domingo, 11 de novembro de 2012

ARGO - SURGE UM DIRETOR


“Quem não sabe fazer, ensina, e quem não sabe ensinar, vira professor de educação física”, diz Jack Black em Escola de Rock, numa mesa cheia de professores, inclusive um de educação física. Isso me lembra do que pensei quando soube que o mediano ator Ben Affleck estava dirigindo. Normalmente julgamos que quem não sabe fazer uma coisa nem outra, na terceira será apenas medíocre. Tinha visto um filme dirigido por ele, “Atração Perigosa”, que gostei como um bom passa-tempo; um filme de roubo a banco com viés romântico e um pouco moralista. Gostei a ponto de me lembrar de que gostei, nada além disso, embora esteja com vontade de ver de novo para conferir.

Ontem foi a vez de “Argo”, também dirigido por ele, que estreou neste final de semana nos cinemas. Já de cara eu aviso: saí embasbacado! É um filme daqueles que no final a gente tem que se controlar para não bancar o idiota e aplaudir. Na real, nem sei aplaudir um filme é algo idiota. Sabe quando acaba um filme e você ouve aquele murmúrio generalizado de uaus e ohs? Foi assim. Se não fosse “proibido” aplaudir um filme, as pessoas não teriam se segurado.  

E não é que o diretor Bem Affleck é o grande responsável pela maravilha que o filme é? Vou dizer por quê:
O filme, baseado na história real da crise EUAxIrã, pode ser dividido em três partes: a primeira compreende a explicação inicial, a invasão da embaixada americana no Irã, em 1979, a fuga de seis diplomatas que se escondem na casa do embaixador do Canadá, terminando com a decisão, pela CIA e governo americano, da estratégia para tentar resgatar os seis diplomatas do Irã: simular a montagem de um filme por uma equipe de sete “canadenses”, que seriam os seis refugiados americanos mais o agente da CIA, Tony Mendez (bem interpretado pelo ator Ben Affleck – que parece ter sido bem dirigido...). A segunda parte se dá em Hollywood, com o agente tentando convencer o maquiador do Planeta dos Macacos (John Goodman) e um produtor (Alan Arkin) a simularem o filme como se realmente fosse ser filmado. A terceira parte, que vai até o final, compreende a preparação e a execução do plano, na capital do Irã, acompanhada pelo comando da operação nos EUA, com o brilhante Bryan Cranston (de helênica série Breaking Bad). 

O problema é que cada parte do filme é filmada de modo completamente diferente da outra. Olha o absurdo: são três gêneros em um filme só. Sabe quais? Drama político, comédia e suspense, nesta sequência (vamos abrir uma campanha pela volta do trema?). Pense no seguinte antes de ir ao cinema gastar seu rico dinheirinho: tem chance de dar certo uma mistureba dessa? 


Sim, desde que alguém de peso comande tudo isso, alguém com sensibilidade para passar naturalmente de uma parte para a outra, sem quebras, sem que pareça que são três filmes diferentes que mal conversam entre si. É aí que reside o maior mérito de Affleck: o filme tem unidade e coesão, as passagens são naturais e nunca perdemos o foco da gravidade do que está acontecendo. A reconstituição da época, perfeita, ajuda muito. Além disso, as 3 partes são muito bem filmadas: desde a invasão da embaixada, cena que não apela ao modismo da câmera tremida correndo no meio da multidão e nem daquela montoeira de cortes estilo vídeo-clip. 


Na primeira parte, Affleck opta pelo estilo dos bons filmes dos anos 70, de Friedkin ou Scorcese. Já a comédia, ao estilo irmãos Coen, engraçada e inteligente, ironiza o mundo de Hollywood como paralelo à situação política, com piadas tipo “o que? Você já lidou com radicais muçulmanos? Não são nada comparados a um diretor de estúdio!” Já na terceira parte há cenas de suspense que Hitchcock aplaudiria, cenas com uma carga de tensão impressionante. Nada como um bom suspense para deixar a gente sem ar. 


Voltando ao “quem não sabe, ensina e quem não sabe ensinar é professor de educação física”, o mundo do futebol consagra estes últimos: Felipão e Luxembrugo, jogadores medíocres, são treinadores de primeiro escalão, enquanto os craques Falcão e Zico são medianos como técnicos. Com Argo, Ben Affleck está mais perto de Felipão e Luxemburgo do que do de Zico e Falcão.

