domingo, 2 de outubro de 2011

AS AMIZADES MODERNAS E A ALTA FEROCIDADE

Tenho recebido muitas solicitações de amizade no facebook, mas reluto muito em aceitar. Não que eu não goste da pessoa que me convida, não é isso. A seta do mouse até chega ao botão de confirmar, mas algo me trava e resolvo deixar para depois. Sinto-me um anti-social ao não aceitar logo, como amigos, algumas pessoas muito muito muito legais. Tem o Márcio, o Eusébio, a Eunice, o Nérso e mais um monte de gente que gosto muito. O problema é que ainda estou muito preso ao antigo conceito de amigo: aquele que a gente pode contar todas as nossas bobagens, contar quando pulou a cerca, quando brochou; amigo é aquele que a gente dá dura, que diz pra gente não comer sal, que a gente pode até dizer que não quer vê-lo naquele dia. É aquele que a gente pode pedir dinheiro emprestado (mais do que pra família, até).

Cena do Segura a Onda (Curb your entusiasm), que passa na HBO: (aquela série do ator de “Tudo Pode Dar Certo”, do Woody Allen). Larry David (ele interpreta a si próprio) está em Nova York, em viagem; entra num restaurante chinês pra pegar comida para viagem que houvera encomendado e encontra um conhecido, creio que do trabalho.
Conhecido: Oi Larry, você também está aqui?
Larry: Parece, não é?
Conhecido: Que ótimo
Larry: Por que ótimo?
Conhecido: Ora, porque... Porque é bom ver alguém conhecido. Vamos almoçar?
Larry: Não, eu estou levando almoço para viagem, vou almoçar no hotel.
Conhecido: Para quê comer sozinho no hotel? Vamos almoçar juntos.
Larry: Na verdade eu não acho uma boa idéia.
Conhecido: Ora, por que não? Somos da mesma cidade e estamos aqui, de viagem. Porque não almoçarmos juntos?
Larry: Porque iríamos almoçar juntos em outra cidade se nunca almoçamos juntos na cidade em que moramos?... Quem disse que estarmos juntos em Nova York é um motivo para almoçarmos juntos? Sinto muito, eu só almoço com amigos.
Conhecido: Você já parou para pensar que nós só não somos amigos porque nunca almoçamos juntos?
Eu sei que o atual conceito de amigo não é mais aquele antigo, mas enquanto eu não descobrir qual é o novo conceito só aceitarei amigos no Facebook de acordo com o conceito que falei acima, ou seja, aqueles para quem eu possa pedir dinheiro emprestado... Ei, isso não foi para afugentar ninguém, não! Não foi nada do tipo “pense bem antes de pedir minha amizade no Facebook”. Pode continuar pedindo; não estou excluindo ninguém, estou apenas deixando lá, esperando eu mudar meu conceito de amigo...  Ou entender como é essa nova amizade nas redes sociais.
Tem mais um problema: essas redes sociais me assustam um pouco, ou “um muito”... Parece haver uma predisposição para a briga. Muita gente confunde ser contundente em suas opiniões sobre um tema com ser grosseiro com uma pessoa que está passando por ali. As pessoas estão sempre se sentindo ofendidas. Estão sempre prontas a interpretar qualquer coisa como uma agressão.
Um dia desses estava no trânsito e em algum momento me distraí e passei um pouco para a faixa ao lado, pouca coisa, creio que, no máximo, um metro, nada que tivesse posto em risco quem estava ao lado. De fato, havia alguém ao lado. Nem deu tempo para ele buzinar, pois corrigi na mesma hora. Entretanto ele deve ter se assustado e reduziu: normalíssimo, é o que fazemos por prudência. Depois percebi um carro ao meu lado, mantendo a minha velocidade. Demorei a perceber que era o tal, o ofendido.  Olhei para o lado, ele estava lá, me encarando. Pedi desculpas com um sinal. Voltei a olhar para frente e desacelerei um pouco para o cara seguir seu caminho com seu mau humor, só que ele também reduziu. Olhei de novo e ele estava lá, de vidro aberto, me encarando, querendo dizer alguma coisa. Xinga e extravasa, pensei. O que mais eu podia fazer além de pedir desculpas? Fiz outro sinal de desculpas, mas acho que não era isso que ele queria: continuou ali. Eu acelerava, ele acelerava, eu reduzia, ele reduzia. Aí olhei fazendo aquela expressão de “o que você quer, o que eu posso fazer, errei, pronto, acabou?”. Ele começou a vociferar. Achei ótimo... Só que ele não parava, não parava e não parava. Mudei de tática: dei um sorriso e mandei um beijo bem gay, atirando com a palma da mão. Perturbado, ele desacelerou, depois deve ter se refeito, acelerou, ultrapassou-me, botou as duas mãos para fora da janela, a mão direita deu um soco na esquerda, espalmada. Não sei se ele entende sinal de desculpas, mas eu entendo o sinal de “vou te dar uma surra”. Eu mandei mais um beijo, entrei à direita e ele sumiu... Imagino que deve ter tido um infarto fulminante.
