terça-feira, 12 de julho de 2011

LOKI - A NONA SINFONIA DO ROCK BRASILEIRO


"O amor sempre foi o causador da queda da trapezista" (Aldir Blanc)

"O amor são impulsos elétricos lançados pelo cérebro, que percorrem toda a medula e os neurônios do abdômen, ou seja, o amor não passa de um frio na barriga".  

Esta última é do descrente dramaturgo Humberto Laraia, irmão sepulto em mim. Veja que ele não falou do coração.
Cê tá pensando que eu sou loki, bicho? Eu sou velho mas gosto de viajar por aí. 
E olha que Laraia ainda não conhecia Nöel Rosa, muito menos o amor; só conhecia, mal e mal, a paixão, aquela deliciosa, que dá frio na barriga, maravilhosa, sensacional, mas também rasa e fugaz, incapaz, portanto, de trazer dor duradoura ou muito profunda. Mas o amor é capaz, e como.

Voltando ao Nöel, para ele, o coração não tinha nada a ver com amor, tanto que o Poeta da Vila nunca usava a palavra coração para falar de amor e quando usou, foi para contrariar: “Coração grande órgão propulsor, transformador do sangue venoso em arterial. Coração, não és sentimental, mas entretanto dizem que és o cofre da paixão". Veja como ele demole a ideia de coração sentimental, restringindo-o à importância sanguínea. “(Coração) Tu és pro bem-estar do nosso sangue o que a casa de correção é para o bem da humanidade”. Ainda que o amor não estivesse localizado no coração, sabemos o quanto o amor causou dor a Nöel Rosa (se você, leitor ocasional, não viu, está no pôsti de 30 de junho).

O amor dói. O amor sulca. O amor definha. O amor transcende.

Eu me amo... 
Como eu amo você... 
É fácil... É fácil

Facil que nada, ele bem queria que fosse. E não me venha me falar do amor realizado, aquele que deu certo, o amor dos casais, esse amor que logo de cara proporciona aquela felicidade fácil e corriqueira. Xô! Nada disso. Viver é sofrer.

Com meu bem fui ao cinema... não me deixe tão sozinho. 

O que me interessa, e interessa aos poetas e também interessa a hollywood, pelo menos até perto do fim do filme, enfim, o que nos interessa a todos, por toda a eternidade, é o amor não realizado, aquele que é o causador da queda da trapezista.
Sinto o pulso de todos os tempos comigo, até quando eu não sei. 
Não confundir com o amor não correspondido, que esse não é amor verdadeiro, é encanação, obsessão, enganação. O desejo de ter alguém que nem liga prá você está mais prá fraude do que prá amor. Amor não correspondido é estelionato. Quem diz que ama sem ser correspondido, não ama coisa nenhuma. Se um ama e o outro não, um dos dois está mentindo e normalmente esse alguém é você.  

Amor, amor mesmo, é aquele que é (ou foi em algum momento) correspondido: o amor nunca, jamais será unilateral. O amor é como o fogo: não se propaga na ausência de ar; a reciprocidade é o ar, que gera a combustão. 

E todos juntos somos nós... uma pessoa só.  

Pode-se amar e decidir viver o amor por muito tempo, casando, ficando, namorando, enfim, realizando-o na prática. Mas quando, por algum motivo, o amor não se realiza, quando não há (ou ainda não) final feliz, ele se transforma em dor, em dor descomunal, dor em estado puro.
Ainda assim, se há algo sublime nessa vida é sofrer por amor. O amor não realizado é algo capaz de se manter vivo em você por anos, por décadas.
Vivo a pensar prá trás, quando sozinho na cidade, você me deu adeus. 
Como? Se nós somos de Deus! 
E você me disse adeus, ao vento, à cidade, à chuva e à saudade...

Você sofre, mas sabe que está vivendo algo grandioso; sofre, mas alterna mergulhos ao abismo e vôos fantásticos. Você se encanta com o céu, com os pássaros, com um poste, com fios elétricos, com o desenho da fumaça da chaminé. Quando você sofre por amor, o mundo fica mais belo, parece uma partitura clássica, uma pintura renascentista.

A cidade e as serras me deslumbram, baby.

Mais do que o amor imediatamente realizado, o amor não realizado nos eleva e enobrece, porque nos dá a dimensão do herói épico, nos coloca perto de Deus, ou de Jesus, que, segundo reza a lenda, ou a bíblia, sofreu por amor à humanidade.

