Este blogui nasceu da vontade de escrever sobre cinema, um meio de compensar certa frustração por não fazer cinema ou por estar parado no teatro. Coloquei fotos de diretores que adoro, combinadas de imagem de um de seus grandes filmes. Mas fui pressionado a contar toda a verdade sobre a incrível história do grupo Cobra Parada Não Engole Sapo, cuja atuação no início dos anos 80 mudou a cara de Brasília, do Brasil e, por conseqüência, do mundo, no campo das artes, da política e da filosofia. Isso me tirou tempo para escrever sobre cinema. Mas hoje, como pretexto para falar sobre a alegria de viver, vou falar de um dos caras das fotos, a da extrema direita: Jerry Lewis, um gênio!
Você, sobrinho querido do Tio Moa, que já torceu o nariz quando mencionei Jerry Lewis e agora engasgou quando o classifiquei como gênio, certamente sabe que a alegria da vida, definitivamente, está nas pequenas coisas. Primeiro porque, se comparadas com as grandes coisas, as pequenas ganham muito na relação custo/benefício. Se pudesse ser medida, saberíamos que a alegria de viver proporcionada por grandes coisas não é maior que a aquela proporcionada por pequenas coisas. Só que na nossa vida as pequenas coisas acontecem muito mais do que as grandes coisas...
De verdade: se encantar com pequenas coisas é bom demais; e não só porque elas aconteçam mais vezes que as grandes coisas, o que já seria um bom motivo. Mas é que as pequenas coisas são mais legais mesmo. Grandes coisas, por serem obtidas com mais esforço e mais tempo, dão satisfação pessoal, mas não causam encantamento. Ao contrário, as pequenas coisas nos encantam. Talvez elas tenham esse poder por serem prosaicas, cotidianas, e, assim, nos aproximarem mais da nossa alma, afinal a alma é simples; é a poesia que a complica.
O fato é que quando paramos um pouco de olhar fixamente para as grandes coisas, começamos a olhar para as pequenas, acalmamos nossa alma e ficamos livres para nos encantar com elas. Veja bem: encantamento não admiração, é muito mais. É sentir aquela alegria de estar vivo quando vemos a grama verdinha começando a surgir por debaixo da palha depois das primeiras chuvas. É um “oi, tudo bem”, dado de forma esfuziante por uma mulher reluzente. É assistir um filme do Jerry Lewis.
Ta vendo sobrinho? Valeu à pena conseguir ler até aqui. Acabou de saber por que o Jerry Lewis é um gênio: ele nos dá alegria de viver. Depois de 10 anos (advento do DVD) de dedicação à degustação e ao estudo do cinema, decidi rever filmes do cara, para matar saudade, já que cresci os vendo, para fazer uma re-análise dos meus conceitos, extremamente positivos, sobre ele e seus filmes. Achava que gostaria por nostalgia: gosto porque amo, amo não por ser bom ou ruim, mas pelo que sinto ao vê-lo.
Revendo os filmes, lembrei porque os adorava tanto na infância e adolescência. Porque eles me davam alegria de viver. Eu amava aquele cara atrapalhado, ingênuo, franzino, inseguro, sempre subjugado pelos mais fortes e seguros de si. Mas sempre, ainda que involuntariamente, esse cara da voz esganiçada confrontava os fortes e, com base exatamente na sua ingenuidade e inocência, os vencia. De quebra ainda ficava com uma mulher acabava bem. Agora vejam: eu, raquítico, franzino e inseguro que era, só podia ir às alturas com aqueles filmes. Hoje, apesar de não ser raquítico e franzino fisicamente (vê-se), ainda posso gaguejar diante de um esfuziante “oi, tudo bem” dado por mulher reluzente. É aquela porção de insegurança e de pequenez que temos diante de daquilo que nos parece inalcançável (em agosto escrevi que isso me arrebatou no personagem Espósito, de “O Segredo dos teus Olhos”).
Mas ver filmes do Jerry Lewis dá aquela boa sensação de redenção, o que vale para todos, afinal, todos, até você, querido sobrinho, são inseguros (uns escondem até de si mesmos). Nos filmes do JL, as histórias são ingênuas, simples, prosaicas, mas nos fazem bem, são divertidas e leves. Mas ainda que causem ótimas sensações, são apenas pano de fundo para que possamos ver pequenas esquetes encenadas por um gênio.
