domingo, 31 de março de 2013

O HORROR DA INVASÃO DE NOSSA PRIVACIDADE

O que há de mais terrível do que a iminência, cada vez mais concreta, de você ter a sua vida privada invadida? De ter sua vida e a de sua família vigiada? Lá pelos anos 60 e 70 este era um dos mais recorrentes temas de filmes de ficção científica. Veja que, em geral, filmes de “ficção científica” são passados num futuro que ninguém sabe ao certo se realmente acontecerá, mas acabam nos colocando diante da possibilidade de virmos a viver num mundo de terror. A invasão de nossas vidas já nos aterrorizava nos anos 60.

Mais de 50 anos depois, com internet, redes sociais e o diabo a quatro, a profecia está, com ou sem a nossa permissão, se cumprindo: alguém, em algum lugar, pode saber tudo de nós.
Raul Seixas, na genial Paranóia,  brinca com esse medo, transferindo-o a Deus:

Minha mãe me disse há tempo atrás
Onde você for Deus vai atrás
Deus vê sempre tudo que cê faz
Mas eu não via Deus
Achava assombração, mas...
Mas eu tinha medo!
Eu tinha medo!
Vacilava sempre a ficar nu lá no chuveiro, com vergonha
Com vergonha de saber que tinha alguém ali comigo
Vendo fazer tudo que se faz dentro dum banheiro
A pergunta é: agora, que já estamos no futuro, isso já não nos aterroriza mais ou não estamos nos dando conta dos perigos que corremos?

“Perigos”, aqui, não são apenas os concretos e criminalizados, como invasões de hackers nas contas bancárias, assaltantes e maníacos sexuais. Esses são os menores. Perigo de verdade são aqueles que o Raul e o filme francês “Dentro de Casa”, que está nos cinemas, apontam: nossa intimidade pode não ser mais íntima, e, ao não ser íntima, não é mais nossa e, assim, não temos mais a plena e total propriedade do que fazemos, de como usamos nosso banheiro, nosso quintal, nosso quarto... Se nossa existência se confirma pela nossa “persona”, única e individualíssima, perder essa nossa individualidade é quase como deixar de existir. Este é o verdadeiro terror.

“Dentro da Casa”, o filme, já impacta nos créditos de abertura, com fotos de alunos de uma escola, num mosaico do qual, no lugar de se afastar e mostrar que somos apenas mais um na multidão, o que, digamos, é um conforto e uma segurança, a câmera se aproxima, como se escolhesse alguém ao acaso para mostrar... e invadir. Há um desconforto já ali.

No mesmo sentido, do todo para o específico, um professor corrige, compartilhando com sua esposa, redações medíocres de seus alunos. Entre tantas, uma chama a atenção do casal. Em boa escrita, um aluno conta como escolheu um colega para, sob o pretexto de ajudá-lo em matemática, aproximar-se, entrar em sua casa e analisar ironicamente sua família, sua vida privada.

O filme estabelece um paradoxo ao deliberadamente não utilizar nenhum dos instrumentos mais comuns e esperados para invadir a privacidade: não usa, em nenhum momento do filme, um computador sequer. Nenhuma dessas máquinas diabólicas é acionada. Trata-se apenas um colega do filho que entra em sua casa, e relata tudo nas redações, escritas à mão e mostradas ao professor. 

A esposa do professor, mais que este, parece enxergar o horror e o perigo daquilo, e alerta o marido, mas este não consegue botar um ponto final nas redações, interessado que está no desenvolvimento do aluno escritor... Ou o interesse estaria, além da tarefa de orientação, em extravasar seu desejo, que é um pouco o desejo de todos nós, de invadir a vida alheia?

O professor pergunta ao aluno: “Porque escreve o passado no presente?” “É uma maneira de me manter dentro da casa”, responde o aluno. “O que vem em seguida?”, o professor instiga o aluno a continuar.  
“O que vem em seguida”. É exatamente isso que nós, que assistimos, nos perguntamos, cada vez mais retorcidos na cadeira. “Dentro da Casa”, filme de puro suspense, tem direção impecável e interpretações absolutamente convincentes, que nos levam, inevitavelmente a reflexões inconfortáveis.

Bônus: as duas atrizes, Kristen Scott Thomas, aquela maravilhosa de “O Paciente Inglês” (1996) e Emmanuelle Seigner, a louquinha deliciosa de “Lua de Fel” (1992). Ambas, agora em torno dos 50 anos, exuberantes de talento, beleza e sensualidade, explodem na tela e parecem, imbuídas do espírito de Nelson Rodrigues, aconselhar às novas divas do cinema, às lindas universitárias e às gostosinhas do happy hour: mulheres jovens, envelheçam, por favor. 

