Salve, salve, leitores e seguidores do Cobra Parada, o
blógui que não engole sapo;
Salve, salve, Estácio, Salgueiro e Mangueira, Oswaldo Cruz e
Matriz, que sempre souberam muito bem que o Cobra não quer abafar ninguém, só quer
mostrar que está vivo também;
Salve, salve, ministro Lupi, herói nacional, Macho com M
maiúsculo, porque não fez como os outros que saíram com o rabinho no meio das
pernas, ainda que negando. Nada disso, aqui nesta terra sem lei, neste faroeste
caboclo, não tem lugar prá gente que não assume. Aqui é lugar prá macho. Que ficar
se defendendo que nada! Coisa mais mulherzinha ficar negando! Coisa mais
infantil ficar gritando “tem que prova-á, tem que prova-á”. Macho fala: daqui
eu não saio e pronto! Lupi é nosso Bufalo Bill, nosso Clint Eastwood. Não vai
ser qualquer revolverzinho de merda que haverá de tirá-lo da legítima missão de
angariar fundos para o bem da sociedade, seja lá qual seja essa sociedade;
Salve, salve, gloriosa Ponte Preta, cujos torcedores protagonizaram
as cenas mais emocionantes da semana, na magnífica edição de imagens do Sportv.
Sim, porque a emoção está sempre pelos estádios, mas é raro captá-la com
leveza, com emoção e, sobretudo, sem cair na pieguice padrão de ficar longo
tempo numa criancinha chorando e verbalizando a respeito. Nada disso, a edição
rica, variada, abrangente e com cortes precisos feitas pelo Sportv nos momentos
finais do jogo foi magnífica, merecendo inclusive elogio público da concorrente
ESPN;
Salve, salve, pernambucanos do Náutico e do Sport, que
também estão na série A do ano que vem (tem uma aposta aí, mas é barbada). Não
sei se minhas amigas seguidoras pernambucanas gostam de fut, mas arrisco que
sim, amantes de arte e de manifestações populares que são, e há arte, ainda que
às vezes muito escondida, no esporte bretão (expressão dos antigos narradores
do rádio);
Salve, salve, pessoas atormentadas pela dor, a dor da
enxaqueca, da gastrite, de pedra no rim, a dor de dente, de gota, porque de
vocês será o reino dos céus.
Salve, salve, porque este blógui está de volta, depois deste
autor passar por algumas das dores acima homenageadas, mas que hoje está no
reino dos céus, vivo, sem dor!
Mas que dor foi aquela que deixou este já meio atormentado
autor sem dormir por várias noites! Acredite, desconfiado leitor, foram, ou
pareceram ser, o que dá no mesmo, exatas mil e uma noites sem sono, porque a
dor de dente, diferentemente da dor nos rins, dita a mais terrível (e pela qual
também já passei), é a mais cruel de todas, ela transcende o local, vai para o
global, sai do dente e vai para toda a mandíbula, para o queixo, pescoço, para
o crânio; a dor de dente invade e atormenta a alma! Descobri que a alma está ligada ao corpo
através das raízes dos dentes, e é por isso que a alma não se desprega do
corpo, como a sombra de Peter Pan teimava em largá-lo. E quem perder todos os
seus dentes perderá também a sua alma (não confie em ninguém sem 32 dentes).
Nas mil e uma noites de dor descobri o maior problema da
solidão: não tem quem ouça nossos gemidos. O gemido é imprescindível ao
sofredor, porque funciona como um analgésico; o gemido, o gemido bem dado, o
gemido sofrido, é um lenitivo, é um bálsamo para o gemente, mas o gemido só
funciona se tiver quem o ouça, além do gemente, por suposto. Ao ouvir o gemido,
e evidentemente se incomodar com isso, a alma do ouvinte acaba absorvendo um
pouco da dor do gemente. Tentei abrir a janela do quarto e gemer bem alto, para
que o inocente morador do apartamento de baixo, ou de cima, ouvisse, mas
desisti, porque o vento no rosto deformado aumentava a dor mais do que o gemido
ouvido pudesse diminuí-la.
Para dores extremas, só remédios
extremos. Remédios com tarja, controlados com formulários em várias vias.
Preenchi um monte de vias, que pediam centenas de informações. Pediram nome,
endereço, nome e telefone de alguém para contato. Acho que até tive que dizer o
time que torcia. Meu Deus, pensei, prá que serve tudo isso? Para o caso de eu
morrer por causa do remédio? Já em casa, praticamente consumido pela dor
torturante, enquanto aguardava, meio sem esperanças, o efeito do remédio, delirava
a respeito daquelas vias. Como uma alma que levitasse e observasse as pessoas
lá embaixo, tive a nítida sensação de ouvir o contato telefônico da funerária,
de posse de uma das vias do formulário, querendo saber se eu já... era cliente:
- Bom dia, com quem eu falo?
