sábado, 19 de janeiro de 2013

:( -> DJANGO -> :)


Sabe aquele povo ("povo" não é depreciativo – adoro povo) que coloca no facebook que está muito triste e não diz a razão? Pais e mães ficam preocupados, amigos ficam intrigados e amigos do facebook clicam no “curtir” ou dão força com o comentário: liga não amigo, logo vc tá melhor :)

De qualquer forma, tristeza tem remédio. Tudo bem que o remédio só serve para esconder a tristeza existencial-atávica-biológica de todos nós, provavelmente advinda do fato de que não sabemos por que nascemos e de sabermos, sem nenhuma dúvida, que vamos morrer. Estava certo Vinícius: “tristeza não tem fim, felicidade sim”.

Mas que há remédio para tristeza, ainda que seja efêmero, há. Por isso tentamos, nós, os não maníacos depressivos, encher nossa vida desses pequenos ou grandes remedinhos que deixam a tristeza escondida. “Deixa a tristeza prá lá, vem comer, me jantar”. Afinal, hoje é o dia internacional do riso (escrevi na sexta-feira, dia 19 de janeiro).

Reconheço que é difícil se livrar da tristeza, especialmente no caso daqueles a quem a vida não tem ajudado, a quem o berço não ofereceu as melhores condições (confia em mim, é melhor colocar a culpa na vida ou na sorte, como eu faço). Sou do tipo triste solitário perdedor e sofredor, que às vezes passa dias seguidos chorando, ouvindo música deprê e tendo pensamentos mórbidos.

Mas sempre há um modo de sair do fundo do poço. E frequentemente é mais fácil do que pensamos. Uma música especial, por exemplo, pode servir de mola propulsora e nos catapultar para as alturas da ventura e da alegria. Este blog mesmo já deu uma receita:

http://cobraparada.blogspot.com.br/2011/08/ai-meu-deus-do-ceu-ai-minha-vigi-maria.html

Finalmente, encerrando a interminável introdução, ente post traz uma receita infalível para melhorar o seu astral, ou para te botar ainda mais prá cima, ou ainda para, simplesmente, atrasar por um bom tempo o retorno da tristeza que espreita a ti, leitor amigo, por trás da porta do armário do teu quarto.
Django, filme que estreou hoje em todo o Brasil (até em Bauru!) é infalível. Pura diversão. Do tipo que terei em casa para casos agudos de depressão. Será ligar o DVD e pronto, :)

Atenção, leitores que não tem facebook nem filhos: esse sinalzinho esquisito que inseri no título e com o qual finalizei o parágrafo é um sorriso. Duvida? Deita a cabeça para a esquerda... Viu? É um sorrisinho “fofo”. Estou usando para atrair a plateia jovem.

O filme dirigido por Quentin Tarantino é basicamente um Western que narra a busca de um escravo pela liberdade de sua mulher, ainda escrava, numa América violentamente racista. Django é libertado por um caçador de recompensas alemão e vira seu parceiro. Os dois cruzam boa parte da América caçando procurados pela polícia, com as devidas recompensas, e rumando para o sul, onde a esposa é escrava do mais carrasco entre os fazendeiros do sul, a região mais racista dos Estados Unidos. Lembram-se do Leôncio, da Escrava Isaura? Pois o inesquecível personagem interpretado por Rubens de Falco é fichinha perto do cara do filme, cuja diversão é colocar dois escravos na sua sala, lutando entre si até a morte. Nessa busca, não há como Tarantino esconder da plateia, nem como este blog esconder dos leitores mais sensíveis: há violência, sim, muita violência, além de opressão e humilhação indignantes.
“Espera aí”, interpela o leitor dotado de senso de lógica, atento ao paradoxo, “como o filme pode ser divertido se tem racismo, violência, opressão e humilhação?”

Gênios são assim: subvertem a lógica. Toda a saga de Django é mostrada com um humor realmente delicioso, além de uma inteligência e sagacidade típicas de Tarantino, que capta nossa indignação e nosso desejo de vingança e o sacia com requintes de crueldade. Não são apenas os escravos que são vingados, são todos os oprimidos e humilhados. São também aqueles que, solidários, se ofendem mesmo quando a injustiça é contra outros. Django vinga também àqueles a quem a vida não ajudou, a quem a sorte atrapalhou, a quem o berço não ofereceu as melhores condições.

