domingo, 24 de fevereiro de 2013

GUIA PARA TORCER NO OSCAR

Hoje é dia daquela festa absurda, bizarra, cafona e sem sentido. Odeio o Oscar! Rejeito essa ode ao fingimento, à arrogância e ao cinema comercial com todas as forças da minha alma.

Mas se um dia ganhasse um Oscar, eu não teria coerência e caráter suficientes para recusá-lo. Ao ouvir o meu nome depois do indefectível “And the Oscar goes to...” eu pularia da cadeira aos gritos, receberia, emocionado e surpreso, a estatueta, agradeceria aos atores e produtores excepcionais, cumprimentaria os outros quatro diretores cujos sorrisos amarelos estariam sendo mostrados no telão, citaria minha santa mãezinha, faria alguma piada rápida e sem graça e, na saída da festa, tentaria comer a Jessica Chastain, mas aceitaria de bom grado qualquer outra que estivesse por lá e aceitasse ir para meu quarto comemorar, incluindo as mais coroas, como a Helen Hunt; talvez até a Goldie Hawn. Também poderia catar minha musa Meg Ryan, desde que ela deixasse eu enfiar uma agulha em seus beiços, fazendo o botox jorrar todo para fora até que ressurgissem seus lindos e delgados lábios que sempre me fascinaram.

Enfim, o Oscar é como Coca Cola: não é bom, mas todo mundo ama. Assim, hoje à noite estarei na frente da TV torcendo para que vençam os meus prediletos. Pena terem marcado reunião no trabalho para segunda às nove. Isso é hora de marcar reunião na segunda pós Oscar? Essa gente não pensa? Vá lá: já pus o Red Bull prá gelar.

Por que gostamos tanto de cinema? Talvez para mergulhar num universo a princípio diferente do nosso e reconhecer ali nossos desejos e nossa identidade, redescobrindo nossa própria humanidade. Ou seja, vamos ao cinema não para escapar da realidade, mas para encontrar a nós mesmos. O cinema é o único lugar que vale à pena ir nesta época de calor em alta, ética em baixa e trufas brancas pela hora da morte.
Sei, entretanto, que para muitos é difícil ir ao cinema e acompanhar os filmes que estão concorrendo ao Oscar. Uma amiga minha, parecida com a Jessica Chastain, só que melhorada, mora com seus cães numa cidade onde, no único cinema, se é que há cinema lá, deve estar estreando O Hobbit. Já a minha irmã está com uns trecos de saúde que dificultam sua ida ao cinema. Outros, casados, cuidam dos filhos pequenos ou, em vez de brigar, veem Guerra dos Sexos na TV; nos finais de semana, após a faxina, exaustos, preferem, com razão, dormir em casa do que no cinema: é mais barato e confortável.
Sintonizado com as reais dificuldades de seus leitores e compreendendo a dureza que é torcer no Oscar sem saber ao certo para quem, o Cobra Parada traz até você, que quer ver a esdrúxula, cansativa e ainda assim deliciosa cerimônia, um Guia Prático para Torcer no Oscar, com pequenas sinopses e sugestões para o que dizer ao pessoal do trabalho no dia seguinte. Leia e saiba para quem torcer.

INDICADOS A MELHOR FILME:
"Indomável sonhadora" é uma versão para valer de “Os Miseráveis”. Não deve ganhar, mas se der zebra, apóie e diga que estava torcendo para ele; que é um filme duro e chocante, que fala sobre um vilarejo habitado por uns “mendigos” que se recusam a sair dali, mesmo sendo um lugar de alto risco. Um dos habitantes, um bêbado muito doente, tem uma filha cuja mãe fugiu a nado. A vida para a menina, que é quem nos conta a história, não é um mar de rosas. O pai a ensina a ser durona, como os animais, a não chorar em nenhuma situação. Cena mais significativa: alguém tenta ensinar a menina a abrir um caranguejo com faca. O pai impede e a ensina, na frente de todos, a abrir o caranguejo na marra, com as mãos, como um animal. Ah, diga que o título que colocaram é absurdo. A menina não á sonhadora, nem é adorável: ela aprendeu o que o pai quis ensinar. O título original, algo como “as bestas do sul selvagem”, diz muito mais. A atriz protagonista, de 9 anos, está indicada ao Oscar de melhor atriz. O ator que interpreta o pai não está indicado, mas deveria, na categoria de ator coadjuvante, muito mais do que Philip Seymour-Hoffman, ("O mestre") ou Robert De Niro ("O lado bom da vida"), ótimos, mas com desempenhos comuns.

"Lincoln" deve ganhar, porque americano idolatra, com razão, o cara. O filme é uma primorosa, embora meio burocrática e sem “pegada”, reconstituição de como Lincoln e seus seguidores conseguiram negociar, em meio à guerra, os improváveis votos para aprovar a lei que acabou com a escravidão nos Estados Unidos. Filme mais longo do que seria necessário. Se o filme ganhar, diga, sem sorrir, “já vi melhores do Spielberg”.