PAI, O QUE É PÁSCOA?


-      Pai, meu ovo de páscoa caiu no chão.
-      Então pega e passa um paninho no chão.
-      Não sujou, ele ainda estava fechado.
-      Então qual o problema?
-      Nenhum, mas eu fiquei pensando... Porque o ovo caiu?
-      Porque você derrubou.
-      Mas porque ele cai pro chão e não pro alto?
-      Porque se fosse pro alto ele não teria caído, teria voado.
-      Porque o ovo cai pro chão e não voa pro alto?
-      Por causa da força de gravidade.
-      O que é força de gravidade?
-      É um negócio que o Issac Newton inventou depois que uma maçã caiu na cabeça dele quando ele estava sentado debaixo de uma árvore.
-      Porque a maçã caiu na cabeça dele?
-      Por causa da força de gravidade.
-      Como, se ele ainda não tinha inventado?
-      Ele não inventou, eu falei errado. A gravidade já existia, senão as coisas ficavam todas flutuando, eu estaria agora tentando ler esse jornal lá no alto, do lado do lustre. A força da gravidade sempre existiu, ele só deu o nome.
-      E porque ele chamou de “força de gravidade”?
-      Sei lá, que pergunta! Porque é uma coisa que FORÇA as coisas a ficarem no chão.
-      E porque ele colocou o nome da força de força de GRAVIDADE?
-      Bem... Não sei!
-      Será que era porque a mulher dele estava grávida?
-      Acho que não, ele já devia ser muito velho para ter filho.
-      Qual o problema de ser velho? Não é a mulher que fica grávida?
-      Bom... É... Mas se fosse isso ele colocaria o nome de força de GRAVIDEZ, não de GRAVIDADE.
-      Será que é porque derrubar as coisas é uma coisa grave? A mãe diz que se eu derrubasse o vaso dela no chão seria muito grave.
-      Seria bem grave mesmo, porque o vaso iria quebrar e você poderia se machucar.
-      Então derrubar o ovo de páscoa no chão não é grave: não quebra e nem me machuca.
-      Não, não é grave, mas ele só cai por causa da força da gravidade e ponto final. Entendeu?
-      Acho que sim...
-      Agora me deixa ler o jornal...
-      Pai, posso fazer só mais uma pergunta?
-      Pode, é claro.
-      O que é Páscoa?
-      É o dia em que Jesus ressusci... ih, vai ser complicado explicar isso...  Páscoa é o dia em que a gente come ovo de páscoa...
-      Porque a gente come ovo de páscoa?
-      Porque é gostoso.
-      A mãe falou que este é o último ano que a gente vai comer ovo de páscoa, porque o preço do ovo é cinco vezes maior que o preço do chocolate.
-      Ela tem razão.
-      Então não vai mais ter páscoa?
-      É claro que vai. Não é porque a gente não vai comer ovo de páscoa que não vai ter páscoa.
-      O senhor não disse que páscoa é o dia que a gente come ovo de páscoa?
-      Não foi isso que eu quis dizer. Eu usei uma metáfora.
-      O que é metáfora?
-      É quando a gente diz uma coisa querendo dizer outra.
-      Prá que serve dizer uma coisa quando a gente quer dizer outra?
-      Porque tem coisa que dá tanto trabalho explicar que é melhor usar uma metáfora.
-      Porque dá trabalho explicar o que é páscoa?
-      Porque páscoa é uma data que comemora uma coisa que não existe... quer dizer, a páscoa comemora uma coisa que, se por acaso existiu, não é nada comum.
-      Dá mais trabalho explicar uma coisa que não é comum?
-      Olha, se explicar uma coisa comum, como o seu ovo de páscoa cair no chão, já dá um trabalho danado, imagina explicar uma coisa como a ressurreição de Cristo!
-      A páscoa é a ressurreição de Cristo?
-      Você sabe o que é a ressurreição de Cristo?
-      Não é uma metáfora?
-      Filho...
-      Sim, pai.
-      Feliz páscoa!

domingo, 24 de março de 2013

THE DARK SIDE OF THE MOON


Hoje é domingo, o dia da semana que mais carrega significados. Na minha infância, significava ver “A Família Trapo” (nome que, aprendi no Google, foi inspirado na Família Von Trapp, aquela do musical “A Noviça Rebelde”), com Otelo Zeloni, Renata Fronzi (a cara da minha irmã Ana), Golias e Jô Soares. Para muitos, domingo significa comer maionese e macarronada, ver Silvio Santos, ir ao futebol... Há tempos que para mim domingo significa ler o jornal de domingo, o que normalmente faço na cama, antes de me levantar. Maravilhas da internet móvel.

