domingo, 19 de junho de 2011

OS 10 MAIS - TAIGUARA - VIAGEM - UMA BELEZA IMENSA


Não posso reclamar da minha infância (também, se pudesse, prá quem ia reclamar?). Brinquei muito, joguei muita bola; como caçula, fui protegido, era o reizinho da casa (falavam isso prá eu comer, porque, acreditem, eu era raquítico). Minhas irmãs às vezes apareciam com discos em casa, que tocávamos numa vitrolinha portátil. Foi ali que ouvi e me apaixonei por um tal de Taiguara, um disco chamado Viagem, que se não me engano foi presente do namorado de uma delas (Ana, diga de onde veio esse disco). Eu adorava todas as músicas. Mas cresci: primeiro virei adolescente e depois, até certo ponto, adulto. E esqueci o tal do Taiguara. Acho que não era chique gostar do Taiguara, era um cantor, como dizer, romântico. Certamente muitos dos milhares de leitores deste humilde blógui nunca ouviram falar do Taiguara. No máximo, viram algum coroa cantando Universo no Teu Corpo num karaokê (sim, tem essa música lá).

Depois, muito tempo depois, já não mais raquítico, eu comprei o CD e ouvi algumas vezes, mas nunca ouvi ouvindo mesmo, prá valer. Ouvi apenas o suficiente para perder o preconceito e saber que o Taiguara foi dos bons, autor de músicas lindíssimas. Mas daí a ter chance de entrar entre os 10 mais? Desde que comecei com essa tara psicótica de espalhar aos 4 cantos quais os meus dez melhores discos, tenho pensado em re-ouvir o Viagem, mas sempre deixo prá depois. A lista já estava totalmente fechada quando numa noite, me veio o Viagem num sonho-delírio, daqueles que a gente tem quando a Ponte ganha, vira líder e a gente come, toma cereja e vai dormir de barriga cheia. Aqui, neste flat em que me escondo da falta de um lar e dos CDs que ficam dentro dele, baixei o Viagem e ouvi. Ouvi, diga-se, nas piores condições possíveis: vendo Santos e Peñarol, conversando no MSN com a quarta gestão, doente, que dó, e escrevendo sobre Noel Rosa. Mas não teve jeito, mesmo com tudo isso, aquele som me arrebatou.

Começa com um naipe de metais du-caralho (o Word tá avermelhando essa palavra – desculpa, Word, não achei expressão mais apropriada) ponteado uma sutil guitarrinha. “Eu desisto, não existe essa manhã que eu perseguia, um lugar que me dê trégua ou que sorria, uma gente que não viva só prá si...”. Mas é depois desse arrasa-quarteirão que é “Universo no Teu Corpo”, que a gente percebe o quanto o disco é bom, porque na música seguinte, “Maria do Futuro”, entra um vocal feminino leve e sensual, quase gemendo de desejo ao ser acariciada por mim (gosto de pensar que posso arrancar isso de uma mulher). Aí entra o Taiguara, cantando. Bom prá... deixa prá lá. Nisso a música já está linda, mas quando ele entra, na segunda parte, naquela voz afinadíssima e suave, com “era noite de verão, vi o amor nascer num sorriso seu”, ah, não teve jeito: chorei; não devia confessar, mas sempre faço o que não devo, ou quase sempre. E depois dessa, como se não bastasse, entra a versão definitiva de Prelúdio No 2 (“você é isso, uma beleza imensa, toda a recompensa de um amor sem fim”), do monstro Luiz Vieira, com uma gaita fantástica. Aí é covardia, é apelação, é como o Shinyashiki na palestra colocar "Pai Herói", do Fábio Júnior, mandar a mulherada ficar de olhos fechados e lembrar o pai morto. Com uma diferença: no Taiguara tem arte e beleza! Lágrima que é pura, paz do meu amor. Em seguida uma instrumental divina, “A Transa”, linda, super-emotiva, que termina com ele declamando:
“vem, transpira a dor, transgride a treva fria,
e vem viver, transmutar, transpor, renascer,
vem meu amor”
Falando assim até eu iria...

Em seguida a faixa título, com “vai, abandona a morte em vida em que hoje estás... faz em fera a flor ferida e vai lutar” pontuada por metais e por uma boa guitarrinha distorcida. São poesia e música de primeira. Já acabou? Nada disso. Tem a tocante “O Velho e o Novo”, uma homenagem ao pai (depois de ouvi-la você vai, finalmente, se esquecer de vez da “pai herói”, do FJ) e outra versão definitiva: "Gente Humilde", do Chico e Vinícius. Mais: "Dia 5"em que ele ensina a cantar com suavidade, beleza e elegância, e outras três músicas com o Som Imaginário, lendário grupo mineiro composto por Wagner Tiso, Robertinho Silva, Tavito, Luis Alves, Laudir, Zé Rodrix e Nivaldo Ornellas. Imagina o que sai desse encontro. Entre essas com os mineiros, está a que fecha o disco, a instrumental Tema de Eva, de apenas um minuto e meio, mas que poderia ser tema de filme e ganhar Oscar. Viagem é um disco romântico, sim, o que, hoje sei, não quer dizer nada. É bom quando passa a adolescência e a primeira "adultice" e a gente pode se deliciar com o que antes era meio proibido.

Viagem, do Taiguara é um dos grandes discos já feitos neste Brasil-sil-sil, que, muito mais do que futebol, faz música de primeira. O disco é absolutamente imperdível, é de “uma beleza imensa”. Um alerta: se você está carente (e sei que está, senão não estaria sozinho lendo isto), cuidado com esse disco.

8 comentários:

Anônimo disse...

Acho que sou meio masoquista mesmo, eu quero ouvir o Taiguara, que cuidado nada. Uma hora tem que passar.
F.

Ana Lúcia disse...

rs....
Adoro esses seus posts...

besos,

Anônimo disse...

Véio vovomóça,
não esquecer que, assim como o CPNES, o Taiguara foi um símbolo da resistência...
e mudou a cara da cultura, da música e da esquerda brasileiras...
um abraço, um beijo e um queijo.
Panta

Sra. dos Sarsais disse...

Compõem uma caixinha lilás:
VIAGEM - 1970
CARNE E OSSO - 1971
TAIGUARA, PIANO E VILA - 1972
Portfólio legítimo, afrodisíaco,cívico, romantico de Taiguara.

Amanda, Mudou, Hoje, Eronita, Maria do Futuro, aquela voz, piano e bandoneon "cadeias de amor puro".

Diferente do cearense, esse uruguaio, a gente ouve o lado de dentro e o lado de fora sem pular nenhuma faixa.

"...E o que eu sou, o que escondeu a última verdade o que perdeu a única metade, Amanda, o que partiu e desertou...
Te amando, vou esquecer a inútil liberdade
Que eu sonhei ter nas luzes da cidade, Amanda...
Vou te enfeitar de anto amor...."

BJS, GRATA PELO OXIGENIO.
Cleide

Tio Moa disse...

uau!!! preciso reouvir Amanda!!

Anônimo disse...

olhando um dia de chuva, vi que mais triste era eu, que sem estrela e sem lua, te procurava no céu... (piano e viola - grande Taiguara, que falta faz.

Tio Moa disse...

uau, quem é você, pessoa anônima, que me deu um frio na barriga com esse mágico comentário?

Anônimo disse...

Curti Taiguara, ouvi Taiguara, chorei, ri e amei ouvindo Taiguara! Lindo o seu texto! Me emocionei novamente!!!!

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