Gênios são assim, fazem qualquer coisa com bom humor, nos surpreendem a todo instante. O expectador do filme nunca sabe o que vai acontecer no momento seguinte. Há sempre uma surpresa. O suspense consiste e descobrir quando e como seremos surpreendidos. E somo, do começo ao fim do filme. De onde e quando menos se espera, algo surge provocando riso ou asco, mas sempre surpreendendo. O filme, como “O Hobbit” e “A Viagem”, tem quase três horas de duração. Mas não é como chatíssimo “O Hobbit”, que provoca dores no corpo, nas pernas e na paciência. O próprio “A Viagem” que, apesar de ser realmente muito bonito e interessante, faz a gente olhar algumas vezes para o relógio. Com Django o tempo faz tchum: acabou.

Sabe por quê? Porque Tarantino é o mais Hitchcockiano dos diretores atuais, no sentido de que, tal qual o mestre, Tarantino coloca em primeiríssimo lugar o expectador. Faz filmes como Hitchcock fazia: para divertir. Não a diversão da piada fácil de botequim e de escritório. Para quem não sabe, Hitchcock era desprezado pelos críticos e pelos “entendidos” de cinema. Sua valorização aconteceu já no final da sua carreira e especialmente depois de sua morte, com a imortalidade e atualidade de seus filmes. E não gostavam dele porque seus filmes eram “comerciais”. O sucesso de público distraiu os críticos na genialidade de seus filmes, de como ele criou uma linguagem e inovou no cinema, sempre para estimular a percepção e a inteligência, surpreender, prender a atenção e divertir a plateia.

Em Django Tarantino consegue cada vez mais isso tudo, especialmente a surpresa e o humor, este ancorado na atuação inspirada (de novo) de Christoph Waltz, o alemão caçador de recompensas. Waltz é um dos raríssimos atores que, depois de vê-lo fazer um personagem maravilhoso, a gente pensa: só ele faria esse personagem, com nenhum outro ator daria certo. Django é interpretado por Jamie Foxx, muito bem num personagem altamente estilizado, lindo. Roupas, jaquetas, coletes, óculos, chapéus, ângulos das tomadas e músicas: tudo é feito para dar uma aura de beleza heroica. Tarantino dá a Django os ares simbólicos de beleza plástica que Hitch dava às suas loiras, como Grace Kelly. 

Samuel L. Jackson é brilhante no papel do odioso escravo racista e puxa saco do terrível senhor de escravos Calvin Candie, interpretado por Leonardo DiCaprio, que tem um brilhante réquiem na longa cena do jantar, carregada de crescente tensão, em que sabemos que algo vai acontecer, não sabemos exatamente o que nem quando. Esta cena talvez seja o melhor momento de DiCaprio no cinema.

Mais conexões Tarantino-Hitchcock: além das longas cenas carregadas de tensão e suspense (em Bastardos Inglórios é a cena da taverna), o fato de que, em seus filmes, vários atores tiveram seus melhores momentos, o que provavelmente é explicado pela inteligência dos diretores, que criam personagens mais profundos, complexos, em situações mais criativas e que, evidentemente, exigem mais do ator.   

Mas nada disso realmente importa, porque para Tarantino o que vale mesmo é que, desde a abertura do filme e a cada cena, você torça, fique indignado, chocado, coma pipoca (sim, puristas, Tarantino é prá se ver com pipoca), tenha surpresas, ria e, enfim, se divirta. 

Django te fará trocar prozac, uísque, lenços de papel, horas de facebook ou barras de chocolate comidos no sofá por sua alma lavada, pronta para enfrentar de bom humor mais uma semana de trabalho, trânsito e agruras dessa vida cheia de som, fúria e tristeza, pública ou privada, com ou sem motivo.

9 comentários:

Panta disse...

