Bem, amigos do Cobra Parada, as olimpíadas estão começando... HAJA CORAÇÃO!!!
Haja coração para acompanhar os atletas brasileiros que, como nós, sofrem do complexo de vira-latas, como disse o sapientíssimo Nelson Rodrigues. Sim, nascemos perdedores, sabemos disso, e não me venha o Shiniashik ou quetais dizer que somos vencedores porque entre milhões de neurônios etc etc etc. Essa consciência da nossa sina perdedora tempera nossa vida com bacias de angústia.
Só fomos (passado) os reis do futebol porque o futebol era o único esporte para um país com muito espaço e com muita gente pobre, sem ter o que fazer, sem educação, sem trabalho e sem cultura; adubos perfeitos para o futebol. Acabou, voltamos à sina perdedora. Podemos arrumar desculpas para as derrotas, mas o fato é que perdemos porque não somos mais os melhores, longe disso. E o vôlei? Bem, o vôlei andou ganhando, tudo bem, mas mesmo no vôlei somos perdedores. Perdedores que adoram ganhar só por picardia!
Na hora de decidir, temos que ser vinte vezes melhor que o adversário, temos que massacrá-lo, porque senão, se a decisão está ali, equilibrada, o que acontece é que amarelamos. Até nosso cavalo amarela! Lembra do cavalo Baloubet, favoritíssimo, que em Sydnei refugou TRES vezes?
Pois o fato é que sofreremos nas próximas duas semanas na frente da televisão. Mas já começamos a sofrer hoje, logo na abertura de uma Olimpíada. Sofrer na cerimônia de abertura? Sim, eu vi a abertura pelo Sportv e me senti o mais pleno e vagabundo cachorro vira-latas tomado de sarna, com fome e com sede.
Ora, direis, a abertura não foi assim ruim, e eu vos direi, no entanto: a abertura das olimpíadas me deixou pálido de espanto, tão sensacional que foi. Apesar de achar que essas aberturas são todas de uma chatice monumental e breguice faraônica, estava curioso pelo fato de um cineasta (Danny Boyle, “147 horas”, “Quem que ser um milionário”) tê-la dirigido. Pois fui tomado de assalto por um gigantesco espetáculo que encenou transformação do país (e do mundo) desde a era agrícola até os dias das redes sociais. Tudo por meio das mais características manifestações artísticas inglesas. Lá estava o cinema que inventou James Bond e os saltos de aviões. Lá estava o tradicional humor inglês. Lá estava a vida urbana e baladeira de Londres e lá estava, sobretudo, a música. Momentos mais marcantes:
• O campo, com cavalos, vacas, gansos e galinhas e fazendeiros e sua transformação nas fábricas da revolução industrial, com as gigantescas chaminés brotando do solo, a encenação perfeita, centenas de atores, a exploração dos trabalhadores e a forja dos anéis olímpicos;
• A cena com o Rowan Atkiinson, o Mister Bean, como instrumentista da orquestra que tocava o tema de “Carruagens de Fogo”. A cena, genial e engraçada, brinca com a música e com o filme, ao mesmo tempo ironizando-os e homenageando-os.
• A cena, filmada, do James Bond (Daniel Craig) recebendo a missão da Rainha Elizabeth em pessoa (acho). A Missão é levá-la ao estádio para a abertura das olimpíadas. Embarcam num avião. Quando o avião sobrevoa o estádio, no filme e ao vivo, eles saltam. Engraçadíssimo ver a rainha, velhinha, se jogando do helicóptero para, em seguida surgir, com a mesma roupa, entrando no camarote real.
• A cena no hospital infantil, com Mike Oldfield tocando ao vivo Tubullar Bells, os vilões (Voldemort, Gancho) e as dezenas de Mary Poppins chegando dos céus nos seus guarda-chuvas.
• A viagem ao tempo através da música, com projeções de bandas, danças e coreografias. Um espetáculo praticamente o de um desfile de escola de samba do Rio, só que muito mais amplo, complexo e, com mil desculpas, muito melhor.
• O apoteótico final da cerimônia, com o acendimento da pira olímpica mais criativa e gigantesca da história, que culminou com uma imagem aérea do estádio e de todo o complexo olímpico com o majestoso espoucar de fogos de artifício, tudo ao som glorioso de Eclipse, música que finaliza The Dark Side of The Moon, do Pink Flyd, o melhor álbum de música pop de todos os tempos.
• A concepção geral, que privilegiou os bilhões de expectadores do mundo ao integrar todo o espetáculo com a TV. Bom, não queria ser óbvio, mas teve o chatinho do Paul com a sempre maravilhosa Hey Jude e seu indefectível transe delirante coletivo náaaa, náaa, náa, ná, ná, ná, na.
Bom, voltando ao despertar do cão vira lata que mora dentro de mim ao ver a transmissão pelo SPORTV: já que não foi pela qualidade do espetáculo, então porque foi? Sim, o motivo foi ele, o dito cujo, o carcará, o sujeitinho: Galvão Bueno. Não sou do tipo que não gosta, mas não muda de canal. Também não sou dos que aderem a movimentos e campanhas, como a que pede “Cala a boca, Galvão”. O problema é que hoje o som da ESPN estava muito ruim, e a música era o personagem principal do espetáculo.
