domingo, 19 de agosto de 2012

CELSO BLUES BOY - INVERNO NA ALMA

Olá, leitor amigo, leitor inimigo, leitor indiferente a este autor, sobrinhos ávidos por descobertas, esposas de sobrinhos, sobrinho exímio guitarrista (Paulo Ribeiro, a quem, em minha fase pobre, dei um DVD pirata do Pat Methneny que não rodou – só para constar, a fase pobre já passou e tenho saudades dela...).

Antes de continuar lendo, pegue seu fone de ouvido, ou aumente o volume dessa caixinha de som furreca que você tem conectada ao micro. Ouça o link abaixo enquanto lê. É sério. Se não for ouvir, melhor nem ler. Dê o play. Pronto, pode continuar.

Homem das Ruas

Outro aviso, este ao leitor feliz que adora colocar mensagens positivas no facebook pensando que vai fazer bem a si ou a quem quer que seja: Humberto Laraia se apropriou dos dedos que digitam estas letras, o que significa que este pôsti é somente para aqueles que possuem coração onde nuvens negras choram.

Quanto ao que você está ouvindo, pelo jeito de cantar você deve estar pensando que é o Tio Moa cantando com sua voz gutural erótica em uma de suas raras e disputadas aparições nos palcos de karaokê da capital federal. Karaokê, veja só... Sem o virtuoso violão do Luiz, irmão do Junco, com quem cantava blues nos anos 90, Tio Moa teve que apelar para os Karaokês... É a vida.

Voltando à música, não; não é o Tio Moa cantando. O que o Tio Moa faz, desde que conheceu Celso Blues Boy, é cantar como ele, porque sempre lhe pareceu ser esta a única forma sincera de se cantar. Celso Blues Boy é um virtuosíssimo guitarrista brasileiro que ousou compor, tocar e cantar blues brasileiro. Blues, que conheci de verdade com o Paulão Magalhães, um amigo com alma de bluesman, é um gênero de origem afro-americana, que começou expressando a dor e o sofrimento dos escravos do sul dos Estados Unidos. Hoje o blues continua igual, expressando a dor e o sofrimento da escravidão, só que agora é a escravidão do amor e da solidão. Robert Johnson, que teria vendido sua alma ao diabo numa encruzilhada, popularizou o blues. Bob Dylan, Eric Clapton e BB King beberam em sua fonte e se lambuzam até hoje. Celso Blues Boy compôs uma música (Mississipi) com essa história do Robert Johnson, e a gravou dividindo guitarras e vocais com BB King. CBB fazia blues brasileiro e viveu o blues radicalmente, até o fim. Mas do fim falarei só no fim, como convém à cronologia da existência, exceto naquele filme chato em que o Brad Pitt nasce velho.

Agora dá um stop na música anterior e bota pra tocar essa maravilha aí embaixo, antes de continuar a ler. 


Trata-se de “Se você pudesse me ver” – tudo é lindo, letra, melodia, canto e guitarras incríveis do Blues Boy, cujo apelido, referência ao BB King, foi dado provavelmente quando tocava com Raul Seixas. O próprio BB King convidou CBB a fazer carreira nos Estados Unidos. Recusou, como também recusou o convite para fazer parte do lendário The Commitments, grupo criado por Alan Parker para o filme homônimo (não deixe de ver, se gosta de música e de cinema) e que continuou como grupo depois do filme. Nosso Blues Boy chegou a ser sucesso por aqui, no final dos anos 80, com o petardo “Sempre Brilhará” tocando nas rádios, na TV e em alguma novela. Mas Celso gostava mesmo era de seu mundo blues, de ser marginal. Aliás, seu segundo disco é o Marginal Blues, cujo carro chefe era a agitada “Marginal”, que gravou com Cazuza, que entrava bem ao seu estilo, rasgando com
A sua mãe não trabalhava
Prá você virar um marginal!
A popularidade dos anos 80 nunca mais se repetiu, mas Celso Blues Boy manteve-se como um ícone, não só entre os fãs do blues, como entre os roqueiros e os guitarristas brasileiros, porque o cara realmente era um monstro. 