E hoje o jornal trouxe uma informação que mudou meu dia e, espero, mude o seu: há exatos 40 anos era lançado um dos maiores discos da história da música – The Dark Side of The Moon, do Pink Floyd, aquele cuja capa é a mais conhecida da história das galáxias. Levantei já com o dito cujo nos ouvidos (tenho o “disco” no mesmo celular em que li a matéria), saí com os cães, fiz compras, cozinhei um ratatouille, e neste momento estou bebendo um freixenet, tudo ouvindo várias vezes a genial obra prima da banda inglesa.

Ouvi Dark Side pela primeira vez lá pelos 17 anos (quando foi lançado eu tinha 11), numa fita que o Sinistro (um dia escrevo sobre ele) gravou para mim. Foi uma pedrada. Senti tudo o que aquela obra queria dizer sem ter a mínima ideia do que dizia e quando, sei lá quanto tempo depois, tive acesso à letra, constatei, sem nenhuma surpresa, que tudo o que eu sentia quando ouvia, era exatamente o que as letras diziam. Quando a forma comunica e toca, o nome disso é arte! E quanto mais comunica, mais arte é. Assim é com o cinema, com a pintura e, creio, com qualquer outra verdadeira manifestação artística: diz coisas relevantes e profundas através da beleza das formas. No caso de Dark Side, as formas se fazem com ritmos, instrumentos, vozes, cantos, sons e alma.

Cada passagem de cada música foi cuidadosamente elaborada de modo a não se limitar à melodia e aos instrumentos. Sons de objetos, falas avulsas, sequências rítmicas feitas com instrumentos novos ou mesmo com não-instrumentos engenhosamente criados com o fim de transmitir algo a mais. A criatividade e a capacidade de inovação do quarteto estavam a mil. O resultado foi a maior obra pop-rock da história.
Lembro-me que quando ouvia a abertura, com aquele coração pulsando grave, a explosão, o grito e aquela melodia elíptica, tudo ali parecia falar comigo, com minhas angústias, com meu coração aprisionado de adolescente. O nome da música? “Speak to Me”, descobri depois.

O disco é uma obra uníssona, como uma sinfonia. Cada música é preparação para a próxima, com nível emocional cada vez maior.  A segunda melhor ligação de uma música para outra, na história da música universal, é a passagem da sinuosa "Any Colour You Like" para da épica “Brain Damage” (“The lunatics is on the Grass...”). A melhor passagem da história é exatamente a seguinte, de “Brain Damage” para “Eclipse”. Maldito seja para toda a eternidade aquele que ouvir uma sem a outra. E que morra seco aquele que as ouvir na sequencia e não ficar paralisado de emoção, admiração, respeito, estupefação, seja lá o que for... O final do disco, com Eclipse, é de uma emoção indescritível. Só ouvindo...

Ao contrário de nós, que envelhecemos a cada ano, parece que “Dark Side” não envelhece, está cada vez mais cheio de qualidade, energia e significado.

Curiosidade, para fechar com chave de ouro e com mistério: diz a lenda que as músicas foram feitas sobre o filme “o Mágico de Oz”, como se fosse uma trilha sonora. Gilmour e Waters negam, mas, de fato, são impressionantes algumas coincidências entre os climas e os momentos de virada das cenas e das musicas. No link, o filme e a música juntos: http://www.youtube.com/watch?v=h6a5DH_ePVQ

 Dê esse presente a você mesmo: ouça, o mais rápido possível, mas ouça como se deve, sem ninguém por perto, sem pensar em mais nada. E se você gostar, e se ficar paralisada*, então...
“I'll see you on the dark side of the moon

* Acho que quando escrevo penso em mulheres, ou em uma mulher, sei lá...

sexta-feira, 15 de março de 2013

ACABE COM SUA ANSIEDADE - UM DEPOIMENTO SINCERO


Minha amiga Débora, bem intencionada, me deu um presente. Ela me acha muito ansioso, mas garanto: é bobagem; ao menos foi o que respondi a ela naquela noite, na creperia. O fato é que não suporto ser mal atendido ou, pior, não ser atendido. Perguntei a ela como é que alguém pode entrar num restaurante e ficar sentado quase a noite toda esperando ser notado por um filho da puta de um garçon. Perdoem-me a expressão, mas é que realmente eu estava um pouco exasperado.

“Sem ser notado? A gente estava lá não fazia nem 5 minutos e você já estava tremendo e com falta de ar!”

Com efeito, podem ter sido 5 minutos, o que já não é pouco, mas se eu não me levanto e vou lá reclamar em altos brados e puxo o garçon pela gravata borboleta, quantas horas esperaríamos?

