domingo, 26 de setembro de 2010

A incrível história do CPNES - Parte 7

GILSÃO PARTE 2 -  A REDENÇÃO DOS GUERREIROS PANÇUDOS
 
No capítulo anterior você conheceu o Gilsão e o viu colocar umas escaraminholas na cabeça do Dr. Sócrates, antes de desmaiar de fome.
Pois saiba que quando ele abriu os olhos, viu que estava num hospital, com soro no braço. O Doutor Sócrates dava ordens às enfermeiras, mais interessadas no autógrafo do que em ouvir suas prescrições. Quando se despediram, Gilsão agradeceu muito, mas Sócrates disse que ele é quem deveria agradecer.
Osmar Santos ao microfone, com Sócrates, FHC, Casagrande e
Adilson Monteiro Alves (diretor de Fuebol do Corínthians)

Depois daquilo, Sócrates passou a ser um importante ativista político, além do brilhante jogador que sempre fora e, nisso, o Gilsão, emérito perna de pau, em nada influenciou. Sócrates liderou o primeiro movimento efetivamente popular que ocorreu em toda a ditadura. Nenhum outro movimento político tinha colocado o chamado “povão” na história. Naquele início dos anos 80, em plena ditadura militar e justamente no meio mais atrasado e conservador, o futebol, e ainda por cima num dos dois times mais populares do país (o outro é a Ponte Preta ou o Flamengo, não estou bem certo), nasceu a chamada Democracia Corinthiana (o nome foi dado por Washington Olivetto), movimento liderado por Sócrates e diretamente apoiado por Wladimir e Casagrande, os maiores ídolos do time. Foi um período da história do clube onde as decisões importantes, tais como contratações e regras da concentração, eram decididas pelo voto, ou seja, era uma forma de autogestão. Era um movimento interno do time, mas cuja intenção era, evidentemente, suas repercussões e influências externas. O Corinthians foi o primeiro clube a veicular dizeres publicitários na camisa, como "diretas-já" e "eu quero votar para presidente". Isso no período da ditadura militar, quando os movimentos sociais começavam a se rearticular para a instituição de uma democracia.

Vale do Anhangabaú no comício pelas "Diretas Já"
 Os militares pediram moderação ao clube. Imaginem o impacto que tinha aquilo: a camisa do Corinthians pedindo democracia... Os resultados disso? Imensa participação popular no movimento das Diretas Já, especialmente em São Paulo e, para o Corinthians, muitos títulos e impressionantes resultados financeiros.

Nessa época o Gilsão já estava em Brasília, onde, logo no início, instituiu-se a trinca Gilsão, Panta e Tio Moa, que na época era sobrinho. Todas as noites, primeiro no Bar do Ermenegildo e depois no Bar do maravilhoso Carlão, estruturavam suas ideias, que iam do ativismo político-estudantil à filosofia, passando pela astrologia, supra mundo e supra-realidade, deixando Romeu, um observador contumaz, atônito. 

Gilsão era visto pelos militares, mal sabiam eles, como alguém muito confiável, provavelmente devido ao seu jeito circunspecto e responsável, além de sua lábia! No outro extremo, com suas madeixas desalinhadas, bonés, faixas e sua falca cortante, Tio Moa, que na época era sobrinho, era visto pelos homens de farda com muita preocupação. Assim, quando começou a efetivar a idéia de montar uma peça de denúncia e protesto, ainda que disfarçada de comédia despretensiosa, Tio Moa, que na época era sobrinho, sabia que o grupo deveria ser eclético e ter alguém em quem os coronéis pudessem confiar, alguém acima de qualquer suspeita.
 Quem seria esse alguém? Isso mesmo, espertíssimo leitor: o Gilsão. A peça “Nosso Reino” (titulo inspirado na peça “Nossa Cidade” de Thorton Wilder), escrita pelo Tio Moa e pela Rosaflor, ironizaria a instituição e seus comandantes e denunciaria as condições às quais estávamos submetidos. Haveria um Rei, claramente inspirado no coronel-mór, mas quem haveria de ter coragem de interpretá-lo e tirar aquele sarro do Todo Poderoso? Vamos, arguto leitor, quem você acha que falou “deixa comigo, eu faço... Minha pança é igualzinha”? Isso mesmo: o Gilsão.

