segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A incrível história do grupo CPNES - Parte 6

O EFEITO BORBOLETA  E A HISTÓRIA DO MEMBRO NÚMERO 6

Ontem fui a um show do João Bosco. Ele é um músico elegante e impecável. Só ele e o violão. É pouco? Hum hum. É muito! Só seu violão já bastaria, grande instrumentista que é. Só a sua voz também. Juntos, são mais que eu pensei, é mais que sonhava! Sua voz é aveludada e ele a usa de diversas formas dentro da mesma música, modulando seu canto ao sabor da alma. Ver João Bosco cantando é como ver um saxofone que fala. O show homenageia os 40 anos de parceria com Aldir Blanc, um letrista mágico, capaz de escrever uma coisa assim:

Eu aprendi que a alegria
De quem está apaixonado
Écomo a falsa euforia
De um gol anulado
Se, como diz a letra, o fogo da paixão se apaga rápido, vamos logo aos nossos propósitos, antes que se acabe a minha imaginação... Não parece, mas eu tento colocar nos textos o máximo que eu posso de criatividade e imaginação. Mas vê-se que não consigo. Não sou poeta e fim de papo. Não sou alegre nem sou triste, sou jornalista (essa tentativa de paródia da Cecília Meirelles foi de doer - tá vendo como não sou disso?). Narro os fatos. O pouco de imaginação que tenho, gasto tentando escrever certo as palavras, construir as frases com um mínimo de lógica e separar um texto em parágrafos. Acho que é por isso que o Chico Buarque e o Saramago não ligam muito para parágrafo: não devem ter muita imaginação. Assim, não a gastam estruturando frases e parágrafos e também não ligam muito prá ponto e vírgula, não.

Então eu poderia fazer como eles e guardar minha escassa criatividade para criar histórias legais, inventivas, cheias de criatividade e imaginação. Tentarei:

Quem afinal sou eu para querer dar uma de saramago que por sinal nos deixou há pouco ou mesmo quem sou eu para dar uma de chico buarque que foi com sua poesia sua melodia e principalmente com sua postura o meu ídolo musical na adolescência quando eu tinha um caderno com as letras do chico escritas a mão é claro e só de ouvir as musicas parar e ouvir de novo até entender todas as palavras e ainda tem aquelas que a gente não entende nunca imagina agora você aí sobrinho do tio moa imagina um tempo em que não tinha letras de músicas disponíveis na internet nem em lugar nenhum aliás nem havia internet meu deus do céu como é que podíamos viver daquele jeito só mesmo escrevendo as letras de ouvido parando a musica toda hora para passar para o papel e você passava a vida toda achando que a letra dizia vou comer o amigo e vinte anos depois você descobre que a letra dizia vou com o meu amigo.

Esse parágrafo foi de doer, não foi? Está vendo como não posso me comparar a Saramago e Chico? Tudo bem, você sempre soube que eu não posso me comparar a eles. É exatamente por isso que prefiro gastar a imaginação estruturando o texto, o que mal consigo. Contento-me em narrar os fatos, sem floreios, sem invencionices ou licenças poéticas. A verdade, acima de tudo. Por exemplo, quando penso na história do Cobra Parada, tudo é tão real e concreto que eu posso afirmar que não existe outra maneira de contá-la senão esta que empreendo. E se começo com parágrafos meramente decorativos à primeira vista, saiba que eles nunca estão lá à toa. Sua utilidade é, através de exemplos reais, inserir o leitor atento no contexto em que vivíamos, e contar como o futebol, a arte e a atitude corajosa podem influenciar toda uma cidade, um país e o mundo. Sabe aquela história da borboleta que bate as asas aqui e acontece uma puta ventania do outro lado do mundo? O tal do efeito borboleta? Esquece, bobagem, tolice, dê o fora. Nada disso. Não é qualquer movimento que influencia, não. Precisa haver uma soma muito grande de talento, postura, ousadia e criatividade, além de uma descomunal ajuda do acaso.

O ACASO - E foi por acaso que uma determinada pessoa, após passar o dia inteiro estudando para uma prova que faria no dia seguinte (resistência de materiais, disciplina chatíssima do curso de engenharia civil, que fazia na Unicamp, em Campinas), no fim da tarde e mega-cansado, foi direto para o quarto de pensão onde morava. Dormiu até as 9 da noite, quando acordou para ouvir no rádio o jogo do seu time, o Corinthians, contra a Ponte Preta (ficou 1 a 1, gol de Sócrates). Depois sentiu uma baita fome, pois não havia comido nada o dia inteiro, e uma vontade louca de tomar uma cerveja. Geladeira zerada, acabou no bar do Vadico, na Washington Luiz, famoso pelo seu sanduíche de pernil. Essa determinada pessoa, de quem hoje vou falar, é o sexto membro do CPNES, um grupo cuja atuação, como você sabe, no início dos anos 80 mudou a cara de Brasília, do Brasil e, por conseqüência, do Mundo, no campo das artes, da política e da filosofia.

Membro número 6. O bar do Vadico era o reduto de seresteiros, boêmios e senhores da vizinhança, dentre os quais estava um famoso repórter esportivo de Campinas, o Renato Silva, que fazia, na Rádio Brasil, uma sensacional dupla com Sérgio Salvucci, comentarista dos jogos e âncora do programa esportivo. O bar era também o socorro de famintos da madrugada, e nessa condição estava o nosso estudante da UNICAMP, verde de fome. Aliás, verde não, porque é a cor do inimigo Palmeiras. Gilsão estava roxo de fome. Tomava a segunda cerveja, já meio alegre, e nada de vir o tradicionalíssimo sanduíche de pernil. Naquela noite havia só um chapeiro e muitos pedidos. Mas o astral do bar era bom, e Gilsão estava branco, suando de fome, mas com tanta alegria de viver (quem gosta de cerveja sabe do que estou falando) que chegou a pensar que mesmo que morresse de fome antes de o sanduíche chegar, morreria feliz.

Era prá lá de meia-noite quando Gilsão, tentando matar a fome com o cheiro de pernil que o bar exalava, ouviu o chapeiro gritar “olha o pernil da mesa 8”. Aquilo o deixou mais desesperado ainda de fome. Sabe quando você está super apertado, mas vai conseguindo segurar, mas quando chega pertinho da sua casa o negócio parece que vai sair? Era assim que ele se sentia vendo o seu gigantesco sanduíche de pernil sobe o balcão, à espera do garçom. Quintuplicou sua fome.

Nisso, entra no bar o Renato Silva acompanhado de dois magricelos altos. Os dois de cabelos encaracolados, um deles cheio de buracos na cara. Aquela visão fez o Gilsão engasgar a cerveja geladíssima que tomava. Olhou sua mesa e viu as 3 garrafas vazias, como a se perguntar se era o efeito da cerveja ou se ali realmente estavam entrando, e ocupando a mesa ao lado da sua, o Sócrates e o Casagrande. Os dois eram tão naturais àquele ambiente que mal foram notados, ou talvez aquele fosse um costume do Renato Silva, que, ficando junto ao gramado e entrevistando jogadores, era próximo o bastante dos jogadores para levar os mais boêmios ao Vadico. Naquela época não havia o patrulhamento sobre a vida pessoal dos jogadores como há hoje. E do jeito que o doutor Sócrates e o Casão gostavam de enxugar...

Gilsão, com um olho no sanduíche e outro nos seus ídolos, veio com aquela sua típica expressão de resmungo escandalosamente amistoso: “PÔ, MEU, eu não sou de tietagem, não, mas você vem sentar JUSTO do lado de um corintiano?”. “Corintiano! Viu o jogo?”. “Não, ouvi pelo rádio, o locutor disse que você fez um golaço”. “Golaço nada, até você fazia aquele gol”. “Como até eu? Tá me chamando de gordo?”. “Robusto”. Sócretes tem muito bom humor.

Casagrande tinha ido direto ao banheiro e o Renato Silva estava no balcão pedindo os sanduíches para os três. Enquanto isso e com o Gilsão quase desmaiando, o garçom finalmente pegava o sanduíche do balcão e punha na bandeja. Logo estaria alí, na mesa, à sua frente.

Com a proximidade do momento de abocanhar aquele maravilhoso pernil, Gilsão sentiu a boca se enchendo de saliva; estava literalmente babando quando Renato Silva volta à mesa ao lado e disse que ia demorar um pouco, que o pernil acabou e iam buscar “lá na casa deles”, que ficava “logo ali”.

