sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

BOLEIROS - NOSSO CREPÚSCULO DOS DEUSES

"Boleiros, era uma vez o futebol", disponível no Now (para assinantes da Net) e no Netflix (quem não assina é a mulher do padre) é um desses filmes memoráveis, que a gente assiste flanando, sem querer saber quem matou quem ou se o fulano (e, por projeção, a gente) vai ficar ou não com a bonitinha inacessível.

Boleiros começa com uma música inebriante que acompanha a câmera passear por fotografias de antigos ídolos do futebol, penduradas na parede de um bar, numa abertura que dá o tom nostálgico e melancólico que nos acompanhará. Ugo Giorgetti, com extrema sensibilidade e simplicidade, nos leva de modo romântico, como um canoeiro de Veneza que parece nem fazer força para remar, pelas histórias que os jogadores famosos do passado contam na mesa daquele bar. As histórias desfilam pelo filme como partes de um chocolate suíço que derretem, uma a uma, em nossa boca.

A primeira história, interpretada por Otávio Augusto, mostra um jogo em que um juíz comprado está desesperado para fazer com que um timeco incompetente ganhe. A reconstituição é ótima e o juiz, e aqui vai um paradoxo, está impagável!.

De dar nó na garganta é a história do orgulhoso Paulinho Majestade, ex craque que foge da imprensa, mas, precisando de dinheiro, coloca anúncio no jornal vendendo troféus e medalhas, atraindo um jornalista esportivo, interpretado por Cassio Gabus Mendes, que a muito custo consegue uma entrevista. A história tem participação elegante do cantor Silvio Cesar, num toque meio Billy Wilder de misturar e confundir os ocasos de personagem e ator (Marilyn Monroe em "Quanto mais Quente Melhor" ou Glória Swanson em "O Crepúsculo dos Deuses").

Também tocante é o monólogo final de Flávio Migliaccio, um dos ex-craques no bar, em um dos melhores momentos de nosso cinema. Só vendo... e engolindo seco. Mas há momentos de comédia, como a história do técnico (Lima Duarte) que vigiava seus jogadores na concentração para que eles não fizessem noitada. Estava dando certo até que uma maria-chuteira (Marisa Orth) desse bola para o pegador do time. Ou a engraçadíssima história do craque azul, que satiriza programas de rádio e principalmente mesas redondas. O trio Adriano Stuart, Rogério Cardoso e Flávio Migliaccio, grandes atores, dois dos quais já se foram, leva as conversar no bar de modo leve e competente e nos coloca lá, como se estivéssemos na mesa ao lado.

Intercalando as histórias de lamentos nostálgicos dos ex-boleiros com suas piadas sobre sua condição atual, Boleiros não deixa dúvidas: o magnífico Boleiros, o nosso "Crepúsculo dos Deuses", não é um filme sobre futebol, mas um filme de alcance universal sobre nossa dificuldade em aceitar a passagem do tempo, em nos livrarmos de nossa fase de maior sucesso que ficou para trás, e isso vale para tudo e para todos, para mim, para tu e para o rabo do tatu.

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