“Você sempre acha que vai demorar, que ninguém vai te ver. Nunca vai em praça de alimentação porque acha que não vai ter vaga no estacionamento, que tem muita gente, que todo mundo vai sair ao mesmo tempo e você vai ficar horas parado e sem ar no estacionamento... E diz que não é ansioso?”

Bom, o fato é que no dia seguinte minha amiga, demonstrando preocupação e gentileza, presenteou-me com um livro, bem pequeno, de “meditação e harmonização com o universo”, presente que recebi com muita gentileza e com um sincero agradecimento, muito embora eu tenha comentado, assim, en passant, que não leria aquela merda nem a pau.

Mas o fato é que o li. E aqui declaro: ele mudou minha vida. Sabe aquela história de que os menores frascos guardam os melhores perfumes. Pois este é, precisamente o caso do livreto. Confesso que no começo a leitura foi dolorosa, como deve ser doloroso para a águia arrancar na marra suas unhas e suas penas. Ao final do livreto, senti como uma nova águia, novas unhas, novas asas, pronto para voar. É com emoção que compartilho, a partir de agora, alguns trechos do livro com os leitores. Tudo o que está entre aspas, é, de fato, transcrição do livro.

“Aqui se trata de troca de informações com o Universo Vivo, uma mente inteligente que anseia por se comunicar com você e se deleita com isso”. Fiquei pasmo. Vejam que Universo Vivo, UV, é com letra maiúscula, nome próprio. Uma excitação me percorreu a espinha. Sempre quis que uma mente brilhante se deleitasse comigo. Na verdade, queria mesmo é que ela se deitasse comigo, mas deleitar-se já era muito mais do que eu vinha tendo. Neste ponto do livro comecei a tremer. Pensei em chamá-la, intimamente, de UV, suas iniciais. Continuei a percorrer, ávido, as linhas e as páginas.

“Trata-se de um momento de relacionamento entre a pessoa e a Mente Universal”. Uau, tinha mais alguém na história! O Universo Vivo, a Mente Universal e eu, nós 3 alí, trocando informações e relacionamento.

“Ao se perceber pensando em outra coisa, não se irrite consigo mesmo por causa disso, mas volte seu pensamento para a prática inicial”. Reconheço que eu sempre fazia diferente: quando estava muito, digamos, ansioso num “relacionamento” e queria que demorasse mais, eu pensava em futebol, mais precisamente na Ponte Preta. Funcionava, aguentava um tempo. Quando, pelo contrário, eu não estava nada ansioso, e precisava ficar para não dar vexame, eu costumava pensar na... bom, melhor não dizer o nome.

“Conte vagarosamente e mentalmente de 50 a 1. Se perder a contagem, não se irrite consigo mesmo por causa disso”. Outro dia vi um filme que o cara contava mentalmente para durar mais, só que na hora H ele gritou “TRINTA, TRINTA, TRINTA!”

Achei o máximo o livro me dizer a todo instante para acalmar-me comigo mesmo. Ele parecia me confirmar: sou mesmo ansioso. Senti que estava, ao menos, aceitando isso, o que é o primeiro passo para mudar. Liguei para a DEF para contar minha evolução. Mais tarde, no Capítulo “A consciência do próprio corpo”:

“Agradeça a cada músculo...” – achei meio estranho aquilo. Como é que vou agradecer cada músculo? Aí, musculão, valeu, ein? Vou agradecer sem nem saber quais são os músculos? Sem ao menos saber o nome de cada músculo. Não seria mais sensato agradecer em geral, a todos os músculos? Parei e pensei “deixa de ser ansioso” – estava funcionando.

“Agradeça às veias, a cada célula...” Não! Para tudo! A cada célula? Vou ficar quanto tempo agradecendo? Será um exercício de paciência, como uma vacina para a ansiedade, feita com o próprio veneno que a causa?

“Faça o mesmo com cada órgão de sua região genital...” Desculpa, mas essa eu não posso. Outro dia eu brochei com a Juliana – nome trocado para proteger a vítima – sim, vítima! Depois de 3 anos tentando, quando eu consigo sair com a moça, ele me apronta essa e eu ainda vou ter que agradecer?
Neste momento a luz acabou em Águas Claras e eu tive que respirar fundo, uma, duas, três vezes. Foi quando percebi que, além de controlar a ansiedade, o livro, minha amiga DEF e até a CAESB queriam agora que eu me tornasse uma pessoa capaz de perdoar. Voltamos, a luz à minha casa e eu à leitura.