“Era”, porque, se ainda não disse, ele morreu há menos de duas semanas, aos 56 anos. CBB foi considerado pela revista Backstage americana um dos 20 maiores guitarristas do mundo. Sua popularidade nunca mais foi a mesma, o que, felizmente, não significa nada (Michel Teló é popular no mundo todo).

Pois foi exatamente na fase pós-fama, já no final dos anos 90, que CBB compôs seus melhores discos, os insuperáveis Indiana Blues-1996, Nuvens Negras Choram-1998 e Vagabundo Errante-1999. Neles, sua voz está mais madura e sua guitarra mais impressionante, com solos que choram no melhor estilo Duane Allmann. São estes os discos mais ricos, equilibrados, emocionais e, sobretudo, mais depressivos, portanto, mais belos.

"O quê", indaga o incrédulo leitor positivista que teimou em ler o pôsti até aqui. "Quanto mais depressivo, mais belo?" 

Aqui um esclarecimento a todos aqueles que postam lindas mensagens de vida no facebook porque pensam que a felicidade é a melhor coisa do mundo: sinto por contrariá-los, mas a verdadeira beleza vem da dor. A Nona Sinfonia, a maior composição da história do planeta, foi composta na fase mais dolorosa de Beethoven. Você já leu, do Goethe, “Os sofrimentos do jovem Werther”? Uma maravilha! Um dos maiores discos brasileiros de todos os tempos, “Loki”, é uma ode à dor. Tenha certeza de uma coisa: alegria só faz axé e pagode. Sofrimento e dor fazem arte e beleza.

Então eu toco um blues, são as notas que choram
feito um açoite é a minha guitarra
no coraçao da noite, no coração da noite

Caso a música anterior tenha se acabado, coloque essa que vem abaixo. Se não, espere acabar, porque é uma heresia interromper essa maravilha no meio, e justamente num solo alucinante, delirante, emocionante, ante ante ante.... Calma, relaxa esse coração cheio de angústia, essa alma que transpira ansiedade... Ouça...

Pronto, acabou. gora clica na próxima. 

Agora que já está rolando "Nuvens Negras Choram" você está preparado para ler o resto.

Antes que você chore, vou te dar um presente: para quem pedir, via comentário, eu faço um CD com uma seleção. Quem não for de Brasília, manda o valor de um SEDEX (não aceito outras forma de postagem, nem outra empresa) que eu envio. Mas saiba que um CD de seleção é um avilte, não serve para conhecer um músico, assim como melhores momentos de um jogo não serve para saber como foi o jogo. Uma seleção serve para dar um empurrãozinho, para querer conhecer, para a gente sair do óbvio, conhecer alguém diferente e ter vontade de ir atrás de seus discos.

O óbvio é gostarmos de Eric Clapton (o Deus), Bob Dylan, Pat Metheny, Gilmour e outros gênios mais conhecidos. Mas há um gênio por aqui, pertinho, e não conhecemos. E não se trata de valorizar a coisa nacional, que isso é bobagem - "O patriotismo é o último refúgio de um canalha". O que vale na arte não é a sua origem geo-política, mas ser tocado por ela. É assim na música, no cinema, na arte, enfim. Para ser tocado por uma música, ela tem que conversar com a gente, nos dizer algo no fundo da alma (é óbvio que a qualidade é condição sine qua non - o Michel Teló pode eventualmente dizer algo a mim, o que duvido um bilhão de vezes, mas digamos que me fale - nem assim me tocará, porque ele faz lixo, não arte). O blues brasileiro do Celso Blues Boy me diz muito, e é muito, mas muito bom.