"Os Miseráveis” é um clássico da literatura que narra uma história de miséria econômica, política e moral do ser humano. Foi musicado, com sucesso, na Broadway. O filme usa esse musical e deixa de cara uma pergunta a quem, como eu, tem dificuldades com musicais: como alguém vendendo o corpo, os cabelos e os dentes para alimentar a filha, pode cantar? De onde vem a música que faz revolucionários à beira da morte cantarem em vez de fugir? Pois é: musical é assim mesmo, ou você entra no jogo ou nem vai ao cinema (ou ao teatro).
Eu entrei. Vi as quase três horas de Os Miseráveis. E vi de novo. E só não fui pela terceira vez por que usei meu tempo para ver os demais filmes indicados. As músicas são maravilhosas, as interpretações de arrepiar, reconstituição de época perfeita, montagem magnífica. As músicas cantadas simultaneamente por vários personagens ficaram ótimas. Vi também no teatro e acho que, embora ali eu tivesse a liberdade de escolher para onde olhar, tive a sensação de estar perdendo o melhor. No filme, o diretor dirige nosso olhar e parece que dirigiu sempre bem, porque tudo o que mostrava era belo e relevante. Outro detalhe que faz de OM um grande filme: os personagens cantam, sim, mas a interpretação está à frente: soluços, voz embargada ou mesmo risos interrompem o “bem cantar”, diminuindo muito o problema da artificialidade inerente aos musicais. Se algo desandou no filme foi a pífia interpretação daquele de quem eu mais esperava, Russel Crowel, irritantemente impassível e monocórdico, muito abaixo da riqueza do dilema moral que seu personagem (Javert) deveria trazer. Ainda assim, há muito tempo eu não me emocionava tanto com a beleza de um filme. Chorei como uma Fernanda, ou quase. O filme deve perder, mas diga sem medo, para seus amigos incultos, que “Os Miseráveis”, para você, que gosta de música e de emoção, é, disparado, o melhor filme.

"As aventuras de Pi" é um filme bonitinho sobre um naufrágil (este foi o pior jogo de palavras da história – mas tem lá sua razão) de um navio que transportava animais de um zoo. Salvam-se, num barquinho, um menino esperto e um tigre bem bravo. E todo o filme é isso. O nome do tigre é Richard Parker. Quer contar uma piada sobre o filme? Diga que o único que merecia indicação é o tigre, que é lindo e sabe interpretar. No fim, as coisas não eram bem o que pareciam e você descobre que o filme todo podia ser substituído por um daqueles arquivos de Power-Point meio religiosos e edificantes que você recebe e acha fofo porque tem uma mensagem do bem e umas fotos bonitas.



"Amor", que filme é esse! A velha começa a ter uns trecos e não bater bem. Depois perde os movimentos de um lado do corpo e passa a necessitar de cuidados especiais. O marido, por amor, resolve ele mesmo cuidar dela, em casa. E ela vai piorando a cada dia (ou a cada cena). O filme não alisa, não põe musiquinha nem fala bonitinha. É a velha morrendo, e dando trabalho. E o velho se virando. Parece que você está lá, espiando sem ser visto. Irretocável como expressão de uma realidade que pode estar nos aguardando. Se a proposta era fazer você acreditar naquilo que você vê, nota mil. Atores fantásticos, realidade nua e crua, sem emoção, seca. Filme de respeito, mas não gosto de ir ao cinema para isso. Se ganhar o Oscar eu fico pelado na reunião do trabalho na manhã seguinte, dançando festa no apê, do Latino.

Sobre "Django livre" já falei neste blog. Filme delicioso sobre um escravo que se associa a um caçador de recompensas, dele ganha a liberdade e saem juntos buscando a amada de Django que é escrava de um execrável senhor. Ótima comédia-revanche, que vinga não só os negros, não só os escravos, mas todos os indignados com as injustiças. Diálogos espirituosos, personagens exagerados e divertidos. Tudo isso sem deixar de chocar com o absurdo da violência que era a escravidão. O que chamam de violência contra os vilões não é violência, é diversão estilizada que conversa com nossas referências de cinema da infância. Se ganhasse eu adoraria, porque cairia um pouco a carranca do Oscar!



“Argo" deve ganhar. É o tipo de filme que a gente gosta de ver. Uma boa história, propagandista, sim, mas verídica, sobre a inusitada forma como alguns americanos foram resgatados do Irã no final dos anos 70, fingindo-se de cineastas que estariam preparando para filmar uma ficção meio vagaba chamada Argo. Mantém muito bem o suspense nas cenas do resgate; é espirituoso nas cenas envolvendo o pessoal de cinema em Hollywood, que fingiram estar preparando o filme de verdade, para dar credibilidade aos fugitivos. A reconstituição é ótima. Se vencer, diga: “eu já sabia” e complete, sem medo, dizendo que gostou muito.



