Há exatos 30 anos, em 13 de
dezembro de 1981, o Flamengo ganhava do Liverpool, em Tókio, e se sagrava
Campeão Mundial de Futebol. “Ih, futebol de novo”, pensa o leitor que visita
este humilde blógui por causa dos geniais pôstis sobre cinema, música, arte enfim.
Pois volte a sorrir, decepcionado leitor. Saiba que este pôsti é, sim senhor,
sobre arte (em mais de um sentido), e sobre máquinas do tempo, e sobre armações amorosas.
Porque arte? Num meio em que a
principal atividade é o preparo físico, que visa enrijecer e não flexibilizar; num
esporte em que o intelecto não é exatamente muito presente; num jogo em que o
ignorante e anti-estético chutão pra cima é aplaudido pela torcida e recebe
urros de apoio dos companheiros; quando, enfim, surge neste meio, e dentro de
um mesmo time, jogadores extremamente habilidosos e inteligentes, jogadores que
não dão chutão, que tabelam com toques refinados, e que surpreendem os
adversários e a platéia com movimentos e dribles desconcertantes, que
transformam um jogo viril em um verdadeiro balé estético, aí não estamos
falando apenas de futebol, mas, e principalmente, de arte.
Isso me lembra aquela música do
Paralamas: tendo a lua aquela gravidade em que o homem flutua, merecia a visita
não de militares, mas de bailarinos, e de você e eu.
Voltando ao time de artistas, pouco
mais de um ano antes, estreava Nunes, o centroavante que seria decisivo nos
gols dos títulos brasileiros e mundial. Nunes estrearia no Maracanã, contra um
time que àquela época era muito respeitado, porque tinha alguns jogadores da
seleção brasileira e ainda, em final de carreira, um dos maiores artistas que o
futebol já conheceu: Dicá. Que time era esse? Óbvio, a gloriosa Ponte Preta. A
estréia de Nunes no Flamengo era muito aguardada. O centroavante, mesmo jogando
fora dos grandes centros do futebol (Santa Cruz, do Recife), era quase um ídolo
nacional, participando inclusive da seleção brasileira e só não foi à copa de
78 devido a uma contusão. Passou pelo Fluminense e chegou ao Flamengo onde
estrearia naquele domingo, 30 de março de 1980.
Entre os presentes na torcida da
Ponte, que rumava de ônibus ao Rio, estavam o futuro ilustre autor deste blógui
e sua santa mãezinha. Sim, fomos com a Torcida Jovem da Ponte Preta, prova de
que naquele tempo torcida organizada era algo bom, familiar mesmo. Até namorei
uma menina da torcida, linda. E deus, ops, Deus sabe que eu jamais namoraria
uma menina que não fosse de família. Aliás, o namoro começou naquele dia. Fui e
voltei ao lado da Raquel. Não ao ficar vendo paisagem o tempo todo, né?
Ao chegar perto do Maracanã,
apreensão: como desceríamos do ônibus, a maioria com camisa da Ponte
(semelhante à do Vasco), bem no meio daquela multidão? Pois a surpresa começou
ali. Assim que o ônibus desce, dezenas de integrantes de uma torcida organizada
nos receberam com batucada. Pegaram nossas bandeiras e as tremularam.
Conduziram nossa torcida para dentro do maior estádio do mundo, então já quase
cheio. Fizeram o maior caminho. Passamos por quase toda a arquibancada até que
nos deixaram no lugar reservado aos visitantes, falaram para ficarmos à vontade
e foram embora aos seus lugares. Lá vimos o Maracanã lotado vibrar com um
golaço de Nunes logo na estréia, e com Zico, que além de fazer um gol, fez uma
das jogadas mais lindas que eu vi no futebol, pena que é impossível de
descrever. Bom, o Flamengo jogou muito e animou demais a sua torcida. Parece
que ela sabia que o time seria campeão brasileiro pela primeira vez naquele
ano. O resultado? Empate! A Ponte era, realmente, um grande time e também jogou
muito. Ao final do jogo, os flamenguistas vieram nos pegar e conduziram até o
ônibus. Só um time de artistas poderia inspirar uma torcida a fazer aquilo. Quem quiser, aí estão os gols daquele jogo:
Pois bem, naquele 1980 o Flamengo
foi campeão brasileiro (jogou uma segunda vez com a Ponte no mesmo campeonato e
outro empate, de 1 a
1, em Campinas – este assisti com meu irmão. Nunes, de novo, marcou pelo
Flamengo e Humberto para a Ponte).
No ano seguinte, o Flamengo foi
campeão carioca, brasileiro, da Libertadores e Mundial, em 13 de dezembro, num
jogo contra o campeão europeu, o poderoso Liverpool. Nessa final, o Flamengo
passou o jogo inteiro, inteirinho, todinho, sem dar um único chutão. Só toques,
dribles, tabelas, passes. Foi um dos maiores show já vistos. O outro time
parecia amador. Já no primeiro tempo o Flamengo liquidou, com 3 a 0, dois gols de Nunes, um
de Adílio e um show de Zico, de cujos pés saíram os 3 gols. Zico ganhou o
prêmio de melhor da partida, um carro da Toyota, de modelo muito parecido com o
De Lorean, do De Volta Para o Futuro. Veja os gols do jogo, com narração do
novato Galvão Bueno.
Hoje Zico ainda tem o carro na sua
garagem e quando entra nele, revive aquele ano, aquela decisão, aquela época em
que convivia só com craques, com jogadores excepcionais. O carro do Zico é uma
máquina do tempo que o leva, exatamente como o De Lorean, 30 anos atrás.
“Talqualmente” o De-Lorean e o
Toyota do Zico, este pôsti me transporta 30 anos ao passado, um pouco mais, 31,
àquele inesquecível domingo passado no meio de uma torcida, vendo um time inesquecível,
ao lado de minha inesquecível e inspiradora santa mãezinha, amiga de todos, dos
fracos e oprimidos às distintas senhoras. Dona Lourdes acolhia igualmente putas,
bichas (não se usavam expressões como “gays” ou “homossexuais”), carolas e
distintas senhoras. Era amiga de jovens também, como a Raquel, aquela que
comecei a namorar no dia do jogo. Raquel tinha um lindo sorriso, era gostosinha
e havia tempos gostava um bocado de mim, vivia me dando bola. Raquel sempre
falava com minha mãe...
Ei... Será que aquilo foi arte da minha mãe?... Nunca havia pensado
nisso: teria aquele convite para ir ao jogo no Rio sido uma armação da minha mãe? É claro que foi... Que safada!!!
Vou procurar a Raquel e, se achar, vou tirar essa
história a limpo.