domingo, 11 de dezembro de 2011

A SOLIDÃO E A VACA QUE CAIU DO CÉU

O Fábio me ensinou que o diabo é esperto não por ser diabo, mas por ser velho. Estão certos o Fábio, o diabo e a milenar civilização chinesa. A experiência, que não se adquire sem o tempo, sem o correr dos anos, nos ensina o que é melhor para nós. Funciona como atalhos. Com o tempo tornamo-nos mais seletivos e sem vontade de fazer coisas que, de antemão, e por vivência, sabemos que não nos agrada. Não, não vou naquele bar para ouvir salsa e ver aquela gente dançando. Não me agradam a música e a dança. Não gosto de ver tanta gente sorrindo ao mesmo tempo. Bar de salsa é como o facebook: todos estão “felizes”. Sim, entre aspas, é claro: toda felicidade é entre aspas, especialmente aquela unânime. A felicidade é uma chatice.
A vida eremita tem vantagens incontestáveis. As coisas são como nós, e mais ninguém, queremos que sejam. E quando nos cansamos da solidão, basta sair da porta e procurar algum amigo, um daqueles que nunca desistem de você, por mais razões que tenham para isso.
Além dessas vantagens, as mulheres, ao menos as mais interessantes, enxergam certo ar enigmático nos homens solitários, um charme que as intriga. O solitário não é de qualquer uma, é mais difícil, e nisso reside um encanto. Mulheres interessantes percebem nesses seres obscuros um olhar de mistério e dor. Mulheres adoram curar a dor de um homem.
Mas nem tudo são flores na vida dos eremitas maduros.  O que parece significar uma escolha pode se tornar fuga. O que parece ser uma opção de vida pode esconder uma incapacidade. Hábitos supostamente saudáveis podem ser manias. O charmoso sábio pode ser nada mais do que um chato, um ranzinza, como Clint Eastwood em Gran Torino.
Antes que minha preocupada irmã me ligue, preocupada, de Los Angeles, Miami, Vegas ou seja lá onde esteja, para saber se estou bem, aviso: este não sou eu. Falo de Roberto, interpretado por Ricardo Darin, em “Um Conto Chinês”, que finalmente chegou a Brasília. Roberto está mais, muito mais, para o ranzinza do que para o charmoso. Solitário e dono de uma loja de ferragens, ele conta os parafusos de uma caixa de quinhentos, para ver se não foi enganado. E se, depois da terceira contagem, para ter certeza, percebe que há seis parafusos a menos, surta, liga para o fornecedor, perde a paciência. Paciência que também não tem com clientes ou com amigos.
O que fazer para sair dessa vida? Não leitor, ele não quer sair dessa vida. Metódico, não dorme nem antes nem depois das 23:00h em ponto. Mas o leitor esperto e inteligente (é claro, ou não estaria lendo este semi-humilde blógui) sabe que algo vai acontecer para mudar essa situação, afinal, estou falando de um filme. Mas o que poderia romper com esse padrão de vida que nos coloca como um manequim imóvel dentro de uma vitrine? (calma irmãzinha, estou falando do cara do filme, só dele) O que é preciso? Uma paixão avassaladora? Pouco provável, as mulheres são tão iguais, tão dominadoras, tão desejosas de ir a um bar de salsa... Então o que pode acontecer? Uma vaca cair do céu bem em cima da sua casa?
É mais ou menos isso o que acontece com Roberto (Ricardo Darin) em “Um Conto Chinês”, uma comédia, sim é esta a classificação oficial do filme. É uma boa classificação, afinal, tem o modelo meio que padrão de comédias: uma pessoa solitária e metódica, que não gosta de pessoas, especialmente de estranhos, se vê forçada a receber um chinês (outra cultura, outros modos) que não fala uma única palavra em espanhol. Ter um modelo padrão não significa dizer que não seja original.
É uma comédia, ainda que as piadas sejam extremamente delicadas e sutis em comparação com as comédias mais tradicionais. Tudo bem, é uma comédia, mas carregada de melancolia e de estranheza. É uma comédia daquelas que faz chorar (prepare-se, Fer), mas não de tanto rir.
Mas tenha certeza: nem o riso nem o choro virão de interpretações histriônicas de comédia ou de drama, mas da humanidade que o filme transmite. Darin, que se supera a cada filme, está magnífico, perfeitamente humano e convincente, como na comovente cena em que sua opção eremita é confrontada pela mulher que está interessada nele: ele parece explodir de desejo e angústia por dentro, embora sustentando a opção da solidão por fora.
A direção de Sebastián Borensztein é sutil e criativa. Ainda que baseado em modelo clássico de comédia, ainda que encontre fortes ecos do cinema de Jeunet (Amelie Poulain), ou em Gran Torino (o ranzinza em confronto com orientais), a mistura de tudo é original, sensível e criativa. A ambientação e as interpretações nos colocam lá dentro da casa de Roberto, tão eremita quanto ele, tão carente quanto ele.
Para acabar o pôsti, a cena inicial é uma pérola: num barco, um casal de chineses. Ele a pede em casamento e quando ela, feliz, aceita, uma vaca cai, do céu, sobre ela. Corte para a fachada de uma loja filmada de “cabeça” para baixo, afinal, ela está do outro lado do mundo: Buenos Aires. A câmera se vira, deixando a loja em pé, e lentamente invade a loja de ferragens onde está Roberto, contando parafusos.
O que pode nos fazer sair de um estado de espírito, de um padrão de vida e ir para outro? Uma vaca cair do céu? Sei lá! Mas que hoje eu volto ao cinema para rever Um Conto Chinês, ah, isso eu vou fazer.

3 comentários:

Dassanta disse...

Estava eu lendo o título do pôsti e pensando, será a mesma vaca que estamos falando? Coincidência ou não, este é um dos inleitos a ser reapresentado no próximo sábado aqui no Ricife. Vou deixar o link só pra apressar tua visita http://migre.me/77V7e

Tiago do Valle disse...

Acho que você se referiu ao Roberto, e a você também!!!!! (Só pra instigar a criativa cabeça da irmã que tanto te ama a te ligar preocupada huahuahuahua). Valeu a recomendação, Uncle Môa! Você é fera como escritor porque sempre foi um artista!

Tiago do Valle disse...

Pois bem, assisti Um Conto Chinês. AMEI, claro. Valeu pela dica tio Môa!!!!!!

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