sábado, 29 de outubro de 2011

JANELA INDISCRETA E O TRIUNFO DA MULHER

Antes de começar a ler: está vendo essa desconfortável marcação branca nas letras do texto? Não consegui tirar nem a pau!!! Pronto, pode ler.
Na semana passada, a propósito da acusação de exploração da mulher como objeto, sofrida pela propaganda da Hope em que Gisele Bündchen usa seu corpo, por sinal delicioso, para enrolar o marido, Luiz Felipe Pondé escreveu na Folha que a mulher, mesmo quando usa sua beleza, não é um indefeso objeto do homem. Pelo contrário, ela exerce o poder feminino sobre o desejo do homem, este sim, ao que tudo indica, indefeso. Completa Pondé:
Aliás, desde o jardim do Éden. Apesar de Deus ter dito a Adão "não pode comer a maçã!", Adão não resistiu a Eva: "Come meu amor, come!". E Adão caiu de boca. O velho poder feminino.
Ontem revi, pela enésima vez (e nunca é demais), “Janela Indiscreta”, do mestre, do extra-terrestre, do maior de todos, Sir Alfred Hitchcock. Hitch (já disse que somos íntimos, não?), que tinha complicações seríssimas com as mulheres, explorava ao máximo a beleza da mulher em seu cinema. Mas, igualmente à propaganda, a mulher não é objeto, mas sujeito. Não é exagero afirmar que a temática central de Hitchcock é o confronto das posições opostas do homem e da mulher. O suspense, os crimes complexos, a linguagem cinematográfica e o recorrente tema do homem comum apanhado pelo destino e tendo que se livrar de alguma grave complicação, enfim, tudo aquilo em que o Mestre é absolutamente genial, é pano de fundo, é forma, é temática objetiva. A temática central subjetiva é o duelo das posições homem-mulher.E aqui a ligação: no cinema de Hitchcock, as situações colocam as mulheres aparentemente em inferioridade, mas no fim a lógica feminina sempre prepondera, sempre acabam mostrando que elas é que comandaram a situação. E nisso o cinema não faz outra coisa senão retratar a realidade. Nós, homens, sempre achamos que escolhemos e conquistamos as mulheres, mas todos, eu, você, leitora ou leitor, espertos ou chatinhos, até os sobrinhos do Tio Moa sabem: as mulheres é que nos deixam pensar que nós as escolhemos, mas sempre é o contrário. Elas nos dominam.
Voltando ao genial, ao filme de melhor arquitetura da história do cinema, “Janela Indiscreta”: lá ocorre de modo diferente: desde o início a mulher subjuga o homem indefeso - James Stewart passa todo o filme numa cadeira de rodas. Mas o homem, homem que é, esperneia: é o fotógrafo afastado do trabalho, mais velho, feio e pobre, que esnoba e se recusa a casar-se com o protótipo da mulher perfeita, rica, inteligente, bem sucedida, lindíssima e apaixonada por ele. Olha ela aí ao lado, na sua primeira aparição do filme, chegando quando Jeff dorme e debruçando-se sobre ele para beijá-lo.
Mas Jeff (é o nome dele) não quer se casar, alega que ela é muito perfeita para ele! Pode? Diz ser um aventureiro enquanto ela é uma dondoquinha da hight society. E ela: ah é? E dá um baile no impotente (porque engessado na cadeira de rodas).Um pouco da história: ele fica olhando pela janela a vida íntima dos vizinhos, sob reprimendas dela, Lisa (Grace Kelly) e da massagista, a engraçada Telma Ritter que, aliás, trava com ele alguns diálogos deliciosos. De repente, por algumas coisas que vê, começa a desconfiar que um dos vizinhos matou a esposa. Lisa duvida, ironiza, mas, mesmo tendo condenado o ato, começa a observar os vizinhos. Olhar escondido a vida dos outros é algo irresistível (o filme discute isso também).  
Lisa, enfim (e no exato momento da foto ao lado), começa a desconfiar, pedem ajuda a um detetive amigo de Jeff, o que não ajuda muito. Bom, alguém tem que fazer alguma coisa para descobrir, mas quem, já que Jeff está entrevado? Isso, leitor inteligente (aliás, já é sinal de inteligência ler este humilde blógui), isso mesmo: ela, Lisa, a bela e bem vestida, que a partir de então dá um show, mostrando ao homem o que, mesmo com seus esvoaçantes vestidos de grifes francesas, é capaz de fazer. Vê-la ultra bem vestida trepar pelas janelas é sensacional. Soberbo o momento em que ela, animada, entra na sala vinda de uma excursão perigosa: Hitchcock dá um close em Jeff, deslumbrado, caído de quatro, como sempre ocorre aos homens apaixonados. Fantástico!