Mas na hora de fazer os cartazes e folhetos, que para nós tinham a força de panfletos revolucionários, percebemos que aquilo tudo não era apenas uma peça, mas o começo de um ousado, e até um pouco irresponsável, movimento de um grupo que não queria parar por ali, que queria continuar fazendo arte e resistência. Precisávamos, para marcar território e mostrar força e articulação, de um nome para o grupo. Tio Moa, que na época era sobrinho, só sabia que o nome deveria ser forte, interessante, engraçado e provocativo, como, aliás, deveria seria tudo o que fôssemos fazer.

E numa noite, voltando de ônibus para nosso empoeirado campo de concentração, em pé no ônibus, alguém falou: “Que tal ‘Cobra Parada Não Engole Sapo’?”. Tio Moa, que na época era sobrinho, sentiu-se em êxtase. Sensacional, era aquilo, sem dúvida. Agora, sagaz leitor, queria adivinhar quem sugeriu aquele forte, interessante, engraçado e provocativo nome? Acertou de novo: o Gilsão.

E de onde veio o Gilsão? De onde ele tirou toda aquela capacidade de lutar pelo que é justo? De onde tirou toda aquela capacidade de atrair com aquele sorriso amigo e fraternal, para depois influenciar pelo seu discurso? Pois vou dizer de onde: o geográfico leitor certamente sabe que no desenho do estado de Mato Grosso tem um biquinho, ao norte. Pois lá perto existe uma terra mítica chamada Juína, onde, diz a lenda, o espírito da índia Jussara pairava no ar para abençoar os índios pançudos e roliços da aldeia Tanyguá, para que vencessem as batalhas contra os invasores que, em nome do progresso, queriam destruir tudo o que viam pela frente: mata, bicho, gente. Evidentemente, sem a ajuda de Jussara, jamais os roliços pançudos conseguiriam vencer. Jussara os inspirava ao mesmo tempo em que amedrontava os invasores. Com o tempo, entretanto, mais homens brancos do progresso chegavam, cada vez com mais tratores, armas e fogo. Um dia trouxeram uma estrovenga giratória e liquidaram com tudo, ababou-se a guerra.

Os poucos sobreviventes migraram para o interior de São Paulo. Lá, em Dracena, muito antes que eu nascesse, nascia o Gilsão, descendente daqueles bravos, simpáticos, sorridentes, roliços e pançudos guerreiros indígenas. Gilsão nunca esteve em Juína, mas Juína sempre esteve em sua alma (e no corpo também, como se nota). À sua primeira filha, deu o nome de Jussara. Já o Tio Moa chamou de Taniguá a sua primeira filha, em inconsciente homenagem ao seu eterno irmão de luta por justiça. A pança que hoje o Tio Moa ostenta, também é uma homenagem ao Gilsão, ilustre cobraparadista.

6 comentários:

Taniguá disse...

Amei!!! e quem é o cachorrinho da foto? te amo

Tio Moa disse...

É a Branquinha, que nos seguia por onde fôssemos. Seu destino é o mesmo do Tiba: ignorado e não sabido. Acho que ela afrontou o poder estabelecido!

Unknown disse...

E o gato, chama-se "le gateau", foi adotado por um casal de franceses chamados Pierre Bertin e Mirreille Deschamps e foi morar em Paris, na Rue de Rivoli, néverdade?

Mário Xerxes Júnior disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mário Xerxes Júnior disse...

Neste dia choro pelo Gilsão, pela família dele, e choro por você que perdeu esse ¨irmão¨....

(Ana Teresa Nishibe)

Unknown disse...

Foto linda, essa, amigos queridos!

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