Há dias em que desacredito brutalmente da humanidade. Nos demais dias desacredito menos. Não pense o leitor que não conhece este autor, que sou do tipo pessimista. Nada disso, muito pelo contrário. Sou até bastante otimista, tanto que acredito até em mim mesmo! O problema é que é difícil deixar de ser realista. Os sinais de que a humanidade não tem mais jeito são numerosos demais.
Quer ver? A gente liga a televisão e um cara pergunta prá gente porque o Gino Passione está feliz! A resposta é: “porque você está feliz”. Quem disse que eu estou feliz? Quem autoriza o cara a supor que eu saiba quem é o Gino Passione? Quem quer saber de um estúpido ursinho e que fica feliz porque eu fiz a revisão do meu carro naquela porcaria de concessionária? E mais: quem o autoriza a colocar aquela música ridícula que me inferniza desde que eu tinha iuns 6 anos? As pessoas fingem que gostam da música só porque é legalzinho gostar de música africana. Legal é gostar de música boa, seja africana, paquistanesa, inglesa, ou de que país for, exceto, vamos combinar, música japonesa (pedirei a Buda para que os fãs de música japonesa indignados não saiam por aí queimando embaixadas brasileiras). Sabe qual é a música que toca na propaganda? Aquela que diz assim:
“Sat wuguga
sat ju benga
sat si pata pata”.
E o refrão, com a bestinha família do tal do Gino dançando de mãos dadas?
“Hi ha mama, hi-a-ma
sat si pata pata”.
As TVs deviam ter aquele recurso dos e-mails: na hora que vai passar propaganda indesejada, a TV impediria e a gente escolheria o que colocar no lugar. Ah, me poupe... Gino Passione!Falando em ursinho, está passando um filme nos cinemas, Ted, sobre um menino que ganhou um ursinho e na noite de Natal o ursinho ganhou vida e virou celebridade. O tempo passou e os dois são trintões. O ursinho ainda fala, mas também anda, pensa, bebe, fuma maconha e pega a mulherada (pega porque é famoso, é claro). Li críticas negativas, mas esses dias, estimulado pela efusiva recomendação do Márcio Guedes, da ESPN (último reduto do jornalismo esportivo inteligente), fui ver e gostei muito, bem mais do que pensava que gostaria. Diversão garantida, a não ser que você seja um daqueles moralistas que se revoltam, saem do cinema e vão incendiar estúdios de cinema.
Mas, por falar em jornalismo esportivo e incêndios, voltemos às besteiras televisivas: hoje o estádio do Manchester United sofreu um incêndio, ateado por um jogador, por sinal, japonês. Ao menos foi o que o narrador disse: “Kagawa entrou e literalmente incendiou a partida”. Outra tragédia, pouco comentada, foi a morte do corredor Lewis Hamilton, decapitado após realizar uma manobra perigosa. Ao menos foi o que o Galvão Bueno disse: “Lewis Hamilton literalmente perdeu a cabeça”. Você, leitor não idiota, já percebeu que ninguém mais diz nada sem colocar o tal “literalmente” para reforçar? E em 99% dos casos, erradamente.
Em alguns casos não altera o sentido, como em “eu estou literalmente escrevendo este texto”. É idiota mas não altera muito. Mas na imensa maioria dos casos altera o sentido, mata pilotos e incendeia estádios. Outro dia ouvi que o excesso de notícias sobre o Ganso estaria "literalmente" afogando o jogador. Imaginei o jogador sob uma piscina cheia de jornais.
Alguém precisa avisar essa gente que deve-se usar o “literalmente” quando se quer diferenciar uma metáfora de uma situação concreta. “Estar literalmente de pernas para o ar” significa estar com as pernas erguidas e não vagabundeando. Será que teremos que “estar fazendo” uma campanha contra o “literalmente” como foi feita contra aquela imbecilidade do gerundismo, que felizmente ficou restrita aos call-centers? Tudo bem que um idiota qualquer use “literalmente” para tudo, mas um jornalista, mesmo idiota, não poderia falar tanta asneira, com o perdão dos asnos, que não têm nada a ver com isso.
Pena que a inteligência esteja (não "literalmente") sendo engolida pela idiotice. Na história do desenvolvimento humano, quanto maior foi o uso da linguagem, maior foi o crescimento do homem. É um moto-contínuo: quanto mais o homem se desenvolve, mais desenvolve a linguagem, e quanto mais a linguagem se desenvolve, mais o homem evolui. As pessoas mais bem sucedidas são aquelas que mais e melhor sabem usar a linguagem. Mas hoje a língua está como os Pandas, em extinção. Cada vez mais simplificada (para que as pessoas não tenham o trabalho de pensar no que dizer), ela diz cada vez menos.
Pode alguém dizer que sempre foi assim, que a inteligência sempre foi rara, mas que o mundo sempre foi salvo pela ação das grandes inteligências, dos grandes cientistas, dos grandes líderes mundiais e, finalmente, dos grandes jornalistas em seu papel de esclarecer e formar, com sua visão crítica e independência, a opinião pública.
Infelizmente, no entanto, os grandes líderes mundiais hoje são mais raros que os Pandas (se é que os Pandas, de fato, algum dia existiram – desconfio que tenham sido inventados e que os que aparecem no Discovery sejam robôs de pelúcia), os cientistas dependem dos grandes líderes (em extinção), ou dos políticos, que tem mais o que fazer para ficarem se preocupando em liberar verbas para pesquisa. Restam os grandes jornalistas, que, ou estão em falta, ou com o rabo preso (financiados, não têm a necessária independência). Já dei, acima, exemplo de como o jornalismo anda mal. Esse vídeo aí embaixo é feito por novas jornalistas, recém-formadas... Não precisa ir até o fim, ele não melhora. Mas ver um pouquinho é bom para ter noção do perigo que o jornalismo corre no futuro.
Por falar em jornalismo, e para que você não se suicide depois de sair deste quase sempre otimista blógui, vou te dizer que há uma série na HBO (amanhã será o nono episódio), sobre jornalismo. The Newsrom fala sobre o dilema ético entre a necessidade de audiência e o dever de informar com independência o que deve ser informado para desenvolver a sociedade. Fala de trabalho em equipe. E fala de mais um monte de coisas subjacentes, com atores de primeiríssima, comandados pelos espetaculares Jeff Daniels e Sam Waterston. Com roteiro fantástico, aborda tudo o que está por trás de um telejornal, inclusive a produção e todos os percalços antes e depois de entrar no ar. É sensacional e, além de tudo, sempre emocionante.
Bem, juntando 3 jóias como “Ted”, “The Newsroom” e “Intocáveis”, divertidíssima, tocante e incorreta comédia francesa que está em cartaz nos cinemas, com grande sucesso popular, a gente acaba por resgatar a esperança de que haverá luz no fim do túnel, embora seja certo que no final da luz haverá um outro túnel, provavelmente mais longo.
Finalizando, morreu a Hebe, o que pode ser grave: quem pode garantir que amanhã os aparelhos de TV no Brasil funcionem?