segunda-feira, 23 de julho de 2012

AS TRUFAS BRANCAS E AS MORTES DO BEM AMADO


PREÂMBULO
1 - AS PÉROLAS E OS PORCOS
Falemos de comida: eu, tu e o rabo do tatu sabemos que mesmo que você tenha os melhores ingredientes, temperos finos, forno e fogão de primeira, ainda assim você pode fazer uma comida horrorosa. É ou não é, ou não é, ou não é? “Ééééééé”, você deve estar quase gritando, pois se lembrou de algumas gororobas nojentas que já fez. Esperta é uma amiga, a Fernanda (desculpa, mas é melhor que todos saibam), tão consciente de suas limitações na cozinha, que há 3 anos não tem mais fogão em casa. Diz ela que desistiu depois que não acertou fazer um chá de saquinho (a cordinha entalou na garganta).


Agora veja esta: num filme legal chamado “Gente Grande”, com o chatinho do Adam Sandler, há uma cena em que algumas esposas, longe dos olhos dos maridos, estão nas cadeiras de uma piscina, vendo os homens de sunga (que merda, elas também fazem isso!), quando sai da água um deus nórdico, loiro, tórax bem definido, olhos verdes, azuis ou uma dessas cores que fazem as mulheres delirarem, enfim, um baita homem, que ao vê-las babando por ele, abre um sorriso lindo e começa a andar na direção delas, que ficam ouriçadas (ou seja, molhadas sem entrar na piscina) para saber quem vai pegar o cara (elas sabem que são elas que escolhem, e não nós, homens). Quando o cara chega... Bom, primeiro veja esse trailer curtinho (o pedaço da cena está quase no final), depois a gente continua a conversa.

Um terceiro exemplo: imagina o Barrichello, ou mesmo o Massa, pilotando numa Ferrari. Bem, nem precisa imaginar; hoje mesmo, domingo, 22 de julho de 2012, tivemos mais um exemplo. Com a mesma Ferrari, Alonso está em primeiro no campeonato, com 154 pontos; Massa em 14º, com 23 pontos...

ÂMBULO (AQUILO QUE, AO MENOS DEVERIA SER ASSIM CHAMADO, VEM DEPOIS DO PREÂMBULO)
Paulo Gracindo e Lima Duarte em "O Bem Amado"
2 – FERRARIS E TRUFAS BRANCAS
Pronto: agora vamos andar (ou deambular) com esse pôsti cheio de preâmbulo, já que o leitor mais ansioso deve estar se perguntando “o que é que o cú tem a ver com as calças?” Explico: o canal Max* (não procure nota explicativa no final do pôsti – essa estrelinha aí é mesmo do nome do canal) está exibindo: “O Bem Amado”, baseado na peça homônima do genial Dias Gomes, que também virou novela, talvez a melhor novela de todos os tempos, que unia os gênios Dias Gomes, Paulo Gracindo e Lima Duarte. Odorico Paraguaçu, interpretado, na novela, por Paulo Gracindo, é um dos personagens mais conhecidos e engraçados da nossa cultura popular. Dispenso-me de falar do texto, absolutamente genial - ops, acabei de falar. 


O filme, de 2010, é uma produção brasileira que conta com o time e com o padrão Globo, que um dia significou qualidade, ousadia e criatividade, mas que hoje desafia a qualidade, esmaga a criatividade e foge como o diabo foge da cruz da ousadia. Ih, lá vem os chatinhos defendendo a Globo, dizendo o que eu, tu e o rabo do tatu já sabemos: que lá estão os melhores profissionais, os melhores cenários, o melhor som, os melhores equipamentos, os melhores recursos, enfim; que as novelas globais são como um chocolate que derrete deliciosamente na boca ao final de um dia estressante e etc, etc, etc.

