Subindo a escada rolante que dá acesso às salas de cinema, um
casal à frente:
Ele: Tanto
faz. Nem sei que filme tá em cartaz.
Ela: Eu tô
muito a fim de ver uma comédia, estão falando muito bem.
Ele: Sobre o
quê?
Ela:
Adolescentes, amizade, colégio.
Ele: Não mesmo, de jeito nenhum.
Como é que alguém pode avaliar um
filme não pela experiência que ele proporciona, mas pela faixa etária dos
protagonistas? Tem que explicar pro sujeito que um cara de 40 pode ver um filme
sobre adolescente, até porque ele já foi um, e mesmo que não tenha sido (vai
que pulou de fase no jogo da vida), qualquer um pode imaginar como seria um
adolescente. Além disso, um filme de adolescente pode abordar o drama de um
adulto ao se referir aos sonhos da juventude, que terão sido concretizados ou
não na fase adulta. Enfim, um filme sobre adolescente pode ser ótimo ou
péssimo, assim como uma aventura pode ser eletrizante ou chatíssima. Mas o cara
não quis nem saber – era sobre adolescente e acabou.
E nem é ‘só’ por tudo isso que o
imbecil (isso não é juízo de valor, é informação) devia levar mil chibatadas.
Como é que o cara, que nem sabe que filme quer ver, nem ao menos cogita ver o filme
que a namorada quer, ao menos por cavalheirismo (ih, o que é isso?)? Que tipo
de homem é esse?
Ali, naquele momento, subindo as
escadas, o casal dois degraus acima, desejei, do fundo do meu coração compreensivo
e sem maldade, que os deuses do cinema mandassem cair um raio bem na cabeça do
sujeito e espalhasse seus miolos por
toda a escada. Mas os Deuses do Cinema
agem de forma menos impulsiva e mais criativa, embora não menos implacável com
os estúpidos e pobres de espírito. Qual o castigo que impuseram ao imbecil? A
comédia Fora de Série, que ele não quis ver e não deixou a namorada ver, mas
que eu vi, não é só uma comédia, é um puta dum filme, um filme filmaço! O tipo
de filme que proporciona a qualquer um, de adolescentes a velhos, de homens hétero
a mulheres idem, de amantes de filmes de ação aos da nouvelle vague, e todas as
variações entre essas categorias, talvez até ao idiota da escada, uma
experiência empolgante, divertidíssima, sensível, inteligente, de visual
extasiante e... sei lá mais como classificar.
Sem deixar de ser comédia, e daquelas
feitas para você rir mesmo, é um filme sensível e empolgante sobre amizade. O
roteiro é inteligente, cheio de surpresas e equilibrado e a direção... Bom, aí
tem outra treta...
Quando eu soube que a direção
era da estreante Olivia Wilde, a Treze do House, aquela mulher maravilhosa de
olhos fulgurantemente verdes que desperta a libido de um monge tibetano; enfim,
quando eu soube que o filme era de uma atriz cuja única função é encher a tela
de beleza, eu torci meu nariz machista sexista idiotista até a cartilagem.
E os Deuses do cinema me deram
uma porrada! A direção é coisa de gente que sabe tudo de cinema, que usa de
forma criativa tudo que é recurso cinematográfico para dar ao público, a cada
cena, a sensação mais parecida possível com a do personagem – e isso permite
experiências deliciosas ao expectador. Soma-se a isso um bom gosto impressionante
– tudo é lindo de ver.
Só 4 exemplos: 1. A viagem sob efeito de algo que
tomaram, quando se transformam em bonecas Barbie; 2. As duas ‘festas’ bizarras
e delirantes a que vão por engano antes da que queriam ir; 3. O absoluto silêncio
que se faz numa festa pirada e barulhenta quando uma delas vê o cara que tá
querendo; 4. O mergulho na piscina quando a outra procura alguém por baixo da
água, numa experiência visual e musical impressionante. Ah... O final... Coisa que
Tarantino aplaudiria, talvez invejasse.
Ótimos personagens secundários...
Esse ‘secundários’ é péssimo, porque, por exemplo, uma menina ‘secundária’ que
aparece sempre, e a função dela no filme não é outra senão aparecer, pode ser
tudo, menos secundária, a contar pelos picos de riso que ela sempre arranca da
plateia ao aparecer. Tem o entregador de pizza que aparece numa única cena, sensacional.
E tem o doidinho rico, o cara que quer dirigir peças, ... Aposto que daqui a 15
anos, quando já for considerado clássico, ao revermos Fora de Série, vamos nos
espantar com o tanto de atores famosos que começaram ali – porque não tem um
ator que não roube a cena quando aparece.
Dirigir comédia é muito mais
difícil do que parece, principalmente por causa do chamado timing da piada – se
uma resposta (fala ou gesto) dura meio segundo a mais ou a menos do que o
exato, perde-se a piada. Mas a direção da Treze tem um timing cômico perfeito,
tudo sempre funciona. E quando ela capricha em algum efeito para reforçar o que
sente o personagem, o faz sem perder a naturalidade do ator e a energia dramática
ou cômica. O relacionamento entre as protagonistas nerds e o resto da turma vai
evoluindo de forma perfeita, os estereótipos sendo quebrados um a um,
permitindo ao público que ria e se emocione ao mesmo tempo, até tudo se juntar
no desenlace final.
John Hughes (Curtindo a Vida Adoidado, Clube dos 5, etc) deve estar orgulhoso
lá em cima, ao ver um filme que, como os dele, apresenta conflitos, amores e relacionamentos
de forma tão natural e calorosa, que a gente acaba se transportando à escola,
revendo aquela gente que para sempre mora na nossa memória e no nosso coração.
P.S.
Menina da escada, se por acaso você estiver lendo este pôsti, e neste caso
certamente você se reconhecerá e perceberá que aquele sujeito não te merece, saiba
que estou procurando companhia para rever este filme. É Fora de Série!