Como disse no início, Celso Blues Boy viveu o blues até o fim.
Descobriu uma merda de um câncer na garganta, mas recusou o tratamento.
Não contou para ninguém e pediu para ser cremado, virar fumaça.
Fumaça que tanto aparecia em suas letras...
O que sei é que a morte de um músico nunca me abalou tanto.
Sinto-me a própria Sra dos Sarsais quando Dércio Marques se foi, com a diferença que não chorei, porque sou homem e homem que é homem não chora! Coça o saco e arrota no lugar de chorar, para mostrar que é homem. Além de não chorar, o homem mente um bocado.
Mas, você há de convir... Celso Blues Boy não é como qualquer outro: eu cantava imitando o cara!
Quando a gente canta, é nossa alma se lavando, se abrindo... Tá bom, tá bom: estou chorando!
Sinto o inverno em minha alma...

sábado, 18 de agosto de 2012

UM DIVÃ PARA CASAIS



Acabo de retornar do cinema, tomar um banho e cair na cama. Sinto-me como que voltando de uma espécie de Spa emocional.

Nunca escrevo sobre um filme assim, tão pouco tempo depois. Prefiro maturar, vê-lo novamente no dia seguinte, para sentir e refletir melhor. Isso porque nunca penso em escrever sobre um filme como um crítico. O que se lê neste Cobra não são críticas, mas reflexões, talvez crônicas. O que mais me interessa no cinema é ao que ele nos remete, o que ele nos proporciona, no que nos transforma, e normalmente preciso de um tempo para sentir o que um filme me fez.

Neste mundo moderno, em que nos tornamos autômatos, colocando nossa vida no piloto automático, buscamos o cinema pela sua capacidade de nos fazer vivenciar plenamente uma experiência ficcional prazerosa. E o bom cinema se diferencia cinema ruim basicamente por dois aspectos:
- quanto maior a qualidade cinematográfica, mais intensa e prazerosa essa viagem ficcional;
- o bom cinema usa a ficção como transporte para nos levar ao fundo das coisas e de nós mesmos, numa viagem crítica e analítica, portanto, transformadora. 


A comédia “Um divã para dois”, que estreou hoje, me fez ir ao fundo de mim mesmo tão rapidamente e com tamanha clareza que me dispensei do tempo de que normalmente preciso para a tal maturação. O filme fala de um casamento que perdeu o fôlego, que caiu na rotina, que perdeu o viço. Alguém aí conhece um casamento assim? Cantou o Fagner: “amor quando perde o viço, nenhum carinho consola; sereno na boca da noite orvalha, mas não molha.” O tema me é caro, afinal, foram-se lá quatro casamentos, sem nenhum funeral. 

Meryl Streep, sempre divina, é a esposa que busca um terapeuta de casais porque o marido não a procura mais, não fazem sexo há anos. O terapeuta (Steve Carrell) os coloca em situações delicadas. Tommy Lee Jones é o marido carrancudo que acha aquilo tudo uma estupidez. A sinergia entre ele a Streep é inacreditável, parece que já fizeram 10 mil filmes juntos, parece que são casados há 30 anos e que não fazem sexo há 4. Os dois mega atores dão um show. Tommy carrega a parte cômica. Ator excepcional, usa a expressão (e não caretas) para fazer gargalhar inúmeras vezes a plateia. Eu mesmo chorei de rir algumas vezes. O filme é inteligente e delicado, equilibra a comédia com o drama sensível, sem cair nem na comédia rasa nem no drama fácil. 

