Sempre gostei de igrejas. Não há cidade que visito
que não acabe entrando numa igreja, principalmente se for antiga. Gosto
daquele lugar enorme, quase sem ninguém, e daquele silêncio, ideal para
contemplar a beleza da arquitetura e da decoração. Adoro aqueles painéis em que
o Jim Caviesel aparece carregando uma cruz. Transmitem sofrimento e paz ao
mesmo tempo. Sofrimento pela dor por que passou, mas paz pelo triunfo que teve através dos
tempos, afinal, os painéis retratam o que supostamente aconteceu há mais de dois mil anos.
Um parêntese: perdoem-me os religiosos fervorosos pela expressão
“supostamente”. Aderi à moda. Tudo agora é
suposto. “O suposto assassino da suposta vítima, supostamente teria sido o
responsável pelo suposta morte”. Exagero? Ontem ouvi
na CBN: “o suposto suspeito...” Que beleza! O cara está sendo
investigado, o delegado disse que é grande a possibilidade de ser ele mesmo o
assassino; o cara é suspeitíssimo, e o jornalista vem me dizer que é um suposto
suspeito? Suposto assassino, vá lá, mas suposto suspeito... coisas da CBN local
e de seus fraquíssimos jornalistas.
Voltando às igrejas, houve um tempo em que eu e minha terceira
gestora (adoro expressões do mundo corporativo, fazem-me
sentir que o Max Gehringer é meu amigo) costumávamos entrar numa igrejinha de uma
travessa da Felipe Schimidt, em Floripa, só para ficar sentado lá. Eu ficava
quieto, relaxando naquela paz encrustada no meio da balbúrdia do centro da
cidade. Ela talvez orasse. Orar parece dar certo: depois que nos separamos, ela
encontrou a felicidade, o que aconteceu por mera coincidência e não por relação de
causa-efeito... creio.
Os que me conhecem ao vivo e a cores (embora eu ande meio
pálido), bem como os que me conhecem apenas de fuçar neste prestigiado blógui, devem estar
se perguntando por que estarei eu falando de religião, ainda que saibam que
estamos entrando na semana santa. Pois, em verdade vos digo, não há assunto
mais apropriado para o momento: depois de uma profundíssima alteração em minha
vida, que me tirou a atenção da criação literária e que me fez focar (oi Max, tudo bem?) na nobre tarefa e
no prazer de ser pai, período este em que parecia que o blógui havia morrido,
eis que estou aqui, ressurgido, ressuscitado! Sim, caros leitores: em plena semana consagrada à paixão e à ressurreição, O Cobra Parada está de volta!
E a semana começou barulhenta: depois de dormir prá lá das 4
horas de uma abafada madrugada, eis que, exatamente às oito da manhã, sou
acordado por um milhão de decibéis nos meus ouvidos. Era a oração que ele, ops,
Ele, nos ensinou, aquela que na missa a gente deve rezar de mãos dadas, ou com
as mãos voltadas para cima, não sei ao certo. O fato é que o pai, ops, o Pai
Nosso me deu um susto gigantesco. Levantei desorientado, sem saber de onde
vinha aquele som altíssimo. Por um átimo, pensei ter morrido e estar ouvindo as trombetas celestes. Mas estava em meu quarto. Fui à janela. Era uma procissão que passava na rua. Algumas
centenas de pessoas atrás de um carro de som. Sim, gente, CARRO DE SOM!!! Trio
Elétrico do Senhor! Já não chega os baianos cantando axé? Já não basta os
sindicalistas gritando palavras de ordem intercaladas com músicas da
Mercedes Sosa e Milho aos Pombos, do Zé Geraldo? Já sei: como os sindicalistas agora
estão dirigindo o país, devem ter alugado os carros de som para outros fanáticos.
O fato é que me lembrei, cheio de nostalgia, das procissões noturnas que passavam em frente da minha casa, numa de minhas vidas passadas (aqui a
conotação não é espírita: penso na minha infância e nos casamentos que tive
como várias vidas diferentes que tive, já que eu era uma pessoa diferente em
cada uma delas). Nas procissões da minha vida de criança, que realmente mexiam comigo e me davam, por instantes, vontade de me espiritualizar, as pessoas seguravam velas e estandartes, entoavam
cânticos sem microfones nem trio-elétrico. Só as vozes dos seguidores da
procissão, e baixinho, em respeitoso volume: nada de gritos ou cantos gospel com
prolongados gritos à Whitney Houston, que deus, ops, Deus a tenha. Era muito
gostoso ouvir aquilo (não a Whitney Houston, mas as procissões).
Mas estamos na era do espetáculo e do exagero. Daniel, um
amigo, fica puto quando vai a um show em que o músico toca para si mesmo, e não para
a platéia, como ocorreu no do Hélio Delmiro na última sexta. Pois em procissão
deveria ser exatamente assim: as pessoas deveriam rezar para si e não para
acordar quem está dormindo. Mas o que esperar deste mundo do espetáculo, em que
existe até Drive Thru de oração (sempre passo em frente a esse aí, da foto –
qualquer dia vou parar, prá ver qual é), senão uma luta com todas as armas
pelos fiéis?
Lembrei-me também daquela do bêbado que, do bar da esquina,
observa a procissão que vem com o altar ornado em verde e rosa. Ele grita “olha
a mangueira aí, gente”. O Padre solta impropérios contra o bêbado, enquanto a
santa bate no galho da mangueira e se espatifa no chão. (não sei por que, mas
imaginei o meu praticamente amigo Max Gehringer lendo essa piada com seu jeito de falar de professor
de biologia do primeiro grau, e explicando depois a moral da história – é incrível, mas ele ganha
dinheiro assim).
O fato é que estamos em plena semana santa, semana da
ressurreição de Cristo e deste blógui, semana em que assistiremos pela enésima
vez todos aqueles filmes sobre a vida de Jesus. Impressionante como gostamos (eu, pelo menos, adoro) de ver
esses filmes, mesmo sabendo que o herói morre no final. Ontem comprei A Paixão
de Cristo, do Mel Gibson (12 reais no Wall Mart), que só vi uma vez, quando foi lançado, mas que me impressionou muito. É um baita filme, embora difícil de assistir pela imensa
violência que, a meu ver e ao ver do galã australiano, deve ter acontecido mesmo. Falando em realidade, os personagens falam a língua que se falava na época, o hebraico. De
qualquer forma, a história de Jesus é uma bela história, que acalenta gerações
e gerações por milênios, e agora, mais recentemente, acalenta também o bolso
dos donos de igrejas lucrativas, comerciantes e fabricantes de chocolate. Que
venha a semana santa, que por sinal culmina com o feriadão da Páscoa, que
aguardo com ansiedade. Páscoa é transformação!
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