Há coisas que te pegam e coisas que não te pegam. Tem coisas que entram e te agarram a alma e tem coisas que, por mais belas que sejam, não passam muito dos tímpanos. Da música dos Beatles, por exemplo, sempre gostei, mas ela nunca pegou de jeito, a não ser as do George Harrison, ou as que ele canta. George Harrison, durante e depois dos Beatles, sempre superbondou na minha alma. Yes nunca me pegou, Pink Floyd, sim. Vejam que estou falando só de coisa boa, e agora no cinema: Godard nunca me pegou, Herzog, sempre. Dos Andrade, Oswald não, Mário sim. E por aí vai.
Voltando à música e aonde eu quero chegar: Legião
Urbana não, Titãs sim. Renato Russo não, Cazuza, sim. Sempre achei a música do
Renato Russo muito cheia de lamento, um ai ai ai sem fim, um tanto monocórdica,
sempre na mesma tocada, o mesmo cantar meio ritualístico. Acalmem-se fãs/seguidores
do Legião, porque também sempre reconheci sua música como de alta qualidade e refinamento
e sempre achei o Renato Russo um cara sensacional. Sua rebeldia culta agradava
meu esnobe padrão de qualidade.
Na real, o rock Brasília como um todo não me afetava. O
Capital Inicial, por exemplo, não passava de musiquinha de adolescente mimado. Eu
morava em Brasilia na época, e uma vez fui a um festival de rock e vi toda essa
gente lá. Levei um cartaz prá casa, que decorou meu quarto por anos. Gostava do
clima e da rebeldia, mas não da música. Minha cultura elitista e minha
tendência generalizadora colocavam tudo num mesmo balaio e eu acabei não gostando
muito de nada daquele tempo. Azar meu, certo?
Poucos anos depois, quando eu deixei de sentir necessidade
de dizer que tudo o que faz sucesso é ruim, passei a conhecer mais a fundo as bandas
daquela época e a separar o joio do trigo. Aliás, isso é uma coisa que devemos
fazer sempre, revisitar e reconsiderar. Se ainda considero, e provavelmente
sempre considerarei, o Capital Inicial um grupinho que faz musica chatinha para
adolescente mimado, hoje sei que Ultraje a Rigor, que eu antes considerava uma excrescência,
é rock muito bom; sei que o Legião é música de primeira, refinada e tal, mas
que, por algum motivo, ainda não me pegou, ao contrário de “Somos Tão Jovens”, o
ótimo filme sobre a trajetória de Renato Russo em Brasília. Este me agarrou.
O filme, antes de ser sobre um cara que morreu há mais de 15
anos, antes de ser sobre algo que ocorreu há quase trinta anos, é um filme com
uma linguagem atual, pop, vibrante, pulsante, e, mais que biografia, é uma ode a
uma juventude que não se satisfaz em se sentar na frente da TV, em consumir. É um
elogio aos jovens que se mexem, que sonham, que se arriscam que se apaixonam,
que criam, que produzem, que não seguem os modismos, que chocam e que se movem.
Enfim, fala de uma juventude que talvez não exista mais, ao menos na mesma
proporção. E está aí mais uma vantagem do filme: deve atrair toda uma juventude
que gosta do Legião, não importa se gosta por ser bom ou porque gostar do
Legião é um tipo de upgrade cultural. Ao atrair essa gente jovem que está por
aí, quem sabe se o filme não os influencia a serem mais autênticos, mais
apaixonados, mais críticos, mais rebeldes, mais criativos?
Com uma ótima reconstituição da época e do clima de festa
que havia nos bares (tá lá o Beirute) e nas quadras (como eu invadi festas
naquela época! ), “Somos Tão Jovens” mostra um Renato Russo cheio de impáfia e
simpatia, cheio de talento e de amor. O filme, por não se propor a ser uma
biografia do tipo mostra tudo, mas um retrato empolgante de uma alma, uma época,
uma geração e um lugar, não se aprofunda nos romances de RR com meninos, embora
não os esconda: mostra de leve, com carinho e singeleza, mas se aprofunda mais
na relação de RR com sua amiga Aninha. Não sei o que é verdade ou não e nem
isso importa, porque é dessa relação que o filme tira seu momento mais
emocionante, quando, com a música “Ainda é Cedo”, RR tenta se reconciliar com a
amiga.
O filme é cheio de outros acertos, como a valorização das
músicas e das performances de Renato Russo nos palcos de Brasília. O ator, Thiago
Mendonça, encarna plenamente a alma bela e atormentada, além de cantar bem e
exatamente como RR. Laila Zaid, a atriz que interpreta a amiga Aninha, está deslumbrante.
Além de tudo, o diretor Antonio Carlos da Fontoura soube conduzir e terminar o
filme muito bem, acerto que se prolongou nos créditos finais, cujo clima fecha a
mensagem e o clima que o filme parece ter desejado transmitir.
Não vi, nos palcos que o filme recria, o cartaz que tive no
meu quarto, mas vou procurar mais algumas vezes. Além disso, está em curso uma
releitura da obra de Renato Russo. Quem sabe agora ele não me pega...
2 comentários:
Do Legião Urbana, marcou-me o Faroeste Caboclo... Vivemos exatamente lá onde a história ocorreu. Nunca me esquecerei de uma cena num bar da Vila Postal. Jovens tomando cerveja ouvem tiros e em seguida passa por nós um cara com a perna ensanguentada...
Real de mais...
BDC
LH
Mais: se lembra que os tiros foram para nos defender? O cara do bar se irritou com um moleque que estava olhando demais pras meninas da nossa mesa. Foi ainda o bar do Menê - Hermenegildo! Depois passamos para o do Carlão, o grande,o inigualável, o insuperável e, porque não dizer, o inolvidável BDC!
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