Por que eu gosto tanto de cinema?
Difícil responder. Nem sei direito
o que é cinema! O que é o cinema, afinal? Qual é a essência do cinema?
Feixes de luz projetados numa tela
retratando o movimento, como uma fotografia que se move?
Ou seria o cinema a arte de
utilizar os feixes luminosos para contar, com imaginação e fantasia, uma
história que nos transporte a um mundo que não é necessariamente o nosso?
A resposta é a que você escolher,
autônomo leitor deste famoso e democrático blógui. Se escolher a primeira,
bastará que seja filmada, com uma câmera fixa, a saída de empregados de uma
fábrica ou um trem chegando na estação para termos ali um produto de cinema.
Caso, no entanto, você seja um
leitor do tipo sonhador, não conseguirá aceitar a primeira definição e ficará
com a segunda, definição que leva o cinema à possibilidade de retratar uma lua
com nariz, boca e dois olhos, um dos quais é atingido por um foguete lançado da
Terra, ou uma descida ao mundo submarino com uma amistosa recepção de Netuno.
Os irmãos Lumiere foram os
inventores do cinematógrafo, máquina que projetava o movimento e pais do
cinema, segundo a primeira definição. Já de acordo com a segunda definição, Georges
Meliet concebeu o cinema, ao usar a invenção dos irmãos Lumière para transmitir
fantasia e nos fazer viajar para qualquer lugar de qualquer mundo.
E o filme “A invenção de Hugo
Cabret”, onde entra nisso? Calma, leitor apressadinho.
Em primeiro lugar, o nome
brasileiro do filme se deve ao título do livro de Brian Selznik (parente de
David O. Selznick, produtor de filmes dos anos 30 e 40, fundador da RKO), no
qual o filme se baseia.
Hugo é um órfão que vive escondido
entre as paredes e atrás dos relógios de uma estação de trem na Paris do início
do século passado. Seu pai achou o autômato, um robot cheio de engrenagens, mas
que não funciona. Junto com a máquina, um caderno com instruções de montagem.
Só que não teve tempo de fazê-lo funcionar, morreu queimado, como morreram
queimados muitos dos filmes de Meliès.
A sorte da humanidade é que nada,
nem a presença de Leonardo Di Caprio nos filmes do diretor dos últimos 10 anos,
queimou o talento e o amor de Scorcese pelo cinema. Nada contra os filmes com
Di Caprio, pelo contrário, são bons filmes, sendo que “A Ilha do Medo” é muito
mais do que bom. Mas em Hugo parece que Scorcese se jogou mais na fantasia,
certamente influenciado pelo sonhador Meliès, que recebe uma homenagem à altura
de sua importância para o cinema.
Voltamos a Hugo, o órfão que vive
de pequenos furtos na estação e faz os relógios funcionarem, sem que ninguém
saiba de sua existência. Uma das razões de manter-se escondido é que caçar
órfãos é a principal ocupação do Inspetor da estação, interpretado de modo
espetacular por Sacha Baron Cohen, dos politicamente incorretos e
mega-engraçados Borat e Bruno. A cada aparição do o Inspetor, Sacha dá um show,
sem piada fácil, sem pirotecnia, sem palhaçada: só sutileza. Muito mais para
Peter Sellers do que para Jim Carey. Agora, escrevendo a respeito, me lembro de
Adrien Brody como Dalí no “Meia Noite em Paris”. Sorte que aparece várias
vezes. A propósito, não vejo a hora de vê-lo como Fred Mercury no cinema!
Voltando a “Hugo”, como contar uma boa
história de ficção, homenageando, de modo geral, o cinema e os primeiros
cineastas e, de modo específico, Georges Meliès? Só com fantasia. Como a
importância de Meliès está muito ligada aos efeitos e fantasias visuais,
Scorcese sabia que uma bela homenagem não estaria completa apenas com uma boa
história, por melhor que fosse contada. O visual também teria que ser
fantástico, como fantástico foi, na época, o visual dos filmes de Meliès.
Eis que, mais do que em qualquer
filme que já vi, o 3D é fundamental. E mais: ainda não tinha visto um 3D tão
bem explorado, tão na medida certa. A cor, o 3 D e a ambientação do filme nos
colocam não mais diante de um filme, mas dentro, muito dentro, da lindíssima estação
de trem naquela Paris antiga, dentro das paredes, dos relógios, das
engrenagens.
Com uma história fantástica, no
melhor sentido da palavra, a impressionante beleza das imagens, com a
caracterização dos personagens, com ótimas interpretações, destaque para o
emocionante Ben Kingsley, e até com o deslumbrante sorriso da amiga de Hugo, Scorcese,
com comovente devoção ao cinema, recria a magia de Meliès e faz um dos filmes
mais suspirantes que o talvez exagerado e certamente romântico autor deste
blógui já viu.
Enfim, respondo à pergunta inicial:
gosto de cinema por causa de filmes como Hugo.
Uma beleza imensa te aguarda na
sala de cinema!]
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