O delirante Moonrise Kingdom
Você já se sentiu um estranho no ninho, a ovelha negra da
família, ou que ninguém liga prá você?
Você nunca, de repente, sentiu como se ninguém à tua volta
gostasse de você?
Algum dia você já pensou em largar tudo e se jogar na aventura
de fazer o que mais gosta?
Você já bateu o olho em alguém pela primeira vez e pensou “essa é a mulher com quem vou me casar e que vou
amar para sempre”?
Existe nossa alma gêmea, o amor verdadeiro? Alguém que gosta
da gente não “apesar” do que somos, mas exatamente pelo que somos?
Para quem respondeu sim para alguma dessas perguntas, o
filme “Moonrise Kingdom” vai fazer muito sentido. Mas, caso você seja uma
pessoa absolutamente normal e bem resolvida, enfim, mentirosa, o filme vai
valer à pena mesmo assim, pela diversão, pela graça, pela aventura, pela beleza
das imagens.
Porque a verdade, verdadeira mesmo, é que nós todos temos
nossas esquisitices e nossas estranhezas. Todos temos vontade, às vezes, de chutar tudo e fugir
com alguém que seja como a gente, que nos compreenda, por mais que essa fuga
seja inconveniente e possa causar problemas. Pena que sempre (ou na imensa
maioria das vezes) optamos pelo “correto”, pelo menor risco, deixando de viver
a real aventura da vida. Nós, que damos
alguma cor a este mundo, somos assim, ou temos momentos assim, e talvez esses
momentos nos definam muito mais do que os restantes 99% das nossas vidas comuns
em que fazemos tudo certinho.
O estranho garoto do filme “Moonrise Kingdom” (acima, em desenho da Riana e ao lado no filme), que se veste
como Daniel Boone, inclusive com o chapéu e o cachimbo, responderia sim a todas
as perguntas acima. Órfão de 12 anos que vive sendo expulsos de orfanatos por
condutas inadequadas, desta vez foge do acampamento de escoteiros poucos dias
antes da tempestade anual que costuma assolar aquela ilha meio perdida. O
monitor do acampamento (Edward Norton), seus escoteiros (que não gostam nada do
fugitivo) e o único policial local (Bruce Willis), começam a busca pelo
interior da ilha.
Logo descobre-se que o garoto está acompanhado da filha mais
velha de um casal de advogados (os sempre ótimos Bill Murray e Francis
McDormand), a problemática adolescente Suzy, por quem Sam se apaixona à primeira vista
quando a viu fantasiada de corvo (não seria um colibri, certamente) e com
quem se corresponde combinando a fuga a dois e a aventura ao interior da ilha,
por uma trilha indígena, em busca de um lugar paradisíaco, a enseada Moonrise
Kingdom.
Entram na busca os pais de Suzy e a assustadora assistente social
(Tilda Swinton), que quer levar o menino a um abrigo juvenil, algo assustador como
um campo de concentração.Eis a história. E deixemo-la por aí mesmo. Porque a
história, sim, é maravilhosa, inspiradora e edificante, diz respeito
a todos nós e nossa busca pelo amor e pela liberdade, enfim, a história já vale o ingresso, mas ainda assim é só uma história. Agora, o filme... Ah, o filme!
Parêntese: lembrei agora de uma cena em Durval Discos, em
que o Ari França (Durval) está defendendo o vinil contra o surgimento
avassalador do CD. Seu interlocutor afirma que o som do CD é melhor. Durval,
meio sem saber o que responder, solta “O som?... O som, sim, mas a música...”
Voltando ao filme: ah, o filme! Wes Anderson é, atualmente, meu
diretor favoritíssimo. Seu universo é a estranheza e a busca pela aceitação.
