Pois é... Bibi Ferreira morreu! E daí? Idosa, 96 anos, teve
uma morte que não se pode chamar de surpreendente, uma morte sobre a qual não
haverá quem diga “coitada, né, morreu tão
nova!”. Uma morte que veio na sequencia de grandes tragédias...
- Na primeira, morreram mais de 300 pessoas de forma
totalmente inesperada (inesperada para elas, não para a Vale, como agora se
sabe), em meio a um mar de lama pesada;
- Depois, 10 garotos que viviam o sonho de ser alguém no
futebol e de conseguir dar uma boa casa e um bom carro para os pais, estavam, agora
literalmente, sonhando no momento em que uma fumaça tóxica os sufocava até a
morte (pelo menos preferimos acreditar que morreram assim, sem conscientemente sentirem-se
arder).
- Finalmente (é o que esperamos), calou-se uma voz que
fazia parte de nossas manhãs (ao menos das minhas), a voz de um cara gente fina
demais, uma cara muito importante para o Brasil. E se calou justo quando ele podia
estar improvavelmente escapando de uma queda, mas foi atropelado pelo helicóptero
que fora abalroado por um caminhão. Quer algo mais improvável? Sua morte é como se uma
daquelas chuvas do Rio tivesse caído sobre o sol, o apagado e nunca mais fosse haver uma
manhã.
Isso tudo, sim, é que é relevante, não a morte de uma mulher
de 96 anos, mulher da qual, inclusive, a imensa maioria das pessoas nem imagina
quem seja. Mas é justamente sobre a Bibi que quero falar, digo, escrever, e o faço sem
corretor, porque teatro é ao vivo... Foi sua morte, não prematura nem
surpreendente, que me compeliu a publicar este pôsti neste semidesértico blógui.
Morreu Bibi Ferreira!
Caralho! Sabe o que descobri hoje? Que ela era meio que uma mãe
para mim! Foi ela que enfiou essa coisa nas minhas estranhas entranhas; essa
coisa da qual nunca pude, e nem quis, fugir; essa coisa que também não precisei
buscar: entrou em mim desde que vi a diva no palco do Teatro São José, no
bairro do Taquaral, em Campinas, interpretando Joana, amante de Jasão, na peça
Gota d’Água, lá pelos idos de 78, 79... O teatro, que nos anos 50 e 60 havia
sido um cinema, hoje é uma igreja evangélica. Nada contra... Mas se deus já está
em todo lugar, pra quê ocupar um tão raro espaço do teatro? Na verdade, tudo
contra.
Só sei que aquela atuação foi um petardo na minha alma, me fez
ver que a vida era muito maior do que aquilo que meus poucos dois olhos podiam
ver; Bibi me deu mais uns trinta olhos, sério mesmo! A dimensão emocional
daquela atuação me colocou no teatro, me despertou este Alien que eventualmente
sai de mim como saiu da barriga do cara no filme.
Bibi não era uma atriz espetacular, era muito mais que isso.
E nem vou falar da extraordinária cantora, das décadas e décadas de atividade
em altíssimo nível, da diretora e sei lá mais o que ela era.
Não se tratava
somente de sua apuradíssima técnica de encenação, da incrível projeção de voz
ou do pleno domínio de palco – nada disso é pouco, mas dane-se isso. O caso é que nada disso, que já a faria uma enorme atriz, nada
disso se comparava ao cão feroz que tinha dentro de si, ao enorme lobo que
uivava em sua alma e se projetava como uma onda gigante quebrando sobre a plateia.
Vendo aquela inesquecível amante de Jasão no palco, senti um
baque no peito, a vida latejando. Queria começar a minha vida...
Morreu Bibi Ferreira, uma força da natureza.
2 comentários:
Que bonito!!!
compartilhei!!!
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