domingo, 12 de agosto de 2012

EU NASCI HÁ 112 ANOS ATRÁS

1. Amar foi minha ruína 
Durante minha infância e adolescência, lá pelos anos 70, assisti diversas vezes ao melodrama “Amar Foi Minha Ruina”, com Gene Tierney, Cornel Wilde e Jeanne Crain, atores tão desconhecidos hoje quanto o diretor John Stahl. Ruína: “decadência ou perda moral”, “ação ou resultado de desmoronar” e “restos do que desmoronou”. 
Mais de vinte anos antes, no dia 16 de setembro de 1951, pela manhã, a jovem Lourdes estava toda ansiosa para ir ao cinema ver “Amar Foi Minha Ruína” com seus amigos. "Ansiosa demais", assuntava o pai, Seu Antonio, um rígido português que a criara sozinho. Estaria assim pelo filme ou para ficar ao lado de algum dos amigos? Difícil saber. O fato é que as irmãs Teresa e Consuelo, Waldemar Casassa, Kiroshi, Ana Alves, todos entre 16 e 17 anos, mais a Mirce e o Carlos Augusto, que tinham 15, e o Antonio Cláudio, de 18, também estavam se preparando para ir ao cinema ver “Amar Foi Minha Ruína”. Gostavam de chegar bem cedo para pegar os lugares centrais.
Com capacidade para 1200 pessoas, o Cine Rink estava lotado e o jovem escritor, personagem do filme, ainda nem tinha sofrido as loucuras de sua esposa ciumenta quando a primeira viga que sustentava o telhado do grandioso cinema caiu sobre o forro. Em instantes, tudo desabou sobre a plateia, especialmente nos lugares centrais do cinema. Telhas, vigas com pregos expostos caiam e rasgavam braços e rostos. A tragédia deixou mais de 400 feridos e 40 mortos (25 na hora e 15 depois, nao resistindo aos ferimentos). Muitos deles foram retirados somente na manhã do dia seguinte. Todos os jovens citados morreram, com exceção daquela cujo pai, português, era torcedor da Ponte Preta. 

Naquele dia, as atenções estavam voltadas para a partida entre Ponte Preta e XV de Novembro de Piracicaba, no Estádio Moisés Lucarelli, para onde o rígido português arrastou sua chorosa filha Lourdes, que, portanto, acabou faltando à última sessão do Rink. No intervalo da partida, o sistema de som pediu o comparecimento aos portões de saída de médicos que estivessem no estádio. 
Lourdes, salva pela Ponte Preta, onze anos depois, dava a luz a este que escreve neste blógui sobre a maior tragédia da história de Campinas para homenagear a gloriosa Ponte Preta, que neste 11 de agosto completou 112 anos. 
2. Plínio Marcos e a Ditadura militar
Em plena ditadura militar, enquanto eu ignorava o que se passava no país e assistia ao melodrama de John Stahl, o dramaturgo Plínio Marcos, que tinha a mesma idade de minha mãe, Lourdes, usava a arte para desafiar o sistema. Depois de 20 anos da tragédia do Cine Rink, Plínio Marcos publicava, em 1971, ano em que fui pela primeira vez ao estádio ver esse time aí abaixo, o livro com sua peça “Quando as máquinas param”. O prefácio, abaixo, é uma pérola. Leia que é curtinho e vale à pena.
Um belo dia, os atores Ginaldo de Souza e Vera Viana, voltando de uma excursão ao norte do país, resolveram fazer uma apresentação em Campinas. Acontece que o dono da cultura local, estava montado num cargo público (desses para o qual o cidadão é nomeado e não eleito) e, ao saber que a peça que os artistas queriam apresentar era “Quando as máquinas param”, deste autor, virou bicho... se arvorou em defensor implacável das famílias campineiras e não permitiu que a peça fosse apresentada no teatro que era do município, mas que o papanatas pensava que era dele... (Ginaldo e Vera) já iam se acostumando em ficarem no prejuízo quando a generosa gente da gloriosa Ponte Preta tomou conhecimento do assunto. Nem vacilaram. Abriram as portas da sua sede social para “Quando as máquinas param” e garantiram o taco, em nome da liberdade de expressão. E foi um tremendo sucesso... Este autor ficou para sempre agradecido à gloriosa Ponte Preta e à sua gente e, por essa luz que me ilumina, muito mais feliz por ver “As Máquinas” apresentada na casa do clube do povão, em vez de ser apresentada no templo do fajuto dono da cultura.
De todo meu coração, obrigado, Ponte Preta
Plínio Marcos
3. Primeiro do mundo a ter negros
Como todos sabem, a Ponte é conhecida como a Macaca, mascote que simboliza o time. O que muitos não sabem é a origem deste símbolo. No início o futebol era um esporte bastante elitista. Negros não chegavam nem perto dos times, com exceção da Ponte Preta, que tinha negros desde a sua fundação. Em excursões pelas cidades do interior, onde o preconceito era ainda mais forte do que nas maiores cidades, as torcidas não aceitavam aquele time que trazia negros. Um dos primeiros rivais da Ponte foi o XV de Piracicaba, o mesmo que jogava em Campinas no dia do desabamento do Rink. Consta que foi em Piracicaba que os pontepretanos começaram a ser chamados de macacos. No lugar de se ofender, eles assumiram o apelido e transformaram a macaca no mascote do time. O Vasco, assim como imitou o uniforme da Ponte, reivindica ter sido o primeiro time a ter negros, mas não foi. A própria FIFA considera a Ponte como o primeiro time do mundo a aceitar negros como jogadores.


As três histórias acima falam um pouco desse time que, verdade seja dita, não é lá muito chegado a vitórias e não tem títulos importantes. Tanto não é chegado que a palavra derrota consta no hino, e vem antes da palavra vitória, o que mostra o desprezo da Ponte Preta por bens materiais, como títulos e troféus. Um time, por sinal o mais antigo em atividade no Brasil, cuja existência é ligada à vida, à igualdade e à liberdade, não precisa, convenhamos, de títulos e troféus. Já não disseram ser mais fácil um camelo passar no buraco de uma agulha que um rico chegar ao reino dos céus? Por isso, torcedores de times vencedores, cheios de troféus e medalhas: preparem-se, porque na eternidade, enquanto vocês estiverem jogando contra times infernais fortíssimos em temperaturas escaldantes, os pontepretanos estarão além das nuvens, onde há ar condicionado central e se pode beber coca cola sem trauma, jogando contra anjos e arcanjos, e sendo festejados por ninfas, como essas aí, que estarão cantando: 
“Ponte Preta sempre, sempre, na derrota ou na vitória,
És amada, Ponte Preta, orgulho de nossa terra
Ponte Preta de paz, Ponte Preta de guerra!”

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Blog Widget by LinkWithin