Casais de meia idade, casais sem viço, casais que já não fazem sexo como antes (ou seja, todos, exceto os casais de mentirosos), eu os conclamo para irem ainda neste final de semana ao cinema, mas preparem-se, porque o filme, além de fazer rir muito, toca em algumas feridas. Se quiserem, por iniciativa da mulher, é claro, trabalhar essas feridas depois, em casa, numa discussão da relação, ok, é uma oportunidade. Caso contrário, encarem o filme exatamente como ele é: uma deliciosa, inteligente, emocionante e transformadora comédia sobre o amor e o casamento. Tão transformadora que me deu vontade de casar de novo, e não me separar nunca mais, seja lá quem for a dita cuja. Por ora, vou dormir, que já é tarde. Quem sabe amanhã a vontade já passou...

domingo, 12 de agosto de 2012

EU NASCI HÁ 112 ANOS ATRÁS

1. Amar foi minha ruína 
Durante minha infância e adolescência, lá pelos anos 70, assisti diversas vezes ao melodrama “Amar Foi Minha Ruina”, com Gene Tierney, Cornel Wilde e Jeanne Crain, atores tão desconhecidos hoje quanto o diretor John Stahl. Ruína: “decadência ou perda moral”, “ação ou resultado de desmoronar” e “restos do que desmoronou”. 
Mais de vinte anos antes, no dia 16 de setembro de 1951, pela manhã, a jovem Lourdes estava toda ansiosa para ir ao cinema ver “Amar Foi Minha Ruína” com seus amigos. "Ansiosa demais", assuntava o pai, Seu Antonio, um rígido português que a criara sozinho. Estaria assim pelo filme ou para ficar ao lado de algum dos amigos? Difícil saber. O fato é que as irmãs Teresa e Consuelo, Waldemar Casassa, Kiroshi, Ana Alves, todos entre 16 e 17 anos, mais a Mirce e o Carlos Augusto, que tinham 15, e o Antonio Cláudio, de 18, também estavam se preparando para ir ao cinema ver “Amar Foi Minha Ruína”. Gostavam de chegar bem cedo para pegar os lugares centrais.
Com capacidade para 1200 pessoas, o Cine Rink estava lotado e o jovem escritor, personagem do filme, ainda nem tinha sofrido as loucuras de sua esposa ciumenta quando a primeira viga que sustentava o telhado do grandioso cinema caiu sobre o forro. Em instantes, tudo desabou sobre a plateia, especialmente nos lugares centrais do cinema. Telhas, vigas com pregos expostos caiam e rasgavam braços e rostos. A tragédia deixou mais de 400 feridos e 40 mortos (25 na hora e 15 depois, nao resistindo aos ferimentos). Muitos deles foram retirados somente na manhã do dia seguinte. Todos os jovens citados morreram, com exceção daquela cujo pai, português, era torcedor da Ponte Preta. 