Aqui é o momento de retornar aos exemplos do preâmbulo: tudo isso são as pérolas. A produção da Globo e alguns excelentes atores nas mãos do Guel Arraes (o diretor) ficaram como a Ferrari nas mãos do Barrichello, o deus nórdico naquela voz ridícula, e como trufas brancas, foie gras e açafrão indiano da caxemira nas mãos da Fernanda.

Um pouco, só um pouquinho, de talento e inteligência artística seria suficiente para perceber que o que tinham de principal nas mãos era:
- uma trama ótima e atemporal - o prefeito corrupto e encantador que quer inaugurar o cemitério tentando arrumar, na marra, um morto;
- um texto brilhante, com as inesquecíveis falas recheadas das deliciosas palavras inventadas, embora perfeitamente inteligíveis;
- dois personagens ricos, cheios de contradições e idiossincrasias, que inspiravam amor e ódio. 


3 – RUBENS E FERNANDAS
Pois essas três características, que são exatamente o que há de melhor e de inigualável na história, foram preteridas, jogadas no lixo em nome da hiperatividade, marca da direção histriônica de Guel Arraes. Sabe quando você põe sal no bacalhau? Não há uma única fala que o diretor não queira “temperar” com um movimento exagerado de câmera, com algum exemplo dado pelas mãos dos atores, com cenas sobrepostas que ilustram falas de Odorico, deixando-as em off, como se duvidasse da inteligência do expectador e tivesse que explicar. 


Tudo isso cansa demais e, longe, muito longe de facilitar o entendimento, tira a atenção da fala, ou seja, afasta o expectador exatamente do que há de mais belo no filme, que é o texto. Além disso, o Odorico interpretado pelo Marcos Nanini é sempre afetadíssimo, sempre falando muito, muito rápido e como se tivesse uma batata na boca, deixando as falas quase incompreensíveis e a cena muito irritante. Tudo é visual e auditivamente cansativo. Não sei qual a culpa de Nanini, um fantástico ator, nessa interpretação muito ao estilo frenético do Guel Arraes, mas o fato é que ele, Nanini, derrapa feio, muito feio; perdeu a oportunidade de criar um belo personagem. Nem precisava imitar o Paulo Gracindo, o que certamente seria um erro. Bastava criar um personagem que usasse o magnífico texto ao seu favor, dizê-lo de modo que pudéssemos ouvir, no lugar de vomitar as falas como faz.


Maria Flor no filme
Achou que ia acabar o pôsti sem uma mulher bonita?
E o Zé Wilker? Bem, este, sabidamente, não está no nível do Nanini, mas ainda assim poderia ter feito algo melhor do que começar e terminar o filme naquela interpretação monocórdica, pesada e cansativa de Zeca Diabo, que no texto é interessante e engraçado. Até a maravilha da Maria Flor, linda e talentosa, e as irmãs Cajazeiras, feitas pelas boas comediantes Zezé Polessa, Andréa Beltrão e Drica Moraes, todas elas são puro trejeito e ondulações de voz, cansativas e sem nenhuma graça. Que desperdício!


4 - EPÍLOGO – AS MORTES DE ODORICO PARAGUAÇU E D”O BEM AMADO”
No final da história de Dias Gomes, Zeca Diabo, o pistoleiro contratado por Odorico para matar alguém a fim de inaugurar o cemitério, mata o próprio contratante, que, ironia das ironias, este sim, com sua própria “defuntice”, inaugura o cemitério construído com superfaturamento. 


No filme, quem mata o “Bem Amado” são Guel Arraes e o atual padrão Globo, que menosprezam as pessoas que pretendem atingir, julgando-as incapazes de entender um texto tão popular quanto o de Dias Gomes, e achando que elas são capazes apenas de captar a linguagem de games e vídeo clipes. Pois erraram, e a bilheteria confirmou isso. Por acaso você foi ao cinema ver “O Bem Amado”? Eu fui.

Um comentário:

Anônimo disse...

Concordantemente venho aqui dizer que o texto tem os temperamentos certos de uma bela incursão cozinhática antonimática de uma experiência ferdinantica

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