domingo, 16 de setembro de 2018

VIAGEM ALUCINANTE: A TÁBUA DE ESMERALDA

Pedi você pra esperar 5 minutos
Porque você não sabe, você não sabe, você não sabe e nunca vai saber...
(será que ela não sabe que eu fico acordado pensando nela, todo dia toda hora, apressado, pensativo, desconfiado, olhando pra todos os lados)
Errare humanum est
Já consultei os astros (eles são discretos e silenciosos, são pacientes, assíduos e perseverantes)
Ela já se encontra a caminho voando na sua nave maternal feita de um metal miraculoso
Com muito amor e flores e música e música
Olha que rosa lindo, azul turquesa se desfolhando sob os singelos cravos
Tu terás por esse meio a glória do mundo e toda obscuridade fugirá de ti
Eu vou torcer pela paz, pelo bem estar, pela compreensão,
Pelo meu amigo que sofre do coração
Eu quero ver, eu quero ver, eu quero ver...
Jorge Duílio acordou tarde e abriu a janela. Queria ver como estava o dia. Gostava de dias ensolarados, mas a manhã estava cinzenta e chuvosa, aquela chuva meio preguiçosa, que não faz muita força para cair. Jorge Duílio tomou um longo banho para despertar, comeu algo, tomou uma coca e saiu rumo à Estrada do Itapicuru, 75, no Alto da Boa Vista, Rio de Janeiro. Como por mágica, assim que saiu se casa, surgiu o sol.
Os deuses astronautas estavam com ele. “É hoje!”, pensou, agora mais alegre. Já tendo gravado 10 discos, não tinha maiores pretensões a não ser a de se divertir com uns amigos fazendo algo extremamente prazeroso: gravar as músicas que havia composto com tanto interesse e cuidado. Não imaginava que, a partir daquela tarde, no estúdio da Phonogram, gravaria o mais importante álbum brasileiro de todos os tempos.
Capa original do disco lançado em 1974
Lá em cima, abrindo este pôsti, uma mistura de trechos de todas as músicas do álbum A Tábua de Esmeralda, de Jorge Duílio Lima Meneses, àquela época Jorge Ben, hoje Benjor. O icônico disco foi concebido sob forte influência daquela época. O país estava doido pelos enigmas turbinados pelo Fantástico, O Show da Vida, que estreara com enorme sucesso e repercussão no ano anterior: Eram os Deuses Astronautas, alquimia, a conquista do espaço, as pirâmides do Egito, exorcismo (insuflado pelo o filme O Exorcista, com reportagens em vários domingos). Jorge Ben estava doidão pelo espaço, pelos deuses astronautas e, sobretudo, pelos alquimistas, e o disco mistura tudo isso e mais alguma coisa. Hermes Trismegisto é o autor do tratado de alquimia que está inteiro na letra de uma música; Paracelso (que visitava pacientes com uma echarpe multicolorida) é o Homem da Gravata Florida; Nicolas Flamel, que ilustra a capa, é O Namorado da Viúva
Jorge Ben e André Midani
Todas essas influências não ficaram só na temática do disco – foram para os arranjos, melodias e forma de cantar. Tudo é alquimia, mágica, experimentação e psicodelia. Foi difícil que a Phillips o autorizasse a gravar um disco assim. Queriam o de sempre, o ‘samba esquema novo’, que vendia tão bem. Pra quê inventar? André Midani, o gerente da gravadora, foi quem bancou. E lá estava Jorge, no estúdio, pronto para começar a primeira gravação, todos a postos...
Salve!...
Não, não... Senta... Senta. Não, não, senta. Não, não. Pra sair legal. Senta.
Então, tem que dançar, dançando. Dançando.
Por que raios foram mantidos, no início da música que abre o álbum, os esporros que Jorge Ben deu na turma?  Provavelmente porque ficou divertido. O disco é, ao mesmo tempo, leve e denso, alegre e melancólico, pacífico e guerreiro. É um bate assopra danado, uma montanha russa emocional. 
"Pode isso, tio Moa?" Uai, se ele fez...
É “pedi você pra esperar cinco minutos só, você foi embora sem me atender” numa música e “põe estrelas em meus olhos, música em meus ouvidos, põe alegria em meu corpo” noutra.  
É ‘há uma princesa à venda, que veio junto com seus súditos acorrentados em carros de boi’ numa, e ‘essa gravata é um jardim suspenso dependurado no pescoço de um homem simpático e feliz’ noutra.
E sai da lisérgica Magnólia, influenciada pela Barbarella Jane Fonda, para cantar com emoção o reverencial Minha Teimosia, Uma Arma Pra Te Conquistar, o melhor samba da história do mundo.
E tem o jeito de cantar macio que flutua sobre os arranjos. Canta quase como roqueiro em Os Alquimistas Estão Chegando, e como um justiceiro ameaçador em Zumbi, uma música tão visual que parece um filme do Tarantino. Não acredita? Dá uma olhada nesse vídeo que inventei de fazer...

Letras ótimas, clima alto astral, arranjos cheios de camadas e surpresas. Enfim, um disco para ouvir milhares de vezes, um disco da série ‘10 coisas para levar à ilha deserta’ e, sobretudo, da série ‘faça um favor a si mesmo’:

Deixe A Tábua... preparado para tocar (tem no Spotfy, Youtube, etc). Pegue algo bom para beber, uma soda italiana, um espumante ou sua cerveja favorita.

Envolva seus merecedores ouvidos com um fone de ouvido e peça para não ser interrompido. Deixe num volume bem generoso, que te permita ouvir as várias camadas. Agora solta o play. Boa viagem!





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