Naquele dia, as atenções estavam voltadas para a partida entre Ponte Preta e XV de Novembro de Piracicaba, no Estádio Moisés Lucarelli, para onde o rígido português arrastou sua chorosa filha Lourdes, que, portanto, acabou faltando à última sessão do Rink. No intervalo da partida, o sistema de som pediu o comparecimento aos portões de saída de médicos que estivessem no estádio. 
Lourdes, salva pela Ponte Preta, onze anos depois, dava a luz a este que escreve neste blógui sobre a maior tragédia da história de Campinas para homenagear a gloriosa Ponte Preta, que neste 11 de agosto completou 112 anos. 
2. Plínio Marcos e a Ditadura militar
Em plena ditadura militar, enquanto eu ignorava o que se passava no país e assistia ao melodrama de John Stahl, o dramaturgo Plínio Marcos, que tinha a mesma idade de minha mãe, Lourdes, usava a arte para desafiar o sistema. Depois de 20 anos da tragédia do Cine Rink, Plínio Marcos publicava, em 1971, ano em que fui pela primeira vez ao estádio ver esse time aí abaixo, o livro com sua peça “Quando as máquinas param”. O prefácio, abaixo, é uma pérola. Leia que é curtinho e vale à pena.
Um belo dia, os atores Ginaldo de Souza e Vera Viana, voltando de uma excursão ao norte do país, resolveram fazer uma apresentação em Campinas. Acontece que o dono da cultura local, estava montado num cargo público (desses para o qual o cidadão é nomeado e não eleito) e, ao saber que a peça que os artistas queriam apresentar era “Quando as máquinas param”, deste autor, virou bicho... se arvorou em defensor implacável das famílias campineiras e não permitiu que a peça fosse apresentada no teatro que era do município, mas que o papanatas pensava que era dele... (Ginaldo e Vera) já iam se acostumando em ficarem no prejuízo quando a generosa gente da gloriosa Ponte Preta tomou conhecimento do assunto. Nem vacilaram. Abriram as portas da sua sede social para “Quando as máquinas param” e garantiram o taco, em nome da liberdade de expressão. E foi um tremendo sucesso... Este autor ficou para sempre agradecido à gloriosa Ponte Preta e à sua gente e, por essa luz que me ilumina, muito mais feliz por ver “As Máquinas” apresentada na casa do clube do povão, em vez de ser apresentada no templo do fajuto dono da cultura.
De todo meu coração, obrigado, Ponte Preta
Plínio Marcos
3. Primeiro do mundo a ter negros
Como todos sabem, a Ponte é conhecida como a Macaca, mascote que simboliza o time. O que muitos não sabem é a origem deste símbolo. No início o futebol era um esporte bastante elitista. Negros não chegavam nem perto dos times, com exceção da Ponte Preta, que tinha negros desde a sua fundação. Em excursões pelas cidades do interior, onde o preconceito era ainda mais forte do que nas maiores cidades, as torcidas não aceitavam aquele time que trazia negros. Um dos primeiros rivais da Ponte foi o XV de Piracicaba, o mesmo que jogava em Campinas no dia do desabamento do Rink. Consta que foi em Piracicaba que os pontepretanos começaram a ser chamados de macacos. No lugar de se ofender, eles assumiram o apelido e transformaram a macaca no mascote do time. O Vasco, assim como imitou o uniforme da Ponte, reivindica ter sido o primeiro time a ter negros, mas não foi. A própria FIFA considera a Ponte como o primeiro time do mundo a aceitar negros como jogadores.


As três histórias acima falam um pouco desse time que, verdade seja dita, não é lá muito chegado a vitórias e não tem títulos importantes. Tanto não é chegado que a palavra derrota consta no hino, e vem antes da palavra vitória, o que mostra o desprezo da Ponte Preta por bens materiais, como títulos e troféus. Um time, por sinal o mais antigo em atividade no Brasil, cuja existência é ligada à vida, à igualdade e à liberdade, não precisa, convenhamos, de títulos e troféus. Já não disseram ser mais fácil um camelo passar no buraco de uma agulha que um rico chegar ao reino dos céus? Por isso, torcedores de times vencedores, cheios de troféus e medalhas: preparem-se, porque na eternidade, enquanto vocês estiverem jogando contra times infernais fortíssimos em temperaturas escaldantes, os pontepretanos estarão além das nuvens, onde há ar condicionado central e se pode beber coca cola sem trauma, jogando contra anjos e arcanjos, e sendo festejados por ninfas, como essas aí, que estarão cantando: 
“Ponte Preta sempre, sempre, na derrota ou na vitória,
És amada, Ponte Preta, orgulho de nossa terra
Ponte Preta de paz, Ponte Preta de guerra!”

terça-feira, 7 de agosto de 2012

AINDA LONDRES 2012 - SALVE A SIMPATIA!


Stanislaw Ponte Preta, cujo sobrenome certamente não escapou ao atento leitor do Cobra Parada, foi um genial cronista, jornalista, humorista, radialista e mais um monte de “ista” brasileiro. Seu nome verdadeiro era Sérgio Porto. Por mais que eu tenha me esforçado, jamais consegui comprovar a evidente ligação entre o sobrenome do pseudônimo e o time mais amado do Brasil. Pois o Ponte Preta cunhou a expressão FEBEAPÁ, que usava para falar sobre o Festival de Besteiras que Assola o País. Era tanta bobagem que ele ouvia e lia, que tinha que botar prá fora. Qualquer hora eu pego o livro, delicioso, e ponho alguma coisa por aqui.