Nisso o garçom vem chegando com o sanduíche do Gilsão.

Casagrande chega do banheiro, muito agitado, e senta à mesa.

O garçom põe o sanduíche na mesa do Gilsão.

“Será que demora muito?”, perguntou Sócrates, olhando, sem querer, para o sanduíche do Gilsão.

Gilsão, mesmo morrendo de fome, gostaria que a conversa com o ídolo rendesse mais e pensou rápido: o sanduíche é grande, já vem dividido em dois e metade já aplaca a fome e me impede de morrer.

“Pô, rapaz, eu tô morrendo de fome”, comentou o doutor Sócrates.

Foi do que o Gilsão precisava. Ato contínuo emendou ao ídolo: “quer metade do meu?”

“Quero”. “Quero”. Não se iludam, leitores ingênuos. Não foi Sócrates repetindo. Um “quero” foi do Sócrates, sim, mas o outro, simultâneo, foi do Casagrande.

“Fudeu!”, pensou Gilsão, que congelou por alguns segundos. Como recusar a metade a um dos dois? Falar “nada disso, eu ofereci só prá um”? Por instantes Gilsão pensou em dar uma de louco, agarrar seu sanduíche e fugir correndo dalí. Suava de fome. E foi chorando por dentro e entoando para si, como um mantra, “sou um imbecil, sou um imbecil” que o Gilsão esticou os braços, oferecendo uma metade para cada um. Casagrande caiu em cima na hora. Sócrates ainda foi polido: “Não, você vai ficar sem nada?”. “Não tem problema, eu jantei bem”. “Então quando vier o nosso, um é teu”. “Tranqüilo, dá prá esperar”.

Mas não deu. Meia hora depois, Gilsão, fraquíssimo de fome, viu Sócrates, Renato Silva e Casagrande ficarem embaçados, escuros, até que tudo se apagou. Mas antes disso deu tempo para o Gilsão falar, enquanto os dois comiam. Falou do interior, de seus antepassados do norte; disse que nunca os conheceu, nem à região, mas que sonhava com aqueles rios, com Juína, com os barcos; disse que "Ita" são os barcos, que são chamados assim porque seus nomes sempre começavam assim: Itaimbé, Itaberá, Itapuca, Itagiba, Itapuhy, Itassucé. Para ilustrar, cantou, com Renato Silva ao violão, uma música de Dorival Caymmi que ele adorava, “peguei um ita no norte”. Gilsão também cantou o clássico do Belmonte, “Saudade da minha terra” (de que me adianta, viver na cidade, se a felicidade não me acompanhar) e “O bêbado e o Equilibrista”, do João Bosco e Aldir Blanc (lembra dos parágrafos iniciais deste post?). Sócrates se emocionou e começaram a falar de política. Gilsão criticou o pessoal do futebol, que tinha muito poder e influência, mas não era politizado.

“Olha aqui, eu vou te falar uma coisa prá você. Não sei se você tá me entendendo. Ôrra, meu, vocês não sabem a força que têm? Imagina o que vocês podem fazer contra essa ditadura. Ôrra meu! É o cúmulo do absurdo você não fazerem nada!”.

Casagrande riu: “O que a gente pode fazer jogando futebol?”. Gilsão, ainda consciente, mas sem resposta, percebeu que tinha exagerado na sua retórica, mas cravou: “sei lá, não sou eu que sou jogador!”. Renato Silva e Casagrande riram muito, aquele riso solto. Sócrates não. Parece ter ficado pensativo. Estava nascendo ali, naquele instante, dentro da cabeça do doutor, a Democracia Corintiana.

Sabe quando o convidado do Jô é tão importante que ele faz a entrevista em dois blocos? Pois a história do Gilsão continua depois do intervalo. “Willem, solta a vinheta!”

2 comentários:

Unknown disse...

Agora fez-se a justiça histórica!
Nunca antes na história deste país um blog foi tão necessário para restaurar a verdade, doa a quem doer.
Parabéns Tio MOA!
Prossiga...

Néia Guimarães disse...

continuo aguardando o restante!!!volta ao passado!!!!

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