"O lado bom da vida" é uma “comédia fofa” sobre um bipolar que sai da casa de repouso, ou sei lá o nome politicamente correto para manicômio, e tenta reaver sua esposa, a quem pegou traindo, o que ocasionou seu piti e internação. Ele age como se ela ainda fosse sua mulher, apaixonado e tentando pedir perdão, tipo “perdoa-me por me traíres”, coisa de lóki. Aí ele conhece uma louquinha de pedra (Jennifer Lawrence, que concorre ao Oscar de melhor atriz) e, adivinha... Isso, adivinhou. Típica comédia romântica prá ver sem medo, e sem grandes expectativas também.





"A hora mais escura" é um documentário fantástico sobre as longas investigações que culminaram na morte de Bin Laden e a participação decisiva de uma investigadora. As cenas do ataque à casa onde vivia o inimigo público número um dos americanos são muito bem feitas. Ei, eu falei que era documentário? Ops, falha minha. É que o filme é tão seco que parece, sim, um documentário. Prefiro as estilizações e adaptações de um Argo, ou até mesmo os mínimos detalhes de sonho ou paranoia de “Amor” e de “Indomável Sonhadora”, do que a realidade nua, crua e sem sal que a Kathryn Bighelow vive tentando mostrar. Estou cada vez menos convencido de que a realidade seja essa que nossos olhos veem todos os dias.

Diretor
Benh Zeitlin
Michael Haneke – "Amor", bem filmado dentro de um apartamento, com simplicidade e carregado por atores maravilhosos, é filme de ator, não de diretor. Ang Lee ("As aventuras de Pi") não fez nada mais que um Power Point mais animadinho e estaria roubando o Oscar do tigre se ganhasse. Spielberg, que deve ganhar por "Lincoln", embora tenha feito apenas um filme tecnicamente correto conduzido por dois atores geniais, lembra a Imperatriz Leopoldinense, que ganhou sem empolgar por vários anos. David O. Russell ("O lado bom da vida”) deveria ganhar um Oscar de direção por uma comédia romântica muito boa, mas absolutamente comum? Já o tal do Benh Zeitlin, de "Indomável sonhadora" é um cara de 30 anos que, para estrear na direção resolveu filmar algo quase infilmável e fez um filme no mínimo perturbador. Torça por ele, como eu torço pela Ponte Preta, assim, meio sem esperança.

Ator
Daniel Day-Lewis ("Lincoln") é demais: O maior personagem da política mundial, sobre o qual não existe nada além de fotos, agora tem uma voz, um jeito de falar, de andar, de sentar, de olhar e de rir definitivo. Denzel Washington ("Voo") deu credibilidade ao piloto alcoólatra que interpretou, foi bem pago e ponto. Bradley Cooper, o atual queridinho de Hollywood, foi ótimo com seu bipolar em "O lado bom da vida" e um dia poderá merecer um Oscar. Joaquin Phoenix ("O mestre") merece a indicação e se ganhar, pode aplaudir, porque ele criou um cara estranho, muito estranho, num filme meio chato, mas interessante. Já Hugh Jackman ("Os miseráveis") surpreendeu como o sofredor Jean Valgean e cantou sempre lindamente, numa interpretação dificílima e emocionante, digna de Oscar. Torça por ele.

Atriz
Naomi Watts ("O impossível") foi muito, muito bem. Achei que ela ia morrer de verdade. A talentosa Jessica Chastain ("A hora mais escura") é maravilhosa e merece o Oscar, sim, ainda que seja por sua indizível beleza, porque o papel, convenhamos, não exigiu quase nada. Já Jennifer Lawrence ("O lado bom da vida") está muito legal, dançou e surtou bem e, mesmo não sendo bonita, fez sua esquisitinha personagem tão bem que ficou linda – mas não para um Oscar. Emmanuelle Riva ("Amor") e Quvenzhané Wallis ("Indomável sonhadora") deveriam, as duas, ganhar o Oscar. A primeira, 86 anos, é a mais velha atriz a ser indicada. A segunda, 9, é a mais nova. Os dois únicos desempenhos excepcionais entre as indicadas. Se não ficar nas mãos de nenhuma delas, é... Oscar. Torça para Emmanuele Riva, porque a menina sopa de letrinhas ainda tem tempo...

Ator coadjuvante: Philip Seymour-Hoffman ("O mestre"), ator fantástico, é o único que não merece, porque seu personagem não exigiu grande desempenho. Christoph Waltz ("Django livre"), Tommy Lee Jones ("Lincoln"), Robert De Niro ("O lado bom da vida"), e Alan Arkin ("Argo") deram pitadas essenciais nos filmes em que atuaram, mas os dois primeiros foram um pouco além. Torça por Tommy Lee Jones, porque ele devia ter sido indicado a melhor ator por “Um Divã para Dois”.

Atriz coadjuvante: segunda-feira diga no escritório: “se o que a Anne Hathaway fez no pouco tempo que teve em “Os Miseráveis” não merecesse um Oscar, então não sei o que significa viver”.

Pronto. Agora que você já para quem torcer e o que dizer, vamos ao fogão, porque cinema enche a alma, não a barriga.


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