Pois é assim que me sinto em relação à cobertura das olimpíadas. É muita bobagem. É um dizendo que o cara estava "literalmente focado", como se tudo estivesse escuro e houvesse um holofote sobre ele. É o outro que só percebeu que a decisão do tenis masculino era em melhor de cinco sets depois de quase duas horas de jogo. "Ah, nao é match-point, é melhor de cinco". Tem mais: narrando a natação o cara dizia "Lá vem Phelps, está chegando, vai bater para o ouro, é o ouro, é o... ih, ainda não, tem mais uma volta". E não é só bobagem, evidentemente. Há coisas sujas, mas há as belas também. Enfim, venho recebendo tamanha saraivada de falas, imagens, impressões, emoções e o diabo a quatro (veja que grafo “diabo” com letra minúscula, pois só o Chefe merece letra maiúscula na inicial), que minha pobre e combalida cabeça explodirá caso eu guarde tudo somente para mim. 

Dito isso, caro seguidor, amado amigo, e casual leitor, venho pedir-lhe permissão para vomitar mais algumas coisas sobre as olimpíadas.  Espero que seja mais divertido. Haverá até premiações! Então comecemos:

Troféu “Cala a Boca, Tio Moa!”
Volei feminino do Brasil vence russas, no peito (e charmosos glúteos) e na raça!
E o troféu “Cala a Boca, Tio Moa” de hoje vai para as meninas do vôlei. Desde aquelas olimpíadas em que perderam um set (e o jogo e a medalha) para a Russia, depois de estarem ganhando o set por 24 a 19, que elas vem sofrendo com a qualidade e a frieza das russas, mesmo quando elas, as brasileiras, são favoritas e em boa fase. Hoje jogariam, novamente numa olimpíada, contra as Russas, que atualmente são uma das favoritas ao ouro e estão jogando muito mais que as brasileiras. Quer melhor hora para amarelar? Pois hoje, certamente estimuladas por este blógui, que classificou como perdedora e amarelona a alma dos brasileiros, as meninas resolveram calar a boca do Tio Moa. Mesmo com os altos e baixos naturais de um time que não está no auge, jogaram muito! No quinto set tiveram seis match-points contra. Seis! E salvaram todos, um por um, com bravura indômita e frieza nórdica. Quando finalmente viraram o placar e tiveram o primeiro (talvez o segundo) match-point a favor, cravaram. Foi realmente emocionante e épico. “Fala, agora! Fala, seu bosta! Diz aí: quem é que amarelou? Cala a boca, Tio Moa!" 

Troféu “Salve, Simpatia!” – 1
Ross e Kessy: vitória da simpatia sobre a sisudez
O primeiro troféu “Salve, Simpatia!” de hoje vai para as americanas do vôlei de praia, Ross e Kessy, que eliminaram as mega favoritas brasileiras Larissa e Juliana. Ganharam porque são melhores? Não! Ganharam porque são mais simpáticas!  Vejamos: naqueles 13 graus, naquela chuva, a torcida tremendo de frio estava lá para quê? Para ver pernas, para ver bundas, é claro! As brasileiras entraram encapotadas, com roupas de mergulho, escafandro e o caralho a quatro (caralho no sentido lato). Já as americanas, que nem são as mulheres mais lindas do planeta, entraram com suas lindas pernas branquinhas e lisinhas totalmente de fora, e ainda por cima com biquíni branco, mais revelador. Isso é que é conexão com a torcida! As brasileiras, melhores, ganharam o primeiro set e dominavam facilmente o segundo, mas sempre carrancudas, mesmo quando ganhavam os pontos. A mega-chata da Larissa, com aquela expressão de matadora, se achava no direito de dar bronca na colega, mesmo quando era ela que havia errado, como quando errou uma cortada sozinha e disse à colega “Porra, meu! Cê me dá uma manchetona alta daquela! Levanta direito!” A Juliana devia gritar prá ela “Cala a boca, sua bruxa, que meu ouvido não é privada!” Não é brincadeira: elas estavam ganhando o segundo set e eu já estava irritado de ver aquilo. E as americanas? Sempre com expressão leve e animada, a cada ponto, ganho ou perdido, sempre se apoiando uma à outra, enquanto as brasileiras lá, carrancudas, focadas! Não tem nada chato do que gente focada! As americanas sorridentes e de pernas de fora, conquistaram a plateia, este que escreve e ainda por cima os pontos necessários para a virada. Salve a simpatia!