O que é isso, meu amor?
Será que eu vou morrer de dor... será que eu vou virar bolor?

O amor não realizado, além de responsável pela queda da bailarina, é cúmplice dos melhores vôos poéticos (“longe de ti são ermos os caminhos, longe de ti não há lua, nem rosas, longe de ti há noites silenciosas, há dias sem calor, beirais se ninho"-Florbela Espanca), pelas mais belas sinfonias e pelos melhores discos. E é aqui, no terreno etéreo da música, que vamos pousar. Porque tudo o que sobe tem que descer!

Foi numa época da minha vida em que alternava vôos e mergulhos da sublime dor, que caiu em mim o Loki, como uma espécie de revelação. Parecia que eu é que havia composto aquilo. Loki é esse disco aí acima.  

Se você, desinformado leitor, está achando que se trata daquele cantor, o Amado Batista, saiba que sua confusão é comum. Mas sugiro que saia imediatamente deste blógui, porque entre as modernagens colocadas nele, está a destruição do computador impuro dos que confundem Arnaldo com Amado. É verdade. Saia já... Ufa, menos um.  

Venho me apegando aos meus sonhos
E à minha velha motocicleta
Não gosto do pessoal da Nasa
Cadê meu disco voador?
Arnaldo, com razão idolatrado por seus fãs espalhados pelo mundo, foi o líder dos Mutantes e, segundo consta, estava mergulhado numa profunda depressão, na dor do amor não realizado, na solidão e no abandono quando compôs Loki, um retrato espiritual daquele momento. O fim do casamento com a Rita Lee (a "desrealização" do amor idealizado), o fim dos Mutantes, a incompreensão da mídia e o isolamento fizeram com que toda a genialidade alegremente psicodélica que ele impunha ao som dos Mutantes fosse canalizada para a dor e, felizmente, para a beleza. Muitas das grandes obras da humanidade foram compostas sob a égide do sofrimento (basta lembrar da 9a sinfonia de Beethoven - a que, paradoxalmente, tem a Ode à Alegria no quarto movimento). Arnaldo, tempos depois, internado num hospitalzinho daqueles que dizem que tratam da sua mente, não aguentou e saiu voando pela janela.
Ontem me disseram que um dia eu vou morrer
Mas até lá eu não vou me esconder
Porque eu não estou nem aí pra morte
Não estou nem aí pra sorte
Eu quero mais é decolar toda manhã

Como ele não tinha asas senão as da imaginação... Bem, ele ficou meses em coma e anos e anos se recuperando. HOje está bem, feliz, curtindo a vida na paz, com sua mulher, ainda envolvido com arte (música, pintura). A sorte da humanidade é que ele já tinha composto sua obra-prima e outra maravilhas que o tornaram um ícone cultuado no mundo todo. 
Veja o emocionante “Loki”, o filme, ou compre o DVD (que é prá se ver e rever) e tenha ideia da importância de Arnaldo e sobre a admiração que ele desperta planeta afora. 


Vivo a pensar pra frente
Quando não mais houver cidade
Eu vou te achar
Com mil anos de idade
Eu vou te achar...


Loki exala, por todos os "sulcos", a dor profunda e a grande beleza. Não pense que o disco é magnífico só pelo clima que transmite. Musicalmente é um disco sofisticadíssimo, com melodias boas de cantar, interpretação fantástica do Arnaldo e arranjos arrojados. Loki equilibra ousadia e elegância, com o piano clássico de Arnaldo conduzindo rocks deliciosos (sem guitarra, diga-se) e baladas sangrentas. 

Se a obra máxima de Beethoven é a nona sinfonia, cheia de dor mas que tem seu ponto máximo justamente na “ode à alegria”, Arnaldo Van Baptista criou a sua ode à dor, Loki: a nona sinfonia do rock brasileiro.

Sinta o barato de ser ser humano, comigo. 
Até quando deus quiser.

Um comentário:

Anônimo disse...

Já li, reli, li de novo. Como faço com o CD, ouço, ouço, ouço muitas vezes. Não ia comentar por causa desse frio na boca do meu estômago e desse maldito (ou bendito) nó na garganta que me tira as palavras.
Talvez o Arnaldo não tenha morrido de dor pelo tempo em que vive (ainda), pois os voos dos poetas da época de Florbela atingiam mais o objetivo, assim como o voo dela própria.
Enfim, comentei.
Bjs.

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