“Repasse a anatomia do corpo humano em algum atlas, e conheça cada órgão pelo nome”. O livro falava comigo, respondia às minhas angústias. Perdoei e cumprimentei, pelos nomes, meu inerte conjunto formado pelo corpo cavernoso e pelo corpo esponjoso, sem esquecer de dar um fraternal abraço na glande. Depois, até às 5 da manhã cumprimentei músculo por músculo do meu corpo, conforme solicitado pelo livro. Não fui trabalhar no dia seguinte, o que contribuiu ainda mais para me acalmar, embora talvez não tivesse ocorrido o mesmo com o pessoal com o qual eu havia marcado uma reunião. Assim que acordei, às 11, continuei, ansioso, a leitura.

“Insira conscientemente seus desejos e suas intenções a respeito do mundo exterior na Sabedoria Cósmica”. Nossa... É assim que o Gerson consegue pegar tanta mulher? É assim que tanta gente enriquece sem explicação lógica? E os maldosos pensando que é corrupção... Agora, leitor incrédulo, veja esta:

“O seu mais profundo eu está aproveitando o desligamento de sua consciência das preocupações e correrias deste mundo e fazendo uma profunda troca de informações com o Universo, enviando e recebendo dados...” - caraca, velho, é download espiritual! Puxa, vou devolver o meu modem da Vivo.

“... recebendo tanto os dados relacionados aos seus desejos e intenções conscientes, quanto instruções para a realinhamento de energia vital...” – é atualização de software – a alma é um software!!!

“... causando a revigoração de vários de seus órgãos internos.” Ei, e os externos? E o corpo cavernoso? É ele que preciso revigorar!

“Você receberá as inspirações que guiarão a sua vida, enviadas diretamente da Grande Mente Universal, que tudo sabe, que tudo vê, e que pode tudo”. Nossa, PODEROSA! Essa GMU deve ser a chefona, a presidente, diretora, sei lá, quem manda no lance todo. Acho melhor agradá-la. Foi o que decidi fazer, intimamente e sem alarde, é claro, porque senão ela pode pensar que estou puxando o saco e minha vida piorar ainda mais. Como minha vida pode piorar? Os garçons demorando mais tempo para me atender a Juliana nunca mais me atendendo no celular.

“Converse mentalmente com seu eu mais interior, diga em pensamento “Olá, ... (diga interiormente seu próprio nome), meu amigão, que bom estarmos juntos nessa! Como nós somos felizes, né? Nós somos lindos, não é mesmo? Nós somos demais, né?” M-E-U  D-E-U-S! Agora entendo aquele cara com ares de perfeitos, que se alisa o tempo todo, mantém os cabelos sempre penteadíssimos e sai aos domingos de bermuda social passadíssima e com vincos.

“Enamore-se do seu eu, pergunte a ele o que ele quer fazer ao estar no cinema e assistir uma cena bem legal...” -  neste momento pirei. Minha consciência, Cósmica ou não, minha sabedoria, Universal ou não, pensou: “tudo bem se eu me elogiar muito; ok se eu falar pro meu EU que ele é lindo... Até posso aceitar convidá-lo a ir ao cinema. Mas perguntar ao meu EU o que fazer ao assistir a uma cena bem legal? Cara, pensei comigo mesmo, isso é o quê? Uma espécie de auto incesto? Depois do cinema vou me levar aonde? Ao motel?

Aproveitei a luz que me iluminou neste momento e pulei da cama, me arrumei, ansiosíssimo e morrendo de fome, bem na hora do almoço, e fui ao Giraffas, num shoppinzinho aqui perto, onde sei que demorarão horas para me atender e mais horas para me servir uma comida totalmente sem gosto. Na saída, havia um congestionamento no estacionamento e levei 40 minutos para sair daquele subsolo cheio de monóxido de carbono. Cheguei em casa, tomei um Cefaliv, para a dor de cabeça, um Dorflex, para relaxar, uma coca para dar mais vida a tudo, coloquei uma pastilha de kolantil  na boca, para a asia, e dormi suando e tendo dezenas de pesadelos angustiantes. Era eu novamente!

segunda-feira, 11 de março de 2013

ENQUANTO A FUMAÇA BRANCA NÃO VEM

A igreja católica está em festa. 

Sempre gostei de a companhar os noticiários após as mortes de papas anteriores. Normalmente quando se morre um papa há aquela comoção toda, tristeza, choradeira, as TVs transmitem o velório e  mostra a multidão fazendo filas para dar o último adeus ao santo padre. Sempre estranhei essa frase que todas as TVs usam ao mostrar velórios de famosos: "dar o último adeus", como se todo mundo tivesse dado vários "adeus" antes daquele. Mas vá lá, o que sempre me importou era estar conectado com aquela tristeza geral, muito embora ela sempre guardasse uma porçãozinha disfarçada de excitação e expectativa com a eleição do próximo papa. 

