Nietsche disse que o que é bom é leve, que tudo que é
divino caminha com pés delicados. Desconfio que se ele visse De Volta Para o Futuro (direção de Robert Zemeckis - 1985) acharia divino, porque é divino e leve, deliciosamente leve. Talvez Nietzsche se livrasse, por
algumas horas, de sua enxaqueca (ninguém me tira da cabeça que aquele bigode
imenso era a causa das dores – sobre
enxaqueca, sempre tive impressão que tenho menos crises quando estou de cabelos
curtos).
Ontem, 05 de novembro, minha filha Riana, 18, publicou no Facebook a foto aí ao lado, do relógio do De Lorean, a máquina do tempo do DVPF, do qual ela gosta muito. Como pai zeloso, cliquei em “curtir” e ainda comentei que mereceria um pôsti. Ei-lo.
André Bazin, talvez o mais importante e influente crítico de cinema da
história, disse que o cinema substitui nosso olhar por um mundo que coincide com nossos
desejos. Só poderia estar falando de DVPF, embora tenha morrido
no final dos anos 50. Quem sabe Marty McFly não tenha levado a ele uma fita do
filme... Mundo que coincide com nossos desejos? Quem não desejaria conhecer
seus pais adolescentes e fazer com que se apaixonassem? Quem não desejaria
viver nos anos mais glamourosos, mais nostálgicos da história (ainda que,
talvez, simplesmente por terem sido os mais filmados)? Nós somos Marty McFly, somos medrosos, inseguros, mas detestamos que nos digam isso; e adoraríamos jogar um
caminhão de estrume no brutamontes do pedaço!
Ítalo Calvino, escritor italiano que morreu em 1985, ano do lançamento do DVPF, listou motivos para lermos livros clássicos (recentemente foi relançado Porque Ler os Clássicos). Basicamente, algum livro que atenda esses motivos é um clássico. Permito-me ultra-resumir alguns motivos e transpô-las para o cinema, mais precisamente DVPF.
Clássicos são:
1.
Aqueles filmes dos quais se pode
dizer “estou revendo” no lugar de “estou vendo” – Quem já viu De
Volta Para o Futuro, vê de novo, sempre e sempre - talvez seja o filme mais revisto da história;
2.
Filmes que significam uma
verdadeira riqueza tanto para quem já os viu há tempos quanto para quem os vê
hoje pela primeira vez – Se você viu BTTF, faça a experiência:
mostre para quem não viu e veja o resultado;
3.
Não apenas os filmes inesquecíveis
como também aqueles que se ocultam nas dobras da memória - como
ocorre quando, do nada, nos vem uma frase (mesmo sem nos lembrarmos de onde
veio, usamos) como: “não me chame de covarde”, “Oh, Meu Deus! É Calvin Klein, que
sonho!”, “Estradas? Para onde vamos não precisamos de estradas” ou “Você
construiu uma máquina do tempo com um DeLorean”, “Bem ... Você está são e salvo
agora, de volta ao bom e velho 1955” ,
“Se vocês tiverem um filho, se ele, quando tiver oito anos, botar fogo no
tapete... Peguem leve com ele...”, “Quem diabos é John F. Kennedy?”, “se vamos
viajar ao tempo, porque não fazer com estilo?”, “Eu acho que vocês não estão
prontos para isso, ainda. Mas os seus filhos vão adorar;
4.
Toda vez que você revê um
clássico, é uma descoberta como da primeira vez – Desde que
adquiri o DVD, há uns oito ou nove anos, eu o vejo pelo menos uma vez ao ano,
sempre com grande excitação;
5.
A primeira vez que você vê um
clássico é como se você tivesse revendo-o - Pense bem: um
clássico é sempre universal na medida em que mexe com coisas que estão em nosso
inconsciente e usa referências conhecidas para nós;
6.
Um clássico é um filme que nunca
terminou de dizer o que tinha a dizer – Veio o DVPF 2 e o 3,
todos excelentes, e no mundo todo clama-se pelo quarto filme da série;
7.
Ver um clássico pela primeira é
sempre uma surpresa em relação à imagem que fazíamos dele. – Por
mais que você saiba como é o filme, de ler, de ouvir falar, um clássico dialoga
diretamente com você, com sua vida, seus desejos e suas referências. DVPF
sempre surpreende ao primeiro “visitante”.
. 8 - Um clássico que você não viu pode
ter sido feito antes de vários outros que você já viu, mas quando você o vê,
reconhece logo o seu lugar na genealogia – a lista de filmes que
fazem referência direta a BTTF é imensa – dia desses vi um pedaço de a série
que não gosto muito, mas que o Fábio adora, Two and a half man, e numa cena
eles comentam o DeLorean.
Além disso, um clássico dialoga com seus predecessores, como quando McFly filho, fantasiado, acorda o pai de noite:
“Silêncio, Terráqueo ! Meu nome é Darth Vader. Eu sou um extraterrestre do planeta Vulcano!”
Além disso, um clássico dialoga com seus predecessores, como quando McFly filho, fantasiado, acorda o pai de noite:
“Silêncio, Terráqueo ! Meu nome é Darth Vader. Eu sou um extraterrestre do planeta Vulcano!”
Obama visita fábrica do skate "do futuro" |
No filme, o skate e o Nike |
9 - Clássico é o filme que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo. Um amigo meu tem dificuldade de ver filmes antigos porque lá não há celulares e outras modernidades, por isso tem que ficar “dando um desconto” para o filme. Pois quando se trata de um clássico, o antigo se sobrepõe às modernidades. DVPF é exemplo ainda mais forte dessa questão, porque trata de modernidades em oposição às antiguidades. O McFly do futuro usa um Nike auto ajustável, que se fecha sozinho (sabia que a Nike acaba de anunciar seu lançamento?). Sabia que Obama "autorizou" a fabricação do Hoverboard (aquele skate que flutua, sem rodas). Ainda da série "você sabia": um daqueles meninos do futuro que acham estranho que Mc Fly jogue games com as mãos é o Elijah Wood, o Frodo...
DVPF se apóia numa história fantástica, num roteiro que é um dos mais engenhosos da história do cinema, numa dupla de atores com um carisma incrível (Michael J. Fox e Christopher Lloyd), e numa trilha sonora de arrepiar.
Existem clássicos que você sabe que
é um clássico, o coloca na sua lista de melhores filmes de todos os tempos, mas
não o assiste muitas vezes. Há outros filmes que são puro, e bom,
entretenimento: você vê dezenas de vezes mas não o coloca em lista nenhuma
(muitas vezes você nem fala para um cinéfilo que ama esse filme); eu, por
exemplo, amo todos os “Corra que a polícia vem aí”. Pois De Volta Para o Futuro
é ao mesmo um clássico inquestionável, um cult movie e um filme que é o mais
puro e divertido entretenimento.
Pra encerrar:
Doc
(em 1955, duvidando que McFly tenha vindo de 1985, ou seja, do futuro): Então me diga: "Rapaz do
Futuro", quem é presidente dos Estados Unidos em 1985?
Marty: Ronald Reagan.
Doc: Ronald Reagan? O ator ? Há há.....
Então quem é Vice-Presidente? Jerry Lewis?
Biff: Olá? Olá? Alguém em casa? Huh?
Pense, McFly. Pense...
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