- Com quem o Senhor quer falar? (minha irmã JAMAIS diria seu nome
antes de saber quem está do outro lado da linha)
- A senhora conhece Moacir do Valle?
- Era meu irmão (é que ela fica meio brava quando eu passo um
tempão sem ligar e diz que eu não sou mais seu irmão)
- Era? Sinto muito pela perda.
- Que perda?
- O seu irmão.
- Ele perdeu o que? O senhor conhece o meu irmão?
- Torcia pela Ponte Preta, não é?
- Subiu.
- Seu irmão subiu?
- Não, a Ponte Preta, para a série A!
- E seu irmão, como está... de saúde?
- Agora está melhor, não sofre mais!
- Ah, sim, que pena...
- Como que pena? O que o senhor deseja com ele?
- Levá-lo com conforto à sua nova morada.
- Ele vai mudar? E não fala nada para a irmã? É típico dele!
- Temos o modelo standard, luxo e super-luxo...
Não sei se ainda delirava quando cheguei ao consultório. Felizmente,
há uma justiça divina, que dá água aos sedentos, alimenta os famintos, que atende
aos gemidos solitários. Eis que, no meio das mil e uma noites de dor, mais
precisamente durante um dia, dia de dor, é claro, me aparece uma odalisca, como
que para provar estarmos nas mil e uma noites.
Doutora “V”. “V” de visão, como a de um oásis no deserto.
“V”de vida, como se aqueles olhos e seu jeito lindo de falar me instilassem um
sopro em meus combalidos corpo e alma. Uma princesa, elegante e sutil, uma rainha, uma deusa que me
apareceu como devem aparecer todas as deusas: com uma seringa Carpule carregada
de anestesia.
Uma, duas, três, quatro, nem sei quantas vezes ela recarregou
e me aplicou, com aquele instrumento, o líquido divino (a anestesia dentária
surge, juntamente com a coca-cola e com o ar-condicionado, para provar a
existência de deus, ops, Deus). Ante aquela princesa inclinando-se sobre mim, esculpido pela dor como eu estava, senti-me um sapo. Ela me aplicou as doses da anestesia como uma princesa beija o sapo. O alívio da dor trouxe ainda mais luz à divindade daquela minha fada do
dente, da bela odalisca, da salvadora princesa que me transformou em príncipe, muito embora poucas horas depois, passado o efeito do beijo anestésico, eu tenha retornado ao meu estado anfíbio.
Veja de novo como ela é linda!
Jurei-lhe amor eterno. Ela jurou tratar-me.
Jurei-lhe devoção, ela jurou cobrar dentro da tabela da ABO.
Não gosta da frieza da doutora? Não é frieza, é a
objetividade de quem sabe o que quer. É a tradicional negativa da mulher que
ainda não se sabe perdidamente apaixonada. Pedi uma foto e ela se deixou
fotografar. Mais do que isso, olhou para a câmera com seus olhos mágicos, com o
mesmo terno, interessado, profundo e fascinante olhar com que olhava para dentro
da minha alma enquanto fazia um lânguido movimento de vai-e-vem com o aparelho ligado na
velocidade máxima, penetrando com carinho a minha dentina, explorando meu canal
com sua espátula número 1, raspando, terna e provocante, o escavador no meu
tártaro, sussurrando “abre a boca”.
Acho que vou colocar no facebook que estou em um
relacionamento sério, ainda que ela pense, fingindo a si mesmo, não estar, ainda que eu não tenha voltado lá por conta da diferença de
preço entre o convênio e o particular. "Particular, ela é particular!", tragédia do Martinho que ora me assola!
Agora devo de ir, vou dormir, esperando o efeito do remédio para o estômago, esburacado pelos outros remédios. A alma vai bem, sem dor, sonhando com fadas...
Devo de ir, fadas
Inseto voa em cego sem direção
Eu bem te vi, nada
Ou fada borboleta, ou fada canção
Inseto voa em cego sem direção
Eu bem te vi, nada
Ou fada borboleta, ou fada canção
As ilusões fartas
Da fada com varinha virei condão
Rabo de pipa, olho de vidro
Pra suportar uma costela de Adão
Da fada com varinha virei condão
Rabo de pipa, olho de vidro
Pra suportar uma costela de Adão
Um toque de sonhar sozinho
Te leva a qualquer direção
De flauta, remo ou moinho
De passo a passo passo...
Te leva a qualquer direção
De flauta, remo ou moinho
De passo a passo passo...
Fadas (Luiz Melodia)