Argo é filme de primeira, inteligente, de qualidade e para todos os gostos, daqueles filmes que Tiagos e Davids podem ir junto com Tias Anas e Tios Edinhos, daqueles que podemos convidar nosso nosso chefe com sua esposa para ver e depois comentar numa pizzaria.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

9,5 RAZÕES PARA VER 007 - SKYFALL



1.            1. O filme homenageia os 50 anos de James Bond no cinema. E homenageia em grande estilo. A série, que está no vigésimo terceiro filme, inventou a modernidade, inaugurou um estilo, ditou moda. Você vai ser Mané de ficar fora dessa?
2.   A cena de abertura: enche os olhos de quem gosta e de quem não gosta de cenas de ação, como é o meu caso. Não que eu não goste por definição; o problema é que na maioria dos filmes, as cenas de ação são enjoativas: de tantos cortes, a gente não vê quase nada, uma imagem mal chega a cristalizar na retina e o corte já traz outro ponto de vista, num truque para dar a sensação de ação. Ou seja, a ação é mais da câmera, ou da montagem do que da cena. Não é o que acontece na primeira cena de Skyfall, onde a câmera, às vezes se aproxima, mas também se afasta, deixando-nos ver a ação com mais clareza. Destaque para delirante perseguição com motos sobre telhados e para o final da cena, que nos traz, veja só que diferente para cena de ação: um dilema moral.

3.   Os créditos iniciais: depois da cena inicial de tirar o fôlego, vem a abertura do filme, os créditos. É uma obra de arte. Embora fiel ao estilo das melhores aberturas da série, a abertura de Skyfall moderniza, atualiza e reinventa, tudo com extremo bom gosto estético e uma música de arrepiar. Um primor. Extasiado, tive vontade de gritar “para tudo!”, sair do cinema, pagar outro ingresso e voltar para ver o resto do filme. Deviam cobrar um ingresso só para os créditos...
4.   Vilão - Javier Barden: A concepção do vilão Raul Silva também respeita o estilo dos filmes 007, mas não me lembro de algum dos vilões ter sido tão complexo. Barden, desculpem-me por não conseguir encontrar outra expressão, é fóda! O cara faz de tudo: comédia, drama, bandido, vilão. Sempre arrasa, mas talvez aqui mais do que antes. Seu Raul Silva já é um vilão antológico.




5.   Visual: As locações como a da cena inicial, em Istambul, ou da sequência final, um vale úmido no interior da Escócia, são maravilhosas. A ilha onde o vilão se esconde é espetacular. Além de agradável aos olhos, a concepção visual, locações e cenários dialogam com as cenas e, ao contrário de cansar os olhos, a variação de tons e temperatura os refrescam.

6.   Não é só ação: Alguns críticos e amantes de “cenas de ação” reclamaram que só há ação na primeira e na última cena. De certa forma eles têm razão. Só que é isso que torna o filme melhor, mais rico. Porque filme com “cenas de ação” o tempo todo, convenhamos, é chato demais. Imagino que os leitores com bom índice de utilização de massa cefálica entenderam as aspas em “cenas de ação”. O importante é que entre a primeira e a última cena do filme há vida, há cinema, há, inclusive, ação. Parêntese sobre cenas de perseguição: Willian Friedkin (diretor de “O Exorcista”) talvez seja o melhor diretor de cenas de perseguição. As de “Operação França” e “Viver e Morrer em Los Angeles” são antológicas.
7.   O tema principal, que não é o roubo, pelo vilão revoltado, dos arquivos com os nomes dos agentes e a consequente morte destes. Sam Mendes, de Beleza Americana, que não é um diretor de filmes de ação, fez um filme cheio de camadas de significação, um filme cujo tema principal é mais o homem a procura de si mesmo do que à procura do vilão; é Bond cinquentão, sei o que é isso, questionando sua vida, seus valores e sua missão. De quebra, Mendes aproveita a para fazer meta-cinema e questionar a própria validade e a energia da série James Bond. A resposta fica para o expectador.

8.   O filme brinca com a série: Nessa esteira, o filme, espirituoso, faz, lá, aqui e acolá, brincadeiras com a série, como aquela com os artefatos tecnológicos ou, a melhor, com o carro mais glamouroso de todos os tempos: o Aston Martin DB5, usado por James Bond no 007 Contra Goldfinger, de 1964 (olha o carro na foto aí em cima). Até o vilão sabe da importância do carro para o personagem James Bond e para a série. Mais uma curiosidade importantíssima: há dois ou três anos, uma publicação lançou as miniaturas de todos os carros da série. Adivinha qual foi o único modelo que comprei e que tenho na estante...
9.   Atualização crítica: Sabe quando aparece algum recado no seu micro recomendando uma atualização, classificada como crítica? Pois é, os produtores devem ter achado que o 007 precisava de uma atualização e tiveram a genial ideia de chamar um diretor ligado a temas mais sensíveis, mais humanos, um diretor mais crítico. E Sam Mendes parece ter acertado: extrapolou a elegância do personagem para a filmagem, elaborada com mais suavidade e beleza e deu uma nova perspectiva à série, embora mantendo sua essência e até destacando-a mais do o fez a maioria dos últimos 007, que se limitaram a repetir o que talvez nunca tenha sido o mais importante. Alguns reclamaram da falta de elementos originais da série. Sim, Mendes tirou alguma coisa... Mas a gaivota não quebra seu bico e suas unhas para se revigorar? Ou seria a pomba? Quem sabe a águia... Bem, o fato é que não se faz um ovo frito sem quebrar a gema...
9,5. Eu recomendo.  
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