1)
Para
aprender uma lição edificante? Bobagem: você pode até ser tocado pelo filme,
pode até ter despertado algo em você. Mas isso só acontece como subproduto. Não
adianta você decidir que vai amar alguém. Isso não depende da sua vontade.
2)
Para
viajar, sonhar e outras variantes? Legal. Há filmes que realmente nos
proporcionam viagens, mas certamente há também aqueles que te deixam o tempo
todo de pé bem no chão e ainda assim você pode gostar do filme e ter valido à
pena a ida ao cinema.
3)
Para,
com sua inteligência acima da média, gosto refinado e conhecimento da sétima
arte, classificar o filme, atribuindo-lhe algum conceito? Sério? Sabe aquela
gente carrancuda que fala coisas como “ih, filme de adolescente... To fora”? Ou
aqueles que fazem cara de nojinho e disparam um “credo, comedinha romântica
hollywoodiana!”? Essa gente “culta” se apropriou da expressão “cult” para
classificar filmes “inteligentes”. Essa gente só gosta de filme sério, “com
conteúdo”. Santo Deus! Já viu que eles sempre torcem o nariz e dizem “Muito
clichê!”? Não podem saber que nada parecido já tenha sido feito antes que já
vêm com o indefectível “clichê demais”. Na verdade, querem dizer com isso que
sabem de tudo, que já leram muito, já estudaram muito... Muito mais que você,
inclusive.
4)
Para
relaxar e se divertir? Sério? Você respondeu isso? Bingo!!! Você sabe que relaxar,
no cinema, não significa pronunciar o “om”,
ter uma experiência em que seus sentidos repousam sonolentos e tudo fica muito
tranquilo. Relaxar no cinema significa obter um alvará da vida-lá-fora e firmar
um contrato com o filme: você concorda em deixar de fora seu rancor, largar de
ser chato, acreditar que aquilo está realmente acontecendo e ser apenas
observador. A contrapartida do contrato é que o filme se compromete a te levar,
através da qualidade da dupla arte/tecnologia, para dentro dele e te
surpreender.
Se você não está relaxado no cinema, o filme não vai te surpreender,
como você não será surpreendido se, mesmo relaxado, o filme não tiver qualidade.
Uma boa parte dos críticos de cinema está enquadrada no item
3 (pessoal que arrota sabedoria, para os quais um filme bom tem que ser chato),
como muita gente comum por aí também está nessa, dentre os quais formadores de
opinião, gente culta que vive torcendo o nariz para filmes românticos ou que seguem
o “formato hollywoodiano” (eles adoram “acusar” filmes dessa prática terrivelmente
criminosa) e idolatrando filmes com qualidade, sim, mas chatos, como “Um
Estranho no Lago”, por sinal um filme do caralho! Não foi gíria, o filme é literalmente
do... do membro, este que também tenho um e que prezo tanto, mas que procuro não
mostrar quando não devo ou não preciso.
Há, evidentemente, e creio que sejam a maior parte, críticos que
sabem diferenciar clichê bem colocado de clichê por falta total de
criatividade; um bom filme de adolescente de um filme de adolescente ruim; uma
comédia romântica sofrível das excepcionais, daquelas que cumprem plenamente a missão
de divertir, relaxar, e que ainda ousam se enveredar para te fazer viajar,
sonhar e até provocar mudanças.
Este é exatamente o caso de “A Vida Secreta de Walter Mitty”,
dirigido e estrelado por Bem Stiller, inimigo número um dos “cultos” e de “Questão
de Tempo”, que marca a volta de Richard Curtis, responsável pelas magníficas (cultinhos,
preparem-se) comédias românticas “Simplesmente Amor”, de 2003 e “Um Lugar
Chamado Nothing Hill”, de 1998. Ambos em cartaz nos cinemas.
Sobre Bem Stiller, estão dizendo que o filme mostra seu crescimento.
Sem dúvida, dá prá ver que melhorou, e muito, como ator (ótima transição sonho/realidade,
sem afetação) e como diretor, mas muitos só dizem isso porque “Walter Mitty” não
é uma “daquelas” comédias que ele fazia. Entenda-se: comédias de “puro
entretenimento”, outro “crime”. Crime que ele certamente cometerá de novo,
afinal, não dá para negar a qualidade do entretenimento das séries “Noite no
Museu” e “Entrando Numa Fria”, por exemplo.
“Walter Mitty”, evidentemente, é muito superior: uma deliciosa,
bem contada e bem filmada história sobre um cara (essa gente careta e covarde,
cantaria Cazuza), incapaz de viver uma aventura, de viajar, de se declarar para
uma mulher, mas que, literalmente, sonha acordado, sonhos lindos, agitados e
divertidos. Ótima trilha, tomadas bem cuidadas, locações fantásticas, bom gosto.
Um daqueles filmes que deixam a gente prá cima e que dá para se assistir várias
vezes, não para descobrir tramas ocultas nem para entender melhor, mas para
divertir-se mais e mais, com cenas encantadoras como a que Stiller imagina Kristen
Wiig cantando, para encorajá-lo, uma música do David Bowie.
Já “Questão de Tempo”, do atual rei da comédia romântica
inglesa (a melhor que há), não é, como os jornais estão estampando, uma comédia
romântica. Apesar do constante humor, nem comédia é. É um filme com a mesma
temática do “Walter Mitty”: viver a vida. Um jovem que não consegue namorar
descobre que tem uma herança genética dos homens da família: pode voltar ao
tempo. Um filme inteligente na sua engenharia para explicar as viagens no tempo
e seus reflexos, mas muito simples. Por exemplo, não há máquina do tempo: basta
ir para um lugar escuro, fechar bem as mãos e pensar onde e quando reviver sua
própria vida. Não dá para ir lá atrás e comer a Cleópatra, como explica seu pai
(o sempre charmoso e divertido Bill Nighy – o cantor do “Simplesmente Amor”).
Filme
daqueles em que sutilmente todos os personagens, até os mais extravagantes, vão
nos conquistando. Simples, romântico e sensível, “Questão de Tempo” só peca
quando, a dois minutos do final, resolve explicar com palavras o que todo mundo
já entendeu, aí sim, clichê dispensável, soando liçãozinha de vida de Paulo
Coelho. Só que nosso escritor que mais vende é sempre assim, chatérrimo. Quanto
ao filme, não será um minutinho que vai tirar a beleza e delicadeza do retorno
de Richard Curtiz.
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