Foi assim em seus filmes anteriores, em especial no fantástico “A Vida Marinha Com
Steve Zissou”. Sua capacidade de usar a arte para mostrar essa estranheza com
alma e emoção é algo nada menos do que genial. Tudo que o diretor fez ou ameaçou fazer nos filmes
anteriores, amadureceu neste. Os movimentos de câmera, que se este blógui fosse
sério chamaria de “travellings”, a importância da música, as cores, enfim, todo
o cinema evoluiu.
Começa pela impactante abertura, com a apresentação de Susy, sua
família e sua casa, que culmina de modo fantástico com a linda menina olhando com
o binóculo pela janela, a elevação da música e o recuo da câmera que se afasta
e mostra a casa. Aliás, é pelo binóculo que a menina vê o mundo, incluindo as
escapadinhas da mãe com o policial.
Esplêndida a cena em que Sam, surgindo por
entre as roupas penduradas na arara de um camarim, conhece Suzi, uma das cinco
garotas fantasiadas de pássaros, a mais linda e séria.
Ah, e os diálogos secos e espirituosos?
Sam pergunta a Suzy:
“Você é uma pessoa deprimida?” Como resposta ela lhe mostra o livro que roubou
dos pais: “Como lidar com uma criança problemática”. Ele ri, ela fica furiosa e
vai para a barraca. Ele pede desculpas e estende seu lenço de escoteiro para
que ela seque as lágrimas.
Ela, aliás, é uma personagem espetacular: “Eu sempre quis
ser órfã”.
Depois de os escoteiros os atacarem (mesmo em absoluta maioria, eles saíram correndo, alguns ensanguentados) ela diz a Sam “Minha mãe tem razão: eu piro”. É ou não é o
máximo?
Outro momento espirituoso bem Wes Anderson: a mãe, quando descobre que a filha desapareceu, pergunta
ao marido: “interessa-lhe saber que sua filha fugiu de casa?” Bill Murray, após
pausa: “Essa foi uma pergunta capciosa...”
Na praia, em Moorise Kingdom, os garotos se abraçam. Ela: “está
duro”. Ele: “Você se importa?”. Ele: "Ok". Ela: “Toque no meu seio”. Ele obedece e toca os dois.
Ela: “ainda vão crescer”. Abraçam-se. Corta. Ele fumando (com o cachimbo
apagado) e ela lendo um livro para ele.
Wes Anderson conseguiu fazer um filme em que nenhuma cena, nenhum
trecho de uma cena, não tenha uma beleza rara, poética, uma emoção ou uma ironia
delicadas. E é assim até o fim dos créditos finais, com a apresentação dos
instrumentos feita em off pelo garoto.
A magnífica composição de figurino e cenários do anos 60, com as músicas
da trilha (a maioria clássicas), tudo isso gera uma beleza como se telas de grandes mestres da pintura estivessem em
movimento. Um filme para ver e suspirar.
A delicadeza e a sutileza do humor e do amor: a ver a linda
e poética cena da saída do grupo da capela, feita com música forte e em câmera
lenta, com os personagens saindo e a câmera recuando. O beijo de Suzy nas mão
de Sam é a consagração do amor. Tudo o que acontece depois é a consagração da
vida.
Moonrise Kingdom é um daqueles filmes inesquecíveis que
trabalham com todos os nossos sentidos, com nossa inteligência, com nosso
sentimento. Um deleite para os solitários, para os esquisitinhos e esquisitões. Um deleite para quem é "família" e "amizade". Um bálsamo para os românticos incorrigíveis, dos quais, eu
confesso, sou sócio fundador.
4 comentários:
Já viu isso aqui, caro Moa? http://www.youtube.com/watch?v=GvF4WjB8WOU
Eu amo Wes Anderson também... Ah! Nós, os sonhadores esquisitões. [risos]
Preciso dar um jeito de ver esse.
Um beijo.
Lindo! Deve ter sido filmado junto com "Darjeeling", só nao tenho certeza se sao os mesmos personagens. ôtro beijo!
Sim. São os mesmos personagens. É uma espécie de prólogo, este Hotel.
Beijo.
Legau
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