Gostei mesmo daquela cena em que o cara atira de cima da escada (um ângulo de cerca de 75 graus, de cima para baixo) e a mulher sai voando pela porta (num ângulo de 89 graus em relação ao tiro que o cara deu. Efeito especial porco. Só não fiquei indignado por que assisti o filme de graça. Como eu esperava, trata-se de um típico tarantino: muita violência e nada de estória, roteiro fraco e confuso. Atuações ruins (O Samuel não é surprea). Nem o DiCaprio e o Alemão salvam o filme. Francamente, deu vontade de assistir o Hobbitt pra contrabalançar.
Um conselho que tenho dado: usem as 2h45min (duração do filme) para fazer coisa mais interessante, especialmente se tiver que pagar ingresso para ver o filme.

Mário Xerxes Júnior disse...

Pante, pela descrição da cena do tiro na irmã do DiCaprio, creio que captei a razão do teu não gostar! Espírito! Exatamente esta cena é uma das que o público inteiro mais ri. E o ângulo faz parte disso. Essa é a diversão: a "tosquice". Tarantino faz um roteiro (muito bom, por isso sempre é premiado)especificamente para inserir cenas de filmes que ele mais gosta, inclusive pela bizarrice. Em Django ele homenageia os westerns espaguetis, os italianos... Lembra deles? Angulos diferentes do tiro e da queda são o que de menos tosco havia lá. Além disso, ele usa a violência que realmente aconteceu durante a escravidão. Mas o faz brincando de se vingar, como o fez com Hitler, quando homenageou filmes de guerra. Não leve os filmes de tarantino a sério que vc poderá entrar no espírito e se divertir

Panta disse...

Querido Móça
eu não levo os filmes do tarantino (assim mesmo, com minúsculas) e ele próprio desde pulp-fiction, quando li uma entrevista dele para uma revista inglesa na qual, questionado sobre o gosto duvidoso daquele filme (palavras do entrevistador), ele afirmou algo como "sei disso, tem a ver com o nome do filme, litratura barata, mas meu objetivo é vender esse filme para o 3º mundo, pois sei que lá tem público para esse tipo de coisa."
Quanto aos velhos western spaghetti, vi vários na infância e adolescência (veja só!!!) e me diverti muito. O Sérgio Leone fez um muito bom chamado "era uma vez no oeste". O Clint Estwood estrelou vários.
O paralelo feito com o Hitchcock tem limitações. Este era um diretor competente e sabia que não era ator, logo não tentava atuar, apenas aparecia nos filmes. O tarantulino tenta(!) atuar. Muitos atores dos filmes do Hitch (James Stewart especialmente) tem atuações ruins, compensadas pelo clima de suspense.
Gostei muito das atuações do DiCaprio e do Alemão. Os demais, como tarantino...
Quanto às risadas, lá pelas tantas senti falta daquelas claques gravadas que colocam nas comédias americanas nos momentos em que o público deve rir, mesmo que não entenda a piada.
Por último: o personagem do Alemão muda completamente durante o filme (O malvadão louco da 1ª cena quase chora de compaixão nas cenas finais).
Buenas, gosto é gosto e não se discute. Mas tenho deficuldades em me divertir quando a piada sou eu. É o caso desse Django.
Abraços

Mário Xerxes Júnior disse...

Bora lá! Pulp Fiction é um filmaço, com um roteiro criativo, boas atuações e algumas cenas antológicas. Alí Tarantino praticamente criou um subgênero e influenciou toda uma geraçao de novos cineastas - e isso não é pouco. "Era Uma Vez no Oeste" é um dos grandes filmes da história do cinema. É um filme muito sério, apesar de referências spaghetticas e de um humor seco, sobre as bases do desenvolvimento do oeste. Não entra na classificação de spaghetti, que eram filmes mais vagabundos, feitos quase que em série, como os com Giulliano Gemma. Não há comparação, pois. Quanto à comparação com Hitchcock, nao comparei nem qualidade nem estilo. Não tem nenhum filme dele que eu não tenha visto no mínimo 15 vezes. Associei apenas o foco intransigente e contínuo dos dois diretores na diversão do expectador. Acho o James Stewart muito bom, mas muuuuito bom mesmo.