Todo mundo acompanha eleição de papa, que por sinal tem aquela esquisita designação "conclave". Eu sempre confundia com conclave com conchavo. A Igreja católica sempre trabalhou bem, em termos de espetáculo, o conclave. Genial aquela ideia, talvez milenar, de jogar fumaça preta e fumaça branca, esta última quando o novo papa foi escolhido, ou eleito. Isso, aliado com a estratégia de todos os cardeais ficarem lá dentro incomunicáveis seja por quanto tempo for, faz com que o mundo todo fique ali, parado, olhando para uma chaminé. O suspense continua até que se abra a porta daquela varanda do prédio do vaticano e alí apareça um velhinho com uma roupa sensacional e erga os dois braços dizendo ao mundo "podem ficar  tranquilos, Deus me mandou aqui para cuidar de vocês e tudo continuará bem".


Pois bem: como consta na abertura deste nem tão católico post, a Igreja católica está em festa, porque desta vez ninguém precisa disfarçar a empolgação com o conclave: ninguém morreu! O papa anterior está lá, são e salvo e vai morar num maravilhoso castelo, bem melhor do que um túmulo, por mais lindo, espaçoso e dourado que este fosse. 

Grande parte do, digamos, sucesso institucional do conclave é que ele desperta nossa curiosidade. Como será que é essa votação? Como ficam os cardeias lá dentro? O que sentem os candidatos a Papa? Diga a verdade, leitor, católico ou não: você nao gostaria de ser uma formiguinha para ver o que rola lá dentro? 

Então satisfaça esse desejo: vá a uma locadora e pegue "Habemus Papam", brilhante filme do italiano Nanni Moretti. 


Um Papa morreu e tem início o conclave. Com um inicio que mais parece um documentário, o filme impressiona pelo realismo com que mostra os cardeais, o Vaticano por dentro, o modus operandi do conclave e a expectativa dos cardeais. Interessantíssimo quando o filme deixa a linguagem documental e entra na cabeça dos cardeais, que imploram a Deus que não os coloque naquela posição. Um destes acaba eleito, o que parece provocar nele uma visível tensão, que explode numa crise de pânico quando ele é chamado a sair no balcão e se apresentar ao povo. O homem trava. E não há quem o tire de seu torpor. O relações públicas inventa uma desculpa qualquer à imprensa enquanto tentam resolver o impasse. Aí chamam um psicólogo, mas as regras do vaticano impedem que ele fique sozinho com o novo papa para fazerem as sessões. O problema aumenta quando o papa foge e fica no meio do povo, para tentar se encontrar. 


O psicólogo fica preso lá dentro, junto com os cardeais e, na falta do que fazer organizam jogos de mesa e, pasmem, um campeonato de vôlei. Essa sinopse parece levar a crer que estamos diante de uma comédia. De fato, divertido é. Mas ao tratar o humor das situações inusitadas com delicadeza e respeito, a trama ganha em profundidade, afinal, trata-se de um dilema de quem é o "escolhido de Deus" e não se julga com competências necessárias para ocupar a posição que ocupa. Como uma sincera reflexão sobre suas competências faria bem a todos aqueles que ocupam posições, nas empresas e na política. Como seria bom se as pessoas não se considerassem Deus. 

Veja o filme e torça para quem quiser no conclave, inclusive para o brasileiro, que tem chances reais de ser o novo Papa. Seria interessante um brasileiro na posição mais importante no mundo depois do presidente dos estados Unidos e do chefe do Al Qaeda. Resta saber que nome o papa brasileiro escolheria. Lula Primeiro?

Voltando ao filme, que não é católico (o diretor, inclusive, é ateu), mas universal: o final, poderoso e revelador, nos leva a compreender, ou ao menos a sondar, a solidão, a grandeza da alma, do sofrimento e do gesto final, quase divino de tão humano.

sábado, 9 de março de 2013

OZ E A ESTUPIDEZ


A busca pela felicidade, essa praga moderna, prova da estupidez humana, faz a gente errar muito, errar demais. Apesar de as mensagens “viva plenamente a sua vida”, mesmo com assinaturas de Borges e Einsteins, serem carregadas de boas intenções, elas cada vez mais nos levam à escuridão, na medida em que nos obrigamos cada vez mais a priorizar a felicidade, a NOSSA felicidade. 