Voltando ao Larry David, ele levou a comida para o hotel, mas todos os potes vazaram. Ele ficou puto. Num outro dia voltou ao restaurante e contou ao dono o que havia acontecido, reclamou muito, contou com detalhes, falou que quem lida com comida para viagem, tem que se preocupar com tudo, não apenas com a qualidade da comida, mas também com a qualidade da embalagem, que tem que fechar com fitas e grampos. Depois de ouvir tudo, o chinês falou.
Chinês do restaurante: Eu entendo. Vou agora mesmo mandar fazer outra comida para o senhor.
Larry: Não, o senhor não entendeu. Eu não vim até aqui para pedir outra comida.
Chinês do restaurante: Mas você tem direito.
Larry: Tenho, mas não preciso disso. Quero apenas alertá-lo de que as embalagens foram mal fechadas, que se deve ter cuidado com as embalagens, que vocês têm que pensar que as pessoas levam em sacolas, que as sacolas se mexem, balançam, e as embalagens viram.
Chinês do restaurante: E então...?
Larry: Como “e então?” As embalagens têm que ser reforçadas, tem que colocar fita adesiva, grampos.
Chinês do restaurante: O senhor já falou isso, já falou da qualidade, dos grampos, da sacola que vira. Eu já ofereci outra comida e o senhor recusou e está repetindo tudo de novo. O que eu tenho que fazer pára o senhor parar de falar e me deixar trabalhar?
Larry: (sorri, com aquela carinha de astuto irônico) Que tal um pedido de desculpas?
Chinês do restaurante: (respira fundo, contorna o balcão para ficar de gente com Larry e inclina levemente o dorso para frente, em reverência) Desculpe-me senhor.
Larry: (surpreso, feliz e muito impressionado) Ah! Puxa, isso foi uma reverência? Foi com reverência e tudo?
Chinês do restaurante: É um costume do nosso povo
Larry fica mostra-se muito satisfeito e sai.
Retornando ao meu medo de redes sociais, que na verdade é um medo das pessoas, pegue qualquer noticiário via internet e veja os comentários. Um comenta, o outro agride quem comenta, aparece um monte de agressores que se esquecem do que discutiam e trocam ofensas. Um horror isso que chamam de participação das pessoas.
O bom de tudo isso é que todos têm espaço para emitir sua opinião, expor sua arte, expor seus gostos, expor suas preferências, expor seus anseios, expor suas dúvidas, expor seus amores, seus amigos, expor... Ei, não é exposição demais, não? “Parece um pouco assustador, não é?” (Arnaldo Baptista) Mas é moderno, é real, é isso aí mesmo... O mundo mudou. Talvez recusar isso tudo seja entrar na caverna de Platão. Talvez precisemos de um meio termo, afinal, de tudo isso, dos amigos que não são amigos pode aparecer um grande amigo, do amor virtual pode nascer um grande amor...
Mas o Larry, andando pelo Central Park viu um grupo de orientais e um derrubou o sorvete do outro. O senhor que derrubou pediu desculpas e fez uma reverência inclinando o dorso para frente, como aquele do restaurante fizera, só que este se inclinou muito, praticamente 90 graus. Larry ficou com a pulga atrás da orelha e abordou o grupo, perguntando sobre aquele movimento. Um senhor que falava inglês explicou que era muito importante fazer aquilo para provar que realmente estava pedindo desculpas.
Larry: Sim, eu entendi. Mas eu percebi que você não se inclinou só um pouquinho, você se inclinou muito.
Oriental: Sim, sinal de respeito e de verdade.
Larry: É um belo costume. Agora suponha que alguém derrube o sorvete do outro e no lugar de fazer assim (faz a reverência de 90 graus) fizesse só assim? (faz a reverência com leve inclinação, como o chinês do restaurante fizera)
Chinês do restaurante: (franze a sobrancelha) Ele não estaria sinceramente arrependido, estaria zombando de você... Seria um grande desrespeito!
Larry, obviamente, foi correndo ao restaurante!
Como navegar nesse novo mundo, com novas tecnologias e novas pessoas? Não faço a menor idéia. Talvez a caverna seja a salvação do mundo. Talvez o mundo nem precise de salvação, porque durante toda a história da humanidade existe a constatação (ou a sensação) de que as pessoas estão cada vez piores e de que o mundo está se acabando, e, como se vê, o mundo ainda não se acabou.
Durante a nova discussão com o chinês do restaurante, Larry descobriu que o cara com quem ele não almoçou, quase morreu engasgado naquele almoço e está internado. Sentindo-se culpado, pegou comida chinesa para viagem, que o dono do restaurante embalou cuidadosamente, em potes lacrados com fitas e grampos).
Larry lmoçou no quarto do hospital, com seu novo amigo. 