Além disso, os narradores de hoje no Sportv eram Milton Leite, disparado o melhor narrador da atualidade, e o Luiz Carlos Junior. O primeiro, além da voz agradabilíssima, é espirituoso e sempre capaz de tirar da manga um improviso, uma grande sacada, um comentário inspirado. Luiz Carlos Junior fez uma ótima tradução simultânea e recheou sua narração com comentários concisos e informações que revelaram, além da leitura do guia distribuído, uma boa cultura geral. Enfim, os dois conduziram com maestria a transmissão, embora pudessem falar um pouco menos na próxima vez. Deveriam ser os narradores oficiais do carnaval, no lugar dos intragáveis Kleber Machado e Luiz Roberto.
Entretanto, no caminho do prazer havia uma pedra. Galvão Bueno hoje foi comentarista, veja você. Sua voz entrava sobre a dos narradores (ele estava num estúdio). Suas observações tinham o tom de demiurgo, de arauto oficial do deus brasileiro, um deus criado por ele mesmo, Galvão, para gerir o país em seu lugar, já que ele viaja muito. Seus comentários de hoje não foram apenas chatos, óbvios ou equivocados. Ele não apenas leu prospectos explicativos como se fosse sua própria opinião, como se sempre tivesse frequentado a casa do Keneth Branagh. Hoje ele fez mais: encarregou-se de ser o garoto propaganda das olimpíadas no Brasil. Não falou de outra coisa. Estava atento a qualquer erro no evento, como se estivesse narrando um Brasil x Argentina (louco para algum argentino fazer uma falta um pouco mais forte para que ele possa dizer que argentinos são catimbeiros e só sabem brigar, como se não soubessem jogar futebol).
Odiou a rainha pulando do helicóptero com James Bond. Disse que tem certeza que no Brasil nós não vamos jogar rainha nenhuma do helicóptero! Ah, também disse que o ator deveria ser o Sean Connery, que escalar o atual James Bond, Daniel Craig, foi uma pisada na bola do diretor, e que além de tudo, o Sean Connery atual, com seus 80 manos, combinaria mais com a Rainha. Leitor, para já de rir, não é piada, nem mentira, ele disse isso mesmo. Disse ainda que no evento faltou calor humano, e que essa é a marca do Brasil, ou seja, aqui a abertura será muito melhor. Eles têm música? E a música brasileira, então? Temos muito mais!!! Asqueroso.
Pessoa boa que sou, ofereço uma interpretação positiva sobre o atual estado de Galvão Bueno: depois de décadas como o porta voz esportivo da oficialidade, como proprietário único da opinião de todo o povo brasileiro e como defensor intransigente de seja lá quem, ou o que, esteja no poder, a mente de Galvão Bueno se obnubilou, e hoje ele não tem mais a menor noção de realidade. Só o que vê na frente é inexorável caminho para a vitória e para a glória de um povo que só existe na cabeça dele, um povo lunático que não come, não estuda, não vê filme, não faz sexo, não tem aspirações profissionais, não cria filhos, não tem dívidas, não trabalha, enfim, um povo que não vive, um povo que só tem um desejo: demonstrar que é superior a todos os outros povos, um povo que merece muito mais do que qualquer outro povo, porque é um povo mais alegre, mais criativo, mais cheio de ginga, mais moleque, um povo que tem muito mais coração do que qualquer outro. Se for este o caso, basta uma internação.
Mas como tenho um lado mau,embora talvez mais realista, ofereço uma interpretação alternativa sobre o atual estado do Galvão: ao diminuir os momentos fantásticos de realização artística do evento em Londres, decretando que no Brasil “com toda certeza” faremos muito melhor, ele despertou, ao menos em mim, o complexo de vira-latas (sei que vamos perder). No lugar de me deixar mais ufanista, me deixou mais temerário pelo mico que podemos fazer, ou, o que é ainda pior, imaginando o quanto, para fazer um evento maravilhoso, e de última hora, é claro, nossos políticos e empresários poderão se enriquecer as nossas custas. Pensei no tanto que o país desviará da educação, pesquisa e desenvolvimento. Lembrei-me que a gigantesca Vila Olímpica de Londres custou menos que o orçado, enquanto que o Pan realizado no Brasil saiu 10 vezes o valor previsto.
Assim que terminou a cerimônia (de uma olimpíada que, por sinal, ainda vai começar), ele disse algo como: esta cerimônia foi boa? Sim, foi boa, mas é passado. Agora o único assunto que importa é a abertura das olimpíadas no Brasil. Ou Galvão está completamente insano ou ele é realmente muito, mas muito imbecil. Bem, há ainda a hipótese de ele ser um objeto útil, é claro.
Será que na “vida real” ele também é assim? Ou é só um personagem? Seja como for, seja apenas um personagem, ele não apenas é chato ou insuportável. Ele é pior: ao pintar o país em cor de rosa (ou em verde e amarelo), Galvão Bueno faz muito mal, não só para o esporte, mas para o próprio povo brasileiro, que ele tenta manipular, para deleite de quem disso se beneficia.
Para finalizar, um momento de diversão: como já citei, para tudo o que havia no evento, ele dava uma ideia de o que poderemos fazer aqui. Comparou o que mostraram lá com o que temos aqui em termos de literatura e folclore. Eles têm Harry Potter? Pois nós temos o Saci Pererê! (desculpe, mas tenho que soltar um kkkkkkkk). Com todo respeito, tenho a impressão de que o nosso simpático saci não seja tão conhecido mundialmente quanto o Harry Potter. A não ser que até as olimpíadas do Rio, o Galvão percorra o mundo disseminando as aventuras do Saci. Verba pública não vai faltar.