domingo, 14 de outubro de 2012

O delirante Moonrise Kingdom


Você já se sentiu um estranho no ninho, a ovelha negra da família, ou que ninguém liga prá você?

Você nunca, de repente, sentiu como se ninguém à tua volta gostasse de você?

Algum dia você já pensou em largar tudo e se jogar na aventura de fazer o que mais gosta?

Você já bateu o olho em alguém pela primeira vez e pensou “essa é a mulher com quem vou me casar e que vou amar para sempre”?

Existe nossa alma gêmea, o amor verdadeiro? Alguém que gosta da gente não “apesar” do que somos, mas exatamente pelo que somos?

Para quem respondeu sim para alguma dessas perguntas, o filme “Moonrise Kingdom” vai fazer muito sentido. Mas, caso você seja uma pessoa absolutamente normal e bem resolvida, enfim, mentirosa, o filme vai valer à pena mesmo assim, pela diversão, pela graça, pela aventura, pela beleza das imagens.

Porque a verdade, verdadeira mesmo, é que nós todos temos nossas esquisitices e nossas estranhezas. Todos temos vontade, às vezes, de chutar tudo e fugir com alguém que seja como a gente, que nos compreenda, por mais que essa fuga seja inconveniente e possa causar problemas. Pena que sempre (ou na imensa maioria das vezes) optamos pelo “correto”, pelo menor risco, deixando de viver a real aventura da vida.  Nós, que damos alguma cor a este mundo, somos assim, ou temos momentos assim, e talvez esses momentos nos definam muito mais do que os restantes 99% das nossas vidas comuns em que fazemos tudo certinho.

O estranho garoto do filme “Moonrise Kingdom” (acima, em desenho da Riana e ao lado no filme), que se veste como Daniel Boone, inclusive com o chapéu e o cachimbo, responderia sim a todas as perguntas acima. Órfão de 12 anos que vive sendo expulsos de orfanatos por condutas inadequadas, desta vez foge do acampamento de escoteiros poucos dias antes da tempestade anual que costuma assolar aquela ilha meio perdida. O monitor do acampamento (Edward Norton), seus escoteiros (que não gostam nada do fugitivo) e o único policial local (Bruce Willis), começam a busca pelo interior da ilha.

Logo descobre-se que o garoto está acompanhado da filha mais velha de um casal de advogados (os sempre ótimos Bill Murray e Francis McDormand), a problemática adolescente Suzy, por quem Sam se apaixona à primeira vista quando a viu fantasiada de corvo (não seria um colibri, certamente) e com quem se corresponde combinando a fuga a dois e a aventura ao interior da ilha, por uma trilha indígena, em busca de um lugar paradisíaco, a enseada Moonrise Kingdom.  

Entram na busca os pais de Suzy e a assustadora assistente social (Tilda Swinton), que quer levar o menino a um abrigo juvenil, algo assustador como um campo de concentração.Eis a história. E deixemo-la por aí mesmo. Porque a história, sim, é maravilhosa, inspiradora e edificante, diz respeito a todos nós e nossa busca pelo amor e pela liberdade, enfim, a história já vale o ingresso, mas ainda assim é só uma história. Agora, o filme... Ah, o filme!

Parêntese: lembrei agora de uma cena em Durval Discos, em que o Ari França (Durval) está defendendo o vinil contra o surgimento avassalador do CD. Seu interlocutor afirma que o som do CD é melhor. Durval, meio sem saber o que responder, solta “O som?... O som, sim, mas a música...”

Voltando ao filme: ah, o filme! Wes Anderson é, atualmente, meu diretor favoritíssimo. Seu universo é a estranheza e a busca pela aceitação. Foi assim em seus filmes anteriores, em especial no fantástico “A Vida Marinha Com Steve Zissou”. Sua capacidade de usar a arte para mostrar essa estranheza com alma e emoção é algo nada menos do que genial. Tudo que o diretor fez ou ameaçou fazer nos filmes anteriores, amadureceu neste. Os movimentos de câmera, que se este blógui fosse sério chamaria de “travellings”, a importância da música, as cores, enfim, todo o cinema evoluiu.

Começa pela impactante abertura, com a apresentação de Susy, sua família e sua casa, que culmina de modo fantástico com a linda menina olhando com o binóculo pela janela, a elevação da música e o recuo da câmera que se afasta e mostra a casa. Aliás, é pelo binóculo que a menina vê o mundo, incluindo as escapadinhas da mãe com o policial. 

Esplêndida a cena em que Sam, surgindo por entre as roupas penduradas na arara de um camarim, conhece Suzi, uma das cinco garotas fantasiadas de pássaros, a mais linda e séria.

Ah, e os diálogos secos e espirituosos? 

Sam pergunta a Suzy: “Você é uma pessoa deprimida?” Como resposta ela lhe mostra o livro que roubou dos pais: “Como lidar com uma criança problemática”. Ele ri, ela fica furiosa e vai para a barraca. Ele pede desculpas e estende seu lenço de escoteiro para que ela seque as lágrimas.

Ela, aliás, é uma personagem espetacular: “Eu sempre quis ser órfã”. 

Depois de os escoteiros os atacarem (mesmo em absoluta maioria, eles saíram correndo, alguns ensanguentados) ela diz a Sam “Minha mãe tem razão: eu piro”. É ou não é o máximo?