Unknown disse...

Ouso discordar do meu querido Panta. A arte não precisa seguir as regras de uma equação lógica para ser séria ou parecer séria. Cada artista imprime a sua percepção, dentro de uma visão estética do mundo, o que vem a justificar o nonsense ou a ultrarrealidade (como no ângulo do tiro do alto da escada). A decupagem que se verifica em toda a narrativa não permite que se veja nem mesmo a violência como oportunista e gratuita. Há tanto cuidado com a movimentação da câmera e dos atores e com a construção dos planos que é difícil conceber o filme como mero produto-exportação para o terceiro mundo (fosse assim, o que se poderia dizer de Crepúsculo?). O que vale, no caso, é uma certa provocação, no que Tarantino sempre foi um mestre, até no uso de várias referências cinematográficas. Obviamente, por toda essa intenção estética que beira o exagero, o diretor está longe de ser uma unanimidade. Django, aliás, foi abertamente criticado por Spike Lee, apenas pelo uso intensivo da palavra nigger (paradoxalmente, no aspecto em que a realidade histórica foi observada). Não se trata de uma obra-prima, no meu ponto de vista, mas com certeza vou comprar o blu-ray e revê-lo muitas outras vezes.
“Podem ficar com a realidade
Esse baixo astral
Em que tudo entra pelo cano
Eu quero viver de verdade
Eu fico com o cinema americano” – Paulo Leminski.

Panta disse...

"Vendi meus filhos
pruma família americana
eles têm carro eles têm grana
só assim podem voltar
e tomar sol
em Copacabana."
Paulo Leminski

e com isso, calo-me.
Beijos.
Panta.

Mário Xerxes Júnior disse...

Puxa, então é preciso encerrar a discussão... E com Leminski... Tudpo bem, vá lá:

Ai daqueles
que se amaram sem nenhuma briga
aqueles que deixaram
que a mágoa nova
virasse a chaga antiga

ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é pão feito em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa
Paulo Leminski

Anônimo disse...

batatinha quando nasce espalha a rama pelo chão...
Achei besta e sem graça, assim como todas as peças de teatro que assisti até hoje! Sim, sou daqueles rabugentos que acham Abaporu uma merda (e o Paulo Leminski tbém!)
Por outro lado, que estória é essa de estética-de-violência, referencias antológicas a isso ou aquilo, comparações com Hitchcok e o caralho?
Sou o público alvo! É pra caras como eu que os filmes são feitos! São para pessoas que não ficam atrás de sutilezas bestas que os filmes comerciais são feitos. Somos nós, os que não sabem nem o que é "ângulo de câmera", quem os gringos procuram impressionar!
Pois bem: esse Tarantino aí é um babaca que fudeu com o Django da minha infância! Que tenha uma morte dolorosa!!!

Mário Xerxes Júnior disse...

Rarará! Hahahaha! Rsrsrsrs! Como mais se ri?
Não sei se Abaporu é uma merda, mas não entendo como aquilo pôde fazer tanto sucesso. Como não entendo, prefiro não classificar, mas nunca colocaria aquele desenhinho na minha parede. Também não posso me declarar fã do Leminski, poesia prá mim é Augusto dos Anjos, mas vá lá.
Quanto ao caralho, prefiro não comentar, para não fazer propaganda enganosa...
Tudo o que se faz com essa conversa de ângulo de câmera, ou seja, com a técnica cinematográfica, é para impressionar o público comum, caras como você e como eu (não me exclua. A nós é que o cinema de entretenimento se destina, mesmo que o público não entenda nada de ângulo de câmera. Você, caro anônimo, certamente tem algum assunto do seu interesse, algo que você, por algum motivo, entenda de modo mais aprofundado, seja ele leis, contabilidade, ereção, MMA e o diabo. Imagino que algum dia você tenha conversado com alguém. As pessoas são assim, em geral...
Pois bem: não permita que um babaca foda seus heróis da infância e não se mate se isso acontecer. Ah, e tente não ir ao seu armário pegar aquela arma e sair atirando em todo mundo se isso acontecer...

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