O que há de errado em priorizar a nossa felicidade? Tudo, a começar pelo que é mais objetivo: é impossível ser feliz escolhendo ser feliz, como é impossível ter a casa limpa sem limpá-la. A felicidade é um subproduto: é efeito. A gente pode ser feliz como consequência de escolhas, corretas ou não, que fazemos por acreditarmos serem as mais justas, humanas, belas, éticas; como consequência de realizarmos um trabalho da melhor forma que pudermos, de criarmos um filho da melhor forma que pudermos, de ajudarmos pessoas, de compartilharmos conquistas. Enfim, a felicidade não pode ser alcançada se for um fim.

É, portanto, a busca pela felicidade que nos afasta dela, porque acabamos querendo vê-la a cada escolha, a cada ação. Se a felicidade não aparece hoje, então é porque errei e concluo que o que fiz hoje não me faz feliz; aí desisto do que fiz hoje, das roupas de hoje, das pessoas de hoje.

Aí você diz “ah, isso eu não faço isso, eu só faço o que me faz ser feliz, porque eu decidi ser feliz”. E vai na academia, na clínica de estética, no psiquiatra, e toma calmante e toma laxante... E a vida continua a mesma porcaria... 

E você briga, e você dispensa quem te ama, e a vida vira uma tempestade, e você sobe num balão para tentar fugir, vai pra balada, sobre num balão, embarca num furacão e vai para um mundo novo, colorido, cheio de riquezas e possibilidades, um mundo em que todos te acham o máximo. Mas, com o tempo, nem mesmo esse mundo te satisfaz. Então você compreende que o problema é que você não merece esse mundo... Aí sim, finalmente, você se toca e começa a fazer algo, não para si, não “focado” na sua felicidade, sem se importar se você será feliz ou não. 

Esta é a história, velha, mas poderosa, de “Oz, Mágico e Poderoso”, que estreou neste final de semana. Detesto fazer o papel de estimular altas expectativas, porque um dos segredos para gostar de um filme é não ter grandes expectativas sobre ele (aliás, vale para pessoas – se projetarmos expectativas e elas não forem concretizadas – o que quase sempre ocorre, nos decepcionamos e a vida a dois vira uma m...). 

Mas no caso deste filme, o faço sem medo: pode ir ao cinema e colocar seus óculos 3D com altíssimas expectativas. Se não se divertir muito e sair exultante, vá direto do cinema ao psicólogo, porque ou você tem sérios problemas, ou é um daqueles que acham que para um filme ser bom, tem que ser chato e o casal tem que terminar separado.

“Oz” é um filme da Disney, é um Disney com “D” maiúsculo, que usa, sim, uma velha história, mas daquelas que nunca envelhecem. Além disso, o filme trata de atualizá-la com um roteiro inteligente, com um humor moderno, com a criação de um mundo de incrível beleza, acentuado com um deslumbrante 3D, o melhor que já vi, daqueles que te envolvem mesmo e, finalmente, com mulheres estonteantes vestidas magnificamente. Tudo é extremamente bem cuidado. Tudo é envolvente.

Agora, emocionante mesmo é a cena da aparição da boneca de porcelana, e talvez todas as demais cenas das quais ela participa. Uma personagem fantasticamente bem construída, cheia de riqueza, interior e exterior.

A direção é segura e inteligente, o filme não sai do trilho, o ritmo parece ser sempre apropriado, o humor entra em momentos precisos, e algumas cenas são trabalhadas com arte e grandiosidade, o que já é uma marca de Sam Raimi, que conseguiu fazer cenas poderosas até em O Homem Aranha. 


Vá para o cinema ver “Oz, Mágico e Poderoso”, mas lembre-se: não vá para ser feliz. Vá porque você ama quem vai levar junto, nem que seja você mesmo.

segunda-feira, 4 de março de 2013

SOBRE HITCHCOCK, O FILME

Somente ao final do hilariante e ao mesmo tempo tocante “Intocáveis” eu descobri que foi baseado na história real do relacionamento entre um paraplégico e seu cuidado; os “personagens reais” inclusive são mostrados nos créditos. É claro que algo deve ter sido romanceado, para ficar mais engraçado, ou mais emocionante, afinal, vida real é vida real e cinema é cinema. Argo, vencedor do Oscar, também tem origem na história real do resgate de seis americanos do Irã. O ótimo suspense final, no aeroporto, com a apreensão no balcão de embarque e a perseguição na pista, ajuda muito a plateia a viver uma boa experiência, mas na realidade os americanos passaram muito tranquilamente e sem sobressaltos pelo aeroporto. Estranho é que o filme, apontado como americanista demais, inventou mesmo quando fez a inteligência dos iranianos descobrir a fuga de seis americanos da embaixada e tentar impedir sua fuga do país, o que não ocorreu na realidade: eles não perceberam nada.