Troféu Salve, Simpatia – 2
Arthur Zanetti, medalhista de alma leve
Ontem o simpático Arthur Zanetti surpreendeu o mundo com a primeira medalha brasileira, e logo de ouro, na história do atletismo olímpico. Lembra aquele movimento em que ele, em cruz e de bruços, fica paradinho, primeiro um pouco mais abaixo, depois um pouco mais acima? Sabe por que ele conseguiu aquilo? Porque, além dos músculos e da técnica, ele tem a alma leve. Se a alma dele pesasse 3 gramas a mais, não aguentava aquela posição. A alma leve e simpática do rapaz se mostrou também na hora em que soube da vitória e no pódio: sem aquela choradeira chata. Só a alma leve, sorriso gostoso, alegria genuína. Nada de chororô! Não foi redenção, foi vitória. E depois ainda aguentou aqueles repórteres chinfrins daquelas redes chinfrins tentando de tudo para fazê-lo chorar, apelaram até para a avó dele, mostraram ela vibrando e chorando. E ele? Simpático, disse “que legal” e bola prá frente!. “Não é possível que esse cara não chore”, deve estar vociferando o editor. “Nós tentamos de tudo, chefe”. “Pois tenta mais, procura”. “Onde, chefe?” “Sei lá, o repórter é você. Não é possível que esse cara não tenha algum amigo antigo internado com câncer terminal para dar uma declaração ao vivo”. Eles querem mais é choro! Mas o Zanetti está lá, simpático e pimpão como ele só, curtindo a medalha, sem choro nem vela! Salve, simpatia!

domingo, 5 de agosto de 2012

DEIXE DESSE CHORORÔ, BRASIL


Deixe desse chororô, isso nao leva a nada, já cantou Ednardo.


Acostuma-te à lama que te espera, escreveu Augusto dos Anjos.


Somos perdedores, escreveu o Tio Moa. 


Estamos todos no esgoto, mas alguns entre nós olham para as estrelas, escreveu Oscar Wilde! Oscar Wilde, por sinal, era britânico, mas não inglês e sim irlandês, o que deve equivaler, no primeiro mundo Bretão, a ser nordestinos de Minas prá baixo, a ser pontepretano na séria A do brasileirão, a ser negro nas plagas gauchescas (gauchos só não são preconceituosos com homossexuais, por motivos óbvios). 


O fato é que Oscar Wilde, um esteta, famoso nos circuitos artísticos, adorava festas, badalações e meninos bonitos. Foi preso, julgado e condenado por seus desvios morais (o negócio dele nunca foi a moral, mas a estética). O sociedade se afastou dele. Depois de cumprir a pena, foi morar só em Paris, num apartamentinho minúsculo. Contraiu sífilis, depois meningite, doença esta que, por sinal, já passou duas vezes pelo frágil e debilitado corpinho do Tio Moa, quando este ainda tinha um corpinho. Com a medicina mais de setenta anos mais avançada do que na época de Wilde, Tio Moa não morreu. Wilde sim, mas antes de morrer fez a opção de não sentir dor, de viver seu final com dignidade estética, enchendo-se de ópio, curtindo até o final os prazeres da vida, cujo maior, para ele, era beber champanhe. Morreu assim, sem dor, com sofisticada embriaguez e bem vestido. Morreu, enfim, olhando para as estrelas.