5 comentários:

Anônimo disse...

Criei dois peris falsos numa rede social: um deles tem a foto do Kusturica e o nome de um dos integrantes do Língua de Trapo: tem quase mil amigos aumentando; o outro tem a foto do Einstein quando menino e um nome esquisito que inventei: tem quase mil amigos e aumentando (ambos recebem em média três convites por semana para amizades noves e, claro, aceitam todas). No início um era o único amigo do outro. Como foi que conseguiram tantos amigos assim? Creio que se eu criasse um perfil real em qualquer uma dessas redes que aparecem (a moda agora é o "face", um dia foi o orkut, amanhãs qual será?) talvez chegasse a uns 50 ou 100. É muito estranho esse negócio, mas acho que é fácil ter amigos virtuais. Difícil, negão, é ter amigos reais: esses te enchem o saco, pedem grana emprestada, peidam perto de ti, gozam da tua cara quando o time perde, te falam as verdades na cara, etc.
Tô quase pedindo pra sair...
abraços,
Panta

Tio Moa disse...

Graaande!!!

Juliana disse...

Sou muito suspeita para falar dessa modernidade toda, pq minha relação é de dependência da internet. Especificamente sobre o tema amizade, alguns amigos que tenho, surgiram através desse "trem". Meu casamento nasceu de uma conversa no bate papo. Hj, mantenho contato com os queridos (família + amigos) através desta mesma ferramenta. A meu ver, a internet é apenas um canal de conhecer pessoas. Certamente, por aqui, é mais fácil se aproximar, por isso os vários pedidos de amizades...E nestes pedidos pode ter a oportunidade de florescer um carinho maior! uma amizade forte mesmo. E como tudo na vida, rola a seleção natural. Os bons permanecem. Bjk

Anônimo disse...

não quero amizade com quem não conhece stanislau...

Tio Moa disse...

Falando nisso, o estranho é que ficou tão forte o nome do personagem que as pessoas acham que era um cara de verdade... Senão diriam "você não conhece Sérgio Porto?". E viva a Ponte Preta!!!

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