Quanto à técnica, Janela Indiscreta é inovador: de um único ponto de vista, a janela de Jeff, mostra várias histórias. Ou seja, nós vemos sempre pelos olhos de Jeff. E, vamos confessar: como é bom olhar pela janela dos vizinhos! Ah, não pode? Tudo bem, tem um monte de coisas que não fazemos porque não pode, mas que são boas, são.
No filme, nunca entramos num apartamento de algum vizinho, sempre os ouvimos de longe, quando ouvimos. Mesmo quando o ponto de vista não é o de Jeff, tudo é mostrado do apartamento dele. Por exemplo, numa cena em que ele está dormindo, as coisas estão acontecendo nas casas dos vizinhos e continuamos a ver apenas do ponto de vista da janela dele. Assim, Hitchcock nos coloca também como voyeurs, também bisbilhotando a vida alheia, aumentando ainda mais nossa identificação com Jeff. Inclusive há algo importante que nós vemos e ele não; Hitch nos dá uma informação relevante e não dá ao protagonista, o que aumenta ainda mais o suspense.
Tudo nos é mostrado como um mosaico, com pequenas cenas e muitos, mas muitos cortes mesmo, como na seqüência abaixo, o que vemos é:
ð      Jeff olhando para baixo;
ð      Corte para a janela da “Srta Coração Solitário”;
ð      Corte para o rosto de Jeff, interpretando o que vê - num diálogo conosco, felizes expectadores do filme e da vida alheia. Depois os olhos de Jeff sobem e vão um pouco para a esquerda;
ð      Corte para o apartamento da bailarina;
ð      Corte para o rosto de Jeff interpretando o que vê. Depois seus olhos sobem mais e vão para a direita;
ð      Corte para o apartamento do compositor em crise criativa;
Vista parcial do cenário de janela Indiscreta 
E assim por diante, numa seqüência de centenas de cortes que, montados, compõem um todo linear e harmônico, fácil para o expectador acompanhar, mas ultra-complexo de executar. Janela Indiscreta deveria ganhar um Oscar eterno de montagem. Uma obra-prima. Tudo isso é feito num cenário gigantesco, dentro de um galpão em que aproveitaram até os dois andares de porão (cortaram o chão do estúdio para ampliar a altura). A iluminação também é genial: há luzes para manhã, para tarde, para fim de tarde e para a noite.
Voltando à nossa heroína, ela realmente dá um baile! Este blógui já falou do “O Feitiço do Tempo” afirmando que o filme coloca a mulher num pedestal, com o homem tendo que dar duro, trabalhar e suar muito para melhorar como ser e merecer o seu amor. Pois em Janela Indiscreta a mulher é ainda mais valorizada: Lisa é inteligentíssima, espirituosa, tem espírito de aventura, coragem e capacidade para resolver as coisas e ainda enganar o homem, fingindo submeter-se, para que ele possa viver a ilusão masculina. O take final, de ironia sutil e inteligente, sintetiza isso (confira). Hitchcock devia ser idolatrado pelas mulheres.
Leitor e leitora: com a masculina autoridade de autor deste blógui a que você, femininamente se submete, eu ordeno: pegue agora mesmo o DVD na sua estante e reveja o filme. O quê? Não tem? Não acredito... Tudo bem, vá lá, está perdoado (a), desde que corra neste instante até a locadora, volte e veja uma, duas, três vezes antes de devolvê-lo. É um favor que você faz a você mesmo.
Para os mais novos, para os sobrinhos do Tio Moa, a para os que têm dificuldades de ver filmes antigos (as dificuldades são tratáveis, fique tranquilo): vejam este trailer montado do jeito moderno.
Tem balada? Que nada!

Algum Show? No, no, no!

Viagem? Bobagem!
Fique com Janela Indiscreta e depois agradeça ao Tio Moa, ao Laraia, a este blógui e a deus, ops, Deus.

Um comentário:

Ana Lúcia disse...

Adorei o post e as comparações da propaganda atual com o filme... =)

Incríveis como sempre!

Ahhh... um post dedicado à você hoje! Vai lá ver.... bjsss

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