segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A NOVA PELE DE ALMODÓVAR

M. Night Shyamalan
Sobre ver um filme, novo ou antigo, M. Night Shyamalan, diretor, entre outros, dos estupendos "O Sexto Sentido", "A Vila e "Sinais", disse, referindo-se a ver hoje um filme de Hitchcock:
"Nunca penso nisso como coisa do passado, mas como uma maneira fantástica de se fazer cinema. Isso é narrativa, é contar histórias, e todos deveriam usar. Não importa se foi há 50 anos ou se é de hoje; a força narrativa, de poder guiar alguém através de uma história é tão forte hoje quanto foi ontem"
De fato, um dos grandes méritos do Grande Mestre foi o domínio do contar uma história, o que é uma qualidade muito mais rara do que se pensa. Contar de qualquer jeito, muita gente conta, todo filme conta uma história, mas poucos nos entretém realmente. E dentre esses filmes que nos entretém realmente, são grandes filmes apenas os que foram além do entretenimento: souberam contar a história nos levando às alturas, nos envolvendo visceralmente, mexendo com nossas estruturas e nos modificando (somos produtos de todos os filmes que nos modificaram - vide o pôsti sobre o The Front). Voltando a Hitchcock, além de contar histórias dessa forma, ele usou todas as possibilidades da linguagem cinematográfica para nos envolver ao máximo com a história, ele inovou a linguagem e ajudou a desenvolvê-la; por isso é gênio.
Um pequeno adendo: Romário, quando recentemente esteve nos jogos Panamericanos do México, comentando pela TV Record, foi muito assediado pela imprensa mundial. teve até que dar entrevista coletiva. Vê só, alguémk com tarefa jornalística teve que dar coletiva. Mas nessa coletiva, perguntaram a ele se o Messi poderia ser comparado a Pelé. Espirituoso, Romário respondeu: "calma lá, primeiro ele teria que chegar ao Maradona, depois ao Romário..."  
O leitor mais ansioso deve estar se perguntando "mas afinal, o que é que Romário, Messi e Pelé têm a ver com cinema, com Hicthcock e com o Almodóvar, que por sinal é motivo do post e até agora não apareceu?"
Ok, leitor, tentarei não desapontá-lo mais, se é que chegou até aqui. Apenas para justificar a digressão, como livre e despretensiosa associação: Hitchcock é o Pelé do cinema; Glauber Rocha era um Edmundo; Jerry Lewis, Garrincha; Billy Wilder, um Zidane; Woody Allen um Maradona. Neymar é um Tarantino. E Almodóvar? Taí: não sei. Messi? Romário?


Saindo da associação um tanto inusual, o que parece é que, com este filme (corra ao cinema), Almodóvar habita uma nova pele, mas ao contrário do que ocorre no filme, parece se sentir bem. APQH coloca Almodóvar num patamar que ainda não alcançara em termos de realização, do contar uma história e do uso da linguagem cinematográfica. Talvez este blógui tenha que refazer seu bâner de abertura, onde estão perfilados Hitchcock, Billy Wilder, Brian de Palma, Frank Capra, Tarantino, David Lynch, Glauber Rocha, Campanella (inserido lá, como aposta, no calor d'A Flor do Meu Segredo), Woody Allen, Kubrick e Jerry Lewis. Talvez tenha que inserir neste time o tal do Pedro Almodóvar, de quem sempre gostei pela paixão e pelas cores de suas bem contadas histórias boléricas (esta expressão não vem de bola, afinal o futebol já cumpriu sua participação neste pôsti, mas do bolero, gênero "jogado aos seus pés", feito de tragédias, dor e amor).


Como em nenhum outro filme do espanhol, A Pele Que Habito carrega, em cada segundo do filme, uma tensão que nos mantém atentos, presos e interessados no que vai acontecer, em quando vai acontecer e como vai acontecer. Ficamos o tempo todo em estado de suspensão, o que define o gênero: suspense, um suspense beirando o terror, no sentido de retratar o drama humano, nossos medos e nosso lado mais obscuro.


O reinventado Almodóvar envereda pelo suspense, mudando um pouco a cor usual de seus filmes, dispondo as informações da história na ordem que mais nos nos mantém presos (grande qualidade de Hitchcock). Primeiro sabemos que há uma mulher (belíssima, santo deus, ops, Deus!) fechada numa sala e observada pelo médico (Banderas) através de uma imensa tela ao lado de sua cama. Depois sabemos de uma tragédia ocorrida há tempos. Mais tarde voltamos seis anos, depois avançamos mais um pouco. A cada viagem ao tempo vamos conhecendo a história, ora sentindo ódio, ora compaixão. E a medida que vamos compondo o mosaico, mais aumenta a tensão, porque aquilo tudo certamente vai desaguar em algo. E como deságua. Magnífico o momento da revelação, magnífico o fechamento, magnífico o take final, forte e emocionante.


Almodóvar entrou no terreno dos grandes mestres da história do cinema, mas parece que está em casa, tanto que estão lá os sinais do bom e velho Almodóvar, as situações cômicas, o Tigrão, os pênis de borracha dispostos um a um aumentando o tamanho: incrível como Almodóvar conseguiu extrair humor das cenas mais improváveis, sem perder a tensão dramática. Isso não é pouco. Como hoje disse o Fábio (que assistiu e também achou o filme o máximo), chegar a Hitchcock, realmente Almodóvar nunca chegará. Mas Hitchcock, como Pelé, é extra-terrestre, gênio absoluto. Messi e Neymar não precisam ser comparados a Pelé ou Maradona. 


O mais importante é que Almodóvar, depois do exuberante A Pele Que Habito, vai entrar para o Bâner dos grandes cineastas que fica no alto deste blógui, o que certamente fará uma grande diferença em sua vida e o deixará muito feliz e realizado. Não precisa me agradecer, Pedrito; quando vier ao Brasil ter com seu amigo Caetano, dá uma passadinha aqui por Brasilia, me paga um bom jantar na Rosário e tudo bem.




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