Nos dois exemplos, como ocorre em praticamente todos os filmes biográficos, as alterações foram para o bem: não queremos ver Globo Repórter ou coisas do tipo, queremos ver cinema. Ninguém quer ver um filme xoxo. O mais importante é que, de qualquer forma, respeitou-se o cerne da história e dos personagens originais. Isso é particularmente mais importante quando se trata de acontecimentos históricos, como o do resgate dos americanos do Irã, ou com personagens importantes e famosos, como Lincoln ou Hitchcock.
A propósito deste último, acaba de estrear “Hitchcock”, que se presta a contar a história dos bastidores da filmagem de Psicose, filme mais popular do chamado mestre do suspense. O filme é baseado no ótimo livro “Hitchcock e os bastidores de Psicose”, de Stephen Rebello.

Pois bem: este blog é meio contra escrever sobre filmes ruins, mas não dá prá deixar este de lado, afinal, ele fala de cinema, tema principal deste blog, e de Hitchcock...

Direto ao ponto: o filme é ruim e inventa muito, nesta ordem. Ele não é ruim porque inventa. É ruim porque é confuso e não envolve. Além disso ele inventa e distorce demais. Não como Tarantino, que brincou ao matar Hitler com 1000 tiros à queima roupa: todos sabem que Hitler não morreu assim. Mas ninguém sabe que a cena do chuveiro, uma das mais impactantes e geniais da história do cinema, só foi feita com aquela força porque Hitchcock estava com ciúmes porque descobrira que sua mulher Alma estava de caso com um escritor medíocre. E ninguém sabe disso porque não foi assim, Alma não teve um caso, Hitchcock estava com ciúmes e planejou a cena por meses, da forma como saiu. Ao menos essa baboseira que o filme inventou foi pelo bem da ação, para o bem do cinema? Hum hum...

E assim vai o filme, de invenção e invenção, construindo não os bastidores das filmagens de Psicose, mas inventando o drama de uma mulher extremamente forte, bonita, charmosa e sedutora, mas que é desprezada e vive à sombra do marido, um famoso, prepotente, arrogante e divertido diretor de cinema.

Mais invenções que desvirtuam a realidade e são inúteis para melhorar o filme? Ele caiu doente e não pôde ir ao trabalho; o pessoal do estúdio ligou sem saber o que fazer; Alma foi lá, deu ordem prá cá, deu ordem prá lá e resolveu tudo. Realidade: de fato, um dia ele ficou doente, mas como ele fazia sempre, todas as cenas do dia seguinte já haviam sido amplamente discutidas com os técnicos e um deles dirigiu a cena.

Ah, esta é boa: após a exibição do filme para os chefões do estúdio, todos odiaram e Hitchcock concordou que o filme era muito ruim e voltou para casa arrasado e querendo jogar tudo para o alto. Alma, como havia pegado o amante (que não existia) com outra e voltado para casa arrasada e arrependida de ter traído o marido, ergueu-se e, quase puxando Hitchcock pelo braço disse: nada disso, eu vou editar esse filme, vamos colocar música e ele vai ficar ótimo. No final, graças a ela, Psicose é um sucesso. Santo Deus!

Quem não viu pode pensar que eu não entendi e que era tudo uma brincadeira e que o filme pode ser bom. Hum hum; sem chance. Primeiro: o filme é pretensamente sério. Segundo: não é bom, não prende, não é engraçado, nem define que história, afinal, quer contar. Os personagens não se desenvolvem: você não sabe qual é a do diretor, nem da sua mulher, nem da atriz cujo personagem morre no chuveiro, nem do “amante”.

Só para que não pensem que Alma não era importante, afinal, os pontos que destaquei dizem respeito às inverdades sobre sua participação, seguem algumas verdades colhidas das biografias escritas sobre Hitchcock, inclusive do livro no qual o filme diz se basear: Alma sempre foi importante para Hitchcock, mais até em outros filmes, nos quais ela desempenhou papeis, inclusive de co-roteirista; ele costumava pedir opiniões para ela sobre os filmes, atores, etc; eles se amavam; Hitchcock apaixonava-se com facilidade por algumas atrizes, às vezes chegando a assediá-las ferozmente; Hitch sempre foi grato à sua mulher, que aguentava suas paixões e assédios de forma resignada; Hitch não a traía, era muito gordo, nada atraente e, além de tudo, impotente.

Mais sobre o filme: Hopkins imita muito bem Hitchcock, mas sua maquiagem é pavorosa. Esconde o ator e suas expressões e não se parece nem um pouquinho com Hitchcock. Talvez ganhe o Framboesa de Ouro de pior maquiagem. Hellen Mirren (de A Rainha) é ótima, como sempre. Arrumaram um Antony Perkins muito parecido com o original e que o retrata muito bem, pena que apareceu pouco demais.

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