"Cheguei com meu universo
e aterrizo no seu pensamento
Trago a luz dos postes nos olhos
Rios e pontes no coração
Pernambuco embaixo dos pés
E minha mente na imensidão."
(Chico Science)
É, meu velho! a mente na imensidão... Acho que essa foi sempre minha desculpa para não viajar fisicamente, conhecer lugares. Viajar é a coisa mais espetacular que pode existir. Agradeço todos os dias, ajoelhado aos pés da cama, às minhas ex-mulheres (as duas últimas - não posso dar este crédito às anteriores) que, praticamente à força, me fizeram conhecer o pouco que conheço fora deste país e continente. Agradeço ainda, embora não ajoelhado, nem todos os dias, ter trabalhado numa empresa que me proporcionou muitas viagens profissionais, nas quais pude me deliciar com as riquezas deste país: sua gente, sua cultura, sua comida, suas paisagens, etc.
É estranho que, gostando tanto de conhecer outros lugares, culturas, países, povos e o diabo a quatro, eu nunca tenha viajado muito. Mesmo as viagens a trabalho eu nunca as busquei; tive que ir e fui. A verdade mesmo é que não gosto de viajar. Acho estressante ter que decidir viajar, ter que comprar passagens. Arrepia-me saber que terei que arrumar malas, esperar nas insuportáveis filas do aeroporto, subir a sei lá quantos quilômetros, afastando-me da segurança do bom e velho chão onde piso, dentro de uma estrovenga insuportavelmente mais pesada, não só do que o ar, mas do todas as coisas da terra, e cujos flap, flop e flup podem estar com parafusos soltos. Além disso tudo, detesto ter que sair de um lugar que amei, porque amos todos os lugares que conheço e me imagino morando lá e na hora de voltar me sinto mal, ainda mais enfrentando as mesmas filas e as mesmas incertezas quanto aos flaps, flops e flups.
Tudo isso para contar que, mesmo sendo apaixonado por Pernambuco, mesmo sabendo, e sempre divulgando neste mal afamado blog, que lá é, há muito tempo, o maior centro de produção cultural de qualidade deste país (música e cinema, principalmente), mesmo tendo Pernambuco, mais que qualquer outro lugar, tendo povoado por décadas minha imaginação atraves dos livros de José Condé, mesmo sabendo que tenho amigos por lá que adoraria conhecer (tempos estranhos estes em que a gente tem amigos e quer conhecê-los), mesmo tudo isso, eu nunca estive em Pernambuco. Não conheço Recife, Olinda, Caruaru, nem tampouco Macambira. Nunca estive na praça com acácias soltando seus algodõezinhos amarelos em maio.
Mas ontem, mais uma vez, tomei contato com Recife, aqui em Brasilia, no cinema, assistindo o magnífico "O SOM AO REDOR", filme que honra Condé, Chico Science, Suassuna, Luiz Gonzaga, Luiz Vieira e todo o movimento cultural de Pernambuco.
O filme mostra os ecos do tempo da dominação dos senhores do engenho reverberando até hoje, através dos contrastes sociais expostos por algumas histórias cotidianas passadas num bairro de Recife onde um ex-dono de engenho é dono da maioria dos imóveis.
Com alguns furtos acontecendo na região, alguns deles cometidos por hobby por um dos sobrinhos do poderoso local, uma equipe de seguranças se dispõe a fazer a segurança na região por uma contribuição mensal de cada morador.
Costurando as pequenas histórias paralelas, sempre regidas, mais ou menos perceptivelmente pelos sons cotidianos da rua, dos vizinhos, dos cães, o filme cria uma tensão palpável, mas nunca explícita.
Acompanhando os moradores, sentimos a todo instante que algo vai acontecer, algo está para eclodir, principalmente quando começamos a perceber as intersecções entre personagens até então pertencentes a histórias diferentes.
Os atores estão ótimos, criveis, corretos. Há uma atriz, Irma Brown, que é um clone (ou parente mesmo) da Maria Flor e, pelo jeito, igualmente talentosa fazendo uma tímida e enigmática namorada do corretor, um dos protagonistas.
O clima de tensão nos prende durante todo o filme e vai aumentando até o clímax final é algo que não é nada fácil. A sequência final, mesmo sendo mais sugestiva do que explícita, não é nada menos do que genial, daquelas em que a gene pensa que não poderia ter sido mais apropriada, nem mais impactante.
Fazer cinema assim não é para qualquer um. O diretor, Kleber Mendonça Filho, com Pernambuco debaixo dos pés, fez uma obra de arte e de imensidão, reconhecida inclusive pelo The New York Times como um dos melhores filmes de 2012.
Permitam-me, caras ex-esposas responsáveis por minha viagens, também agradecer ajoelhado, não todos os dias, só hoje, nem aos pés da cama, mas aos pés do sofá da sala, que por sinal está à venda, ao diretor de "O SOM AO REDOR" pela viagem que me proporcionou ao Recife que nunca fui e à imensidão que tanto almejo.
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