Jep Gambardella é um dândi, quase um Oscar Wilde italiano: paixão por arte, beleza, festas e boemia. Quase: escritor de um livro só, publicado há 40 anos, e gosto por mulheres bonitas e,
mesmo aos 65 anos, elas também gostam dele. Homem rico e influente, respeitado
pela mais altas esferas da sociedade de Roma.
Cena de abertura: festa delirante, todo tipo de gente, vários deles personagens que estão sendo apresentados sem que saibamos. Depois de oito minutos
de festa, temos o prazer de conhecer o protagonista, Jep, que nos propõe sua
busca. A câmera se afasta e mostra a festa de longe. Nas nuvens a projeção “LA GRANDE BELLEZZA”. Essa abertura deixa claro: há algo muito especial
por aí. Veja (som alto, por favor):
Encantador e carismático, Jep questiona o
sentido da vida vazia em que todos fingem pompa para fugir da realidade do
fracasso de suas vidas. Festas, conversas com o grupo de amigos, coquetéis,
vernissages, museus e manifestações de arte contemporânea, e a pergunta irritante que ele não aguenta mais ouvir: “porque você nunca escreveu
outro livro?”.
Se Foubert não conseguiu escrever sobre o vazio, quem sou eu para ousar?
Filme contemplação, em que a arte é um dos personagens
principais. Ângulos e movimentos da câmera dão
prazerosos. Os mais receosos de "filme de arte"podem pensar “ih,
lá vem a chatice de filme cabeça cheio de cena criada com o único propósito de causar incômodo".
Nada disso. Tudo é feito para o prazer e deleite. Filme prá se ver saboreando, com a mente quieta, coração tranquilo e a espinha do jeito que achar mais confortável (espinha ereta e cinema parece que não se bicam).
Filme profundo e filosófico. Fiquem tranquilos
os cismados: os personagens são muito divertidos e os diálogos inteligentes, cheios de pérolas de ironia e cinismo deliciosamente misturados às reflexões
filosóficas. Amor e morte, vida e obra, luz e sombra.
Os dois caminham na madrugada
das ruas de Roma.
Ele
- E você, o que faz da vida?
Ela (Loira,
bonita, corpão) - ... Eu sou rica.
Ele
- Belíssimo trabalho!
Corta.
Cama, depois do sexo.
Ela
- Eu gosto de fotografar... Passo o dia todo me fotografando. Até nua... Adoro
colocar fotos no meu facebook... Quer ver as fotos?... Vou buscar.
Ele,
sozinho, suspira de tédio, vai à varanda. “Hoje, com 65 anos, a vida me deu
discernimento suficiente para saber que não posso perder tempo com coisas que
não quero fazer”.
Corta,
ele andando só, lenta e prazerosamente, pelas ruas de Roma, em meio aos majestosos
monumentos iluminados pela luz amarela que parece vir de décadas atrás.
O fato é que, depois de exaltar, no post anterior, os bons
filmes de entretenimento, gênero desvalorizado pela crítica, e de colocar em dúvida o modo como a crítica às vezes supervaloriza
filmes chatos chamando-os de “filmes de arte”, eis que me coloco diante do
extremamente bem avaliado novo filme do Italiano Paolo
Sorrentino (do ótimo “Este é o Meu Lugar”, com Sean Penn - já apareceu neste blog). O nome, “A Grande Beleza”, altamente pretensioso, gera enorme compromisso. Mas Sorrentino cumpre
o compromisso com folgas. Podia até chamar a beleza de Suprema, Gigantesca, Estratosférica, que estaria ok.
Transformador - As reflexões atingem o âmago da alma, talvez
porque não sejam impostas nem sejam didáticas. São colocadas a conta-gotas, com
imagens, músicas, diálogos, situações envolventes, personagens agradáveis. “A
Grande Beleza” é, sim, um filme de arte, mas não daqueles que fazem o gênero “Olha
como eu sou viajandão”, do Oliver Stone (nada contra - alguns são ótimos).
Gentes, turistas, artistas, arte, esculturas, praças,
fontes, Deus, igreja, girafa. Não há uma cena sequer que não reserve algo onírico
ou surpreendente. As músicas parecem entrar sempre no momento justo, no clima
certo, para acentuar a emoção ou preparar a próxima cena.
Vernissage
ao ar livre com a apresentação de uma artista de 10 anos, criança, portanto, que
quer brincar, mas é levada ao palco na marra pelo pai.Chorando compulsivamente,
ela joga tintas diretamente das latas na gigantesca tela, espalhando com as mãos.
Jep se afasta e encontra um homem que tem um estojo com as chaves de alguns dos
principais edifícios históricos de Roma. Uma espécie de guia que conduz Jep e
sua namorada a uma excursão na madrugada pelo interior dos castelos e suas
obras de arte. Ramona pergunta ao homem porque ele tem todas aquelas chaves. “Porque
sou uma pessoa de confiança”.
À medida em que Jep se aprofunda na sua busca pelo
sentido de sua própria vida, começam a emergir as inquietações espirituais e
religiosas, e com elas surgem os personagens da igreja, sobretudo a “santa”,
uma religiosa de 104 anos que fez voto de pobreza, não dá entrevista há mais de
40 anos, mas, bem impressionada com o livro de Jep, parece ter prometido uma
entrevista a ele. Não há cinismo que resista a um mergulho profundo. Memoráveis
as cenas finais, como a dos pelicanos no terraço e a subida da religiosa na
escadaria de uma igreja.
Outro segredo do filme, um dos melhores
deste milênio, é o ator Toni Servillo, que interpreta Jep
Gambardella. É magnífica a forma como ele, com olhar e expressão, ora com sinismo, ora com emoçao, com sua voz
aconchegante e próxima, interpreta as imagens que vê e as situações por que
passa. Sua viagem ao centro do seu vazio, sua busca pelas respostas, seus risos
e seus choros são tão mágicos que, quando menos percebemos, fomos nós que
viajamos, nós que buscamos. Tudo muito simples. “No fundo, é só um truque”.
Resistir ao que você leu acima e não se lembrar de nada daqui a cinco minutos é fácil, mas se você der uma olhada no trailer, duvido que você não vá correndo ao cinema: