quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

ENTÃO É NATAL


Prá quem não me conhece sou Humberto Laraia, filho de escuridão e da rutilância, muito mais da escuridão que da rutilância, confesso. Escrevo aqui de vez em quando, quando tenho vontade, o que é raro. Fiquei sem escrever por mais de 20 anos, trancado dentro de um espelho. Se quiser saber mais, leia desde a parte um. Mas você não vai gostar, então não perca o seu tempo, embora seu tempo valha tanto quanto o que eu escrevo: rigorosamente nada.


Porque escrevo, então? Pela mesma razão que você vive; prá encher o saco dos outros. Estorvo que somos, vamos à crônica do dia, ou da noite, já que são 21h49 de uma noite insuportavelmente quente. Enquanto penso no que escrever, o suor me escorre pelas costas, provocando uma moderada irritação com os desígnios da humanidade, condenada a sofrer.


Confesso que na verdade sei o que vou escrever: sobre o natal, a época de comunhão, de harmonia e de uma chateação sem fim. Hoje vi, na livraria, uma mulher com uma irritante expressão de pessoa boa, como se alguma pessoa no mundo pudesse pleitear a si mesmo a insígnia de pessoa boa. Ela disse feliz natal, viu querida à caixa que a atendia. Tal expressão de hipocrisia me levou ao riso. Ri prá não chorar, como já o fizera Candeia e, depois, Cartola, sabedores que eram de que a vida é dor. Na verdade, ri porque rir era a única expressão possível, já que eu jamais choraria por ninguém, nem pela humanidade, que de mim não merece outra coisa senão o desdém e o escárnio.


Outra reação possível e bastante mais ajustada ao horrendo e gelatinoso sorriso magnânimo da mulher seria uma feição de poucos amigos ou uma expressão de desdém, mas tais expressões não demonstrariam nenhuma mudança em minha habitual expressão, já que carrego o desdém e a solidão, dentro e fora de mim.


Por isso, ri. Ri de escárnio, talvez de ódio. Mas, incapaz de ler e interpretar corretamente a fisionomia alheia, ao meu riso de escárnio a atenta, embora burra, senhora respondeu com um sorriso maior ainda, de maior benevolência e com um indefectível “feliz natal para o senhor”. Senhor é o cacete, respondi de pronto, em voz alta e olhando bem fixo em seus olhos. Pena que foi apenas na minha imaginação. A voz não saiu. Os mais de 20 anos dentro do espelho me tiraram a voz. Tenho que me concentrar muito para proferir alguma palavra inteligível (“entendível”, se fica mais simples para você).


Voltando à Sra. Hipocrisia, pergunto-me como é que uma pessoa que nunca me viu, que não imagina a vida que eu levo, que não sabe se roubei, estuprei, matei ou o diabo, que nunca mais vai olhar na minha cara, felizmente para os dois, como é que essa pessoa pode me desejar feliz natal? O que significa isso para ela? Que eu compre bastantes coisas e presenteie todo mundo que encontrar? Que na noite do dia 24 eu coma mais do que eu posso e que carregue no colo um parentezinho ranhento e cagão que nunca vi na vida? Que eu tome um porre homérico, vomite tudo e arrote o resto da noite, tudo isso junto com meus familiares queridos?


Ou será que a megera, quando deseja feliz natal a este sujeito que ela nunca viu na vida, quer dizer simplesmente que eu eleve meu coração ao alto e que pense em cristo crucificado que deu a vida por nós? Quem é ela para pensar que eu acredito nisso?


Quando estava dentro do e espelho, sentia uma enorme vontade de sair e esmurrar todo e qualquer mortal que tivesse um sorriso na boca e emitisse dela coisas como feliz natal ou fraternidade. Mas pensando bem, antes de entrar no espelho eu também sentia a mesma vontade. Agora, depois de sair, idem.


O que leva as pessoas a dizerem que querem bem às outras quando todos nós queremos mais é que os outros, principalmente os desconhecidos, se explodam? Os outros são um estorvo para nós. Precisamos que os outros se ferrem, que levem uma vida toda fodida (a merda do Word sublinhou em vermelho esta palavra, vê se pode!) para podermos, comparados a eles, ser um sucesso. Por isso é que no natal agradecemos a deus, que certamente nos ajudou, ferrando todos os outros para que fiquemos em destaque, portanto, felizes. A sorte é que tristeza não tem fim, felicidade sim.


Ainda de dentro do espelho, vi um filme ótimo, em que um alcoólatra que detesta natal e crianças, se veste de papai noel para roubar o shopping. Muito apropriado. “Papai Noel às Avessas” é o nome do filme.

Estamos em pleno dia 22 de dezembro. O que será que o bom velhinho pôs no meu saco de presente neste natal? A única coisa que posso sentir no meu saco neste momento é uma imensa coceira e um monte de esperma desesperado por um bom motivo para sair dali.


Bom, quem está fora do espelho é prá se molhar: feliz natal prá todos (figas).

Um comentário:

Anônimo disse...

feliz ano novo!

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