridas. Se quiserem, por iniciativa da mulher, é claro, trabalhar essas feridas depois, em casa, numa discussão da relação, ok, é uma oportunidade. Caso contrário, encarem o filme exatamente como ele é: uma deliciosa, inteligente, emocionante e transformadora comédia sobre o amor e o casamento. Tão transformadora que me deu vontade de casar de novo, e não me separar nunca mais, seja lá quem for a dita cuja. Por ora, vou dormir, que já é tarde. Quem sabe amanhã a vontade já passou...

domingo, 12 de agosto de 2012

EU NASCI HÁ 112 ANOS ATRÁS

1. Amar foi minha ruína 
Durante minha infância e adolescência, lá pelos anos 70, assisti diversas vezes ao melodrama “Amar Foi Minha Ruina”, com Gene Tierney, Cornel Wilde e Jeanne Crain, atores tão desconhecidos hoje quanto o diretor John Stahl. Ruína: “decadência ou perda moral”, “ação ou resultado de desmoronar” e “restos do que desmoronou”. 
Mais de vinte anos antes, no dia 16 de setembro de 1951, pela manhã, a jovem Lourdes estava toda ansiosa para ir ao cinema ver “Amar Foi Minha Ruína” com seus amigos. "Ansiosa demais", assuntava o pai, Seu Antonio, um rígido português que a criara sozinho. Estaria assim pelo filme ou para ficar ao lado de algum dos amigos? Difícil saber. O fato é que as irmãs Teresa e Consuelo, Waldemar Casassa, Kiroshi, Ana Alves, todos entre 16 e 17 anos, mais a Mirce e o Carlos Augusto, que tinham 15, e o Antonio Cláudio, de 18, também estavam se preparando para ir ao cinema ver “Amar Foi Minha Ruína”. Gostavam de chegar bem cedo para pegar os lugares centrais.
Com capacidade para 1200 pessoas, o Cine Rink estava lotado e o jovem escritor, personagem do filme, ainda nem tinha sofrido as loucuras de sua esposa ciumenta quando a primeira viga que sustentava o telhado do grandioso cinema caiu sobre o forro. Em instantes, tudo desabou sobre a plateia, especialmente nos lugares centrais do cinema. Telhas, vigas com pregos expostos caiam e rasgavam braços e rostos. A tragédia deixou mais de 400 feridos e 40 mortos (25 na hora e 15 depois, nao resistindo aos ferimentos). Muitos deles foram retirados somente na manhã do dia seguinte. Todos os jovens citados morreram, com exceção daquela cujo pai, português, era torcedor da Ponte Preta. 

Naquele dia, as atenções estavam voltadas para a partida entre Ponte Preta e XV de Novembro de Piracicaba, no Estádio Moisés Lucarelli, para onde o rígido português arrastou sua chorosa filha Lourdes, que, portanto, acabou faltando à última sessão do Rink. No intervalo da partida, o sistema de som pediu o comparecimento aos portões de saída de médicos que estivessem no estádio. 
Lourdes, salva pela Ponte Preta, onze anos depois, dava a luz a este que escreve neste blógui sobre a maior tragédia da história de Campinas para homenagear a gloriosa Ponte Preta, que neste 11 de agosto completou 112 anos. 
2. Plínio Marcos e a Ditadura militar
Em plena ditadura militar, enquanto eu ignorava o que se passava no país e assistia ao melodrama de John Stahl, o dramaturgo Plínio Marcos, que tinha a mesma idade de minha mãe, Lourdes, usava a arte para desafiar o sistema. Depois de 20 anos da tragédia do Cine Rink, Plínio Marcos publicava, em 1971, ano em que fui pela primeira vez ao estádio ver esse time aí abaixo, o livro com sua peça “Quando as máquinas param”. O prefácio, abaixo, é uma pérola. Leia que é curtinho e vale à pena.
Um belo dia, os atores Ginaldo de Souza e Vera Viana, voltando de uma excursão ao norte do país, resolveram fazer uma apresentação em Campinas. Acontece que o dono da cultura local, estava montado num cargo público (desses para o qual o cidadão é nomeado e não eleito) e, ao saber que a peça que os artistas queriam apresentar era “Quando as máquinas param”, deste autor, virou bicho... se arvorou em defensor implacável das famílias campineiras e não permitiu que a peça fosse apresentada no teatro que era do município, mas que o papanatas pensava que era dele... (Ginaldo e Vera) já iam se acostumando em ficarem no prejuízo quando a generosa gente da gloriosa Ponte Preta tomou conhecimento do assunto. Nem vacilaram. Abriram as portas da sua sede social para “Quando as máquinas param” e garantiram o taco, em nome da liberdade de expressão. E foi um tremendo sucesso... Este autor ficou para sempre agradecido à gloriosa Ponte Preta e à sua gente e, por essa luz que me ilumina, muito mais feliz por ver “As Máquinas” apresentada na casa do clube do povão, em vez de ser apresentada no templo do fajuto dono da cultura.
De todo meu coração, obrigado, Ponte Preta
Plínio Marcos
3. Primeiro do mundo a ter negros
Como todos sabem, a Ponte é conhecida como a Macaca, mascote que simboliza o time. O que muitos não sabem é a origem deste símbolo. No início o futebol era um esporte bastante elitista. Negros não chegavam nem perto dos times, com exceção da Ponte Preta, que tinha negros desde a sua fundação. Em excursões pelas cidades do interior, onde o preconceito era ainda mais forte do que nas maiores cidades, as torcidas não aceitavam aquele time que trazia negros. Um dos primeiros rivais da Ponte foi o XV de Piracicaba, o mesmo que jogava em Campinas no dia do desabamento do Rink. Consta que foi em Piracicaba que os pontepretanos começaram a ser chamados de macacos. No lugar de se ofender, eles assumiram o apelido e transformaram a macaca no mascote do time. O Vasco, assim como imitou o uniforme da Ponte, reivindica ter sido o primeiro time a ter negros, mas não foi. A própria FIFA considera a Ponte como o primeiro time do mundo a aceitar negros como jogadores.


As três histórias acima falam um pouco desse time que, verdade seja dita, não é lá muito chegado a vitórias e não tem títulos importantes. Tanto não é chegado que a palavra derrota consta no hino, e vem antes da palavra vitória, o que mostra o desprezo da Ponte Preta por bens materiais, como títulos e troféus. Um time, por sinal o mais antigo em atividade no Brasil, cuja existência é ligada à vida, à igualdade e à liberdade, não precisa, convenhamos, de títulos e troféus. Já não disseram ser mais fácil um camelo passar no buraco de uma agulha que um rico chegar ao reino dos céus? Por isso, torcedores de times vencedores, cheios de troféus e medalhas: preparem-se, porque na eternidade, enquanto vocês estiverem jogando contra times infernais fortíssimos em temperaturas escaldantes, os pontepretanos estarão além das nuvens, onde há ar condicionado central e se pode beber coca cola sem trauma, jogando contra anjos e arcanjos, e sendo festejados por ninfas, como essas aí, que estarão cantando: 
“Ponte Preta sempre, sempre, na derrota ou na vitória,
És amada, Ponte Preta, orgulho de nossa terra
Ponte Preta de paz, Ponte Preta de guerra!”

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