Outro momento espirituoso bem Wes Anderson: a mãe, quando descobre que a filha desapareceu, pergunta ao marido: “interessa-lhe saber que sua filha fugiu de casa?” Bill Murray, após pausa: “Essa foi uma pergunta capciosa...”

Na praia, em Moorise Kingdom, os garotos se abraçam. Ela: “está duro”. Ele: “Você se importa?”. Ele: "Ok". Ela: “Toque no meu seio”. Ele obedece e toca os dois. Ela: “ainda vão crescer”. Abraçam-se. Corta. Ele fumando (com o cachimbo apagado) e ela lendo um livro para ele.

Wes Anderson conseguiu fazer um filme em que nenhuma cena, nenhum trecho de uma cena, não tenha uma beleza rara, poética, uma emoção ou uma ironia delicadas. E é assim até o fim dos créditos finais, com a apresentação dos instrumentos feita em off pelo garoto. 

A magnífica composição de figurino e cenários do anos 60, com as músicas da trilha (a maioria clássicas), tudo isso gera uma beleza como se telas de grandes mestres da pintura estivessem em movimento. Um filme para ver e suspirar.

A delicadeza e a sutileza do humor e do amor: a ver a linda e poética cena da saída do grupo da capela, feita com música forte e em câmera lenta, com os personagens saindo e a câmera recuando. O beijo de Suzy nas mão de Sam é a consagração do amor. Tudo o que acontece depois é a consagração da vida.

Moonrise Kingdom é um daqueles filmes inesquecíveis que trabalham com todos os nossos sentidos, com nossa inteligência, com nosso sentimento. Um deleite para os solitários, para os esquisitinhos e esquisitões. Um deleite para quem é "família" e "amizade". Um bálsamo para os românticos incorrigíveis, dos quais, eu confesso, sou sócio fundador.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O DIA EM QUE O MUNDO MUDOU


Há exatos 50 anos, os habitantes do planeta e suas poderosas nações estavam distraídos com outras coisas mais (ou menos?) sérias, como a guerra fria e outras bobagens, quando os ingleses pegaram o mundo de surpresa e o dominaram irremediavelmente. Era 05 de outubro de 1962, quando, em duas abordagens simultâneas e precisas, estreava nos cinemas “007 Contra o Satânico Dr No” e, nas rádios, o primeiro single dos Beatles, "Love Me Do". No mesmo dia! Foi ou não foi planejado para dominar o mundo? 

Quanto ao cinema, 007 inaugurou uma nova forma de fazer filmes, misturando ação, espionagem, sexo e muito charme.  O estilo Bond é imitado, citado e homenageado até hoje. E mais: ajudou a moldar um estilo de vida, uma vida mais pop. Exemplo: a antológica cena de Bond saindo da água vestindo aquela roupa de mergulho; ao tirá-la, por baixo está com um smoking perfeito, passado, impecável, alinhadíssimo. Para fechar, a sínica expressão "tá vendo como eu sou bom?" de Connery


O irônico glamour de Bond, os temas de gênios do mal tentando destruir o mundo e as mulheres maravilhosas, provocantes e sempre pouco vestidas (principalmente para a época - aí à direita, Ursula Andress, no Dr. No)... 

As que eram do mal e estavam ali só para matá-lo, nunca resistiam ao seu charme e resolviam dar umazinha com Bond, James Bond, antes de matá-lo. Só que Bond tinha uma característica, que talvez, apenas talvez, alguns outros homens tenham: ele se “desconectava” do ato assim que despejava a última gota. Assim, sempre era ele que matava a bandidinha linda, para depois ajeitavar o cabelo e o terno, tomar o último gole do uísque e sair do quarto com aquele ar entre pena e tédio.
  
Ah, e os gigantescos cenários daquilo que, antes dos filmes de Bond, seria o “covil dos ladrões”, com suas máquinas imponentes e as centenas de operários-do-mal vestidos com uniformes bem cortados? 007 glamourizou até o mal! Os gênios-do-mal eram impecavelmente vestidos, cheios de excentricidades, bebidas finas e algum estranho animalzinho de estimação.

Sean Connery, que fez os seis primeiros 007 e foi, disparado, o mais charmoso (seguido, talvez, por Pierce Brosnan), ditou um estilo que está ainda muito longe de ser esgotado. James Bond não é apenas é o mais icônico personagem da história do cinema, mas um dos mais importantes do mundo pop. 

Criado em livro pelo escritor Ian Fleming cerca de 10 anos antes, o James Bond que conhecemos nasceu para a vida mesmo com Sean Connery, e não vai morrer nunca mais. Duzentos anos depois do fim do mundo, ainda estarão fazendo filmes de James Bond. Parabéns, Bond!

Post-pôsti: 
A segunda abordagem dos ingleses para sacramentar o domínio do mundo foi o lançamento, no mesmo dia, do o primeiro single dos Beatles, “Love Me Do”. Sobre a importância dos Beatles, entretanto, não me atrevo a comentar nada: prefiro que o Daniel o faça por meio de um brilhante e elucidativo comentário. 

E "God save the Queen" que eu vou nessa, ver Dr. No! 
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