O humor é tirado não das piadas do texto, mas das expressões faciais e corporais Jerry Lewis. Não confunda expressão facial com careta, tipo as do Jim Carrey. Seu trabalho de corpo é fantástico. Ele conta as piadas com o corpo, baseando-se na transição entre um movimento e outro, e com o rosto, também com a transição bem marcada entre uma expressão e outra. Sempre com precisão cirúrgica, como se houvesse marcado segundo a segundo.
Para ver um filme do Jerry Lewis há que se estar ao mesmo tempo atento e relaxado. Atento para não perder as pequenas maravilhas que podem acontecer a qualquer instante, independentemente da importância daquele instante para a trama.
Veja esta maravilha, em que ele, mensageiro de um estúdio, vai levar uns papéis para a sala vazia do chefão, em “Mocinho Encrenqueiro”, a encontra vazia e viaja.
Na noite de quinta, durante o debate na Globo, assisti “Artistas e Modelos”, um dos muitos filmes que ele fez com Dean Martin. Foi uma maravilhosa troca. A cena em que Shirley MacLaine canta para ele... Ela, fazendo a desajeitada, com voz quase tão esganiçada quanto a dele. Ele, sem fala, dá um show. Veja cada vez que ele, num balé desajeitado, pega as coisas do chão. Ela não fica atrás. É uma daquelas que fazem a vida valer à pena. Veja:
Ver cenas isoladas não causa a mesma sensação. Essas são as grandes cenas, mas há beleza e pequenas maravilhas espalhadas por todo o filme. E como falei lá atrás, as pequenas coisas nos encantam e nos dão alegria de viver.
Troque seu livrinho de auto-ajuda por um bom filme do Jerry Lewis. Há, em DVD, “O Otário”, “Errado prá Cachorro” e “O Professor Aloprado”. Este último é um baita filme, talvez seu melhor, e certamente uma das melhores comédias de todos os tempos. Qualquer dia falo só dele. Ah, não confunda com aquelas chatices do Eddy "Chato" Murphy, nada a ver.
Prá encerrar: quando eu me encanto com um radiante “oi, tudo bem” ou uma grama nascendo depois da seca, percebo que as coisas simples, na verdade, não são assim tão simples. Pelo contrário, são, em si, grandes conquistas, pequenas maravilhas pelas quais vale à pena viver.
5 comentários:
Tio Moa,
quando te conheci, no tempo em que ainda eras sobrinho, na hora pensei: "esse cara é igualzinho ao ´O Meninão´" (Filme do JL de 1955)
Moa, o simples (que na verdade é esplêndido)é poesia, a gente que pensa que tem que ser exceção... Amei o post. Bjs
Tio Môa,
(Sobre o "gaguejar diante de um esfuziante 'oi, tudo bem' dado por mulher reluzente")
O Vinicius de Moraes, definitivamente nada medroso, disse "Enquanto eu tiver língua e dedo, mulher nenhuma me mete medo".
Dizem que como resposta veio uma declaração do Adoniran Barbosa, mais ou menos assim: "Num sei cumé qui são as muié do Rio, mas aqui em SumPaulo, elas num qué sabê di cuver, elas qué sabê di armoçá"
- Não sei se você sabe, tio Môa, que o Vinicius e o Adoniran não se bicavam. O Vinicius criticou muito o samba paulistano cantado "errado", sem o formato do samba branquelo carioca(...)Ele se redimiu depois de velho, quando, em parceria com o Adoniran, compôs a maravilhosa, incrível, lindíssima 'Bom dia, tristeza' - uma das pequenas coisas pelas quais viver vale a pena.
--- Adorei o texto. JL é fantástico!
É... Definitivamente o Vinícius estava errado. Mas é comum os elitistas deixarmos de perceber as maravilhas escondidas em meio ao que consideramos lixo... E sempre é tempo de encontrá-las. Adoniran é gênio, o que pode ser comprovado com isto:
Iracema, eu nunca mais eu te vi
Iracema meu grande amor foi embora
Chorei, eu chorei de dor porque
Iracema, meu grande amor foi você
Iracema, eu sempre te dizia
Cuidado ao travessá essas ruas
Eu falava, mas você não me escuitava não
Iracema você travessô contra mão
E hoje ela vive lá no céu
E ela vive bem juntinho de nosso Senhô
De lembrança guardo somente suas meia, seus sapato
Iracema, eu perdi o seu retrato.
Isto que eram filmes bons em sessão da tarde,desfrutar de uma companhia tão maravilhosa qto jl e o que resta p/ estas crias de hoje ver?que reprisem todos,pois teriam um público certo!
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