Este deveria ser o caso dos brasileiros derrotados em Londres e também o nosso, brasileiros frustrados com o ouro esperado que não veio. Todos deveriam tomar champanhe e olhar para as estrelas no lugar de ficar choramingando esse chorozinho ralé de sarjeta. Ninguém tem obrigação nenhuma de ganhar, sobretudo num país sifilítico em termos de educação, de esportes e de ética. Os EUA ganham tudo porque eles tem educação (e educação compreende o esporte). Vejam que não há um único filme americano com crianças e adolescentes em que não apareça uma cena em que eles estejam praticando esportes na escola ou na faculdade. Até o ótimo Carrie, a Estranha, o original, é claro, tem cena de prática de esporte na escola. O cinema reflete a realidade. Lá é cotidiano, faz parte da educação e da cultura deles. Não faz parte da nossa. Não é normal que ganhemos medalhas.


No lugar de esperarmos medalhas e de apoiarmos, como infelizmente fazemos, os discursos oportunistas de que “precisamos investir pesado nos atletas para ganhar olimpíadas aqui”, deveríamos cobrar investimentos em educação de qualidade, o que compreende forte estrutura esportiva em cada escola, em cada faculdade, para que daqui a trinta, quarenta anos, comecemos a curtir os frutos dourados, de modo natural. As americanas do vôlei são favoritas ao ouro, e lá não tem vôlei profissional, só nas universidades. 


Nosso país é assim, não tá nem aí para a educação. Quantos livros os jovens brasileiros leem por mês?  Por ano? Na vida? O esporte é consequência da educação. Nossas vitórias são exceções, devem-se a raríssimos e talentosos lutadores que conseguiram enfrentar todas as dificuldades. Ganhar ou não ganhar reflete o quanto valorizamos o esporte. Gostamos de quais esportes? Futebol, e nisso somos mega vencedores. Também gostamos de vôlei, e sempre ganhamos. Mas quem está aí para atletismo? Para salto com vara? E ainda assim, achamos um absurdo que a saltadora e que os irmãos Hypólito tenham amarelado e que as judocas tenham perdido suas lutas. Ficamos bravos, ironizamos. Eles deviam responder “Ah, vá te catar! Errei e acabou, ninguém tem nada com isso”, e não tem mesmo. A saltadora Fabiana Murer, ao menos, não se abalou. Não saltou e pronto. Amarelou e pronto. Foi mais ou menos isso que ela disse, perfeitamente sóbria. 


Porque vários atletas brasileiros ganham mundiais, são primeiros no ranking, mas amarelam nas decisões? Primeiro porque são brasileiros, latinos, sangue quente, emocionais. Segundo, porque ganham quando nenhum brasileiro tá olhando, já que não ligamos para os esportes que praticam, só vemos as olimpíadas. Finalmente, amarelam porque nas olimpíadas sentem a pressão, sabem que lutaram contra tudo e contra todos para estarem entre os melhores do mundo, trazem o complexo de vira-latas de toda uma nação e carregam ainda por cima essa pressão de um povo louco para que as vitórias apaguem nossa pobreza esportiva, ética, educacional, política. Obrigamos nossos atletas a nos darem, de bandeja, a autoestima de que tanto precisamos. 


Por isso eles choram quando perdem e também por isso choram quando ganham. Quando perdem é de medo dos vampiros brasileiros, loucos por medalhas que não são suas. Quando ganham o choro é mais de alívio que de alegria. Nem os vencedores curtem seu momento, o que se comprova na infalível afirmação que todos fazem: “a ficha ainda não caiu”, ou “agora tudo no Piauí vai ser diferente”. Vejam as americanas no pódio: sem choradeira, estão lá felizes, curtindo seu momento de sucesso, aproveitando. Já viu algum americano falar que “agora em Massachussetts tudo vai melhorar”? O que os americanos e assemelhados sentem no pódio é alegria, não é redenção. 


Mas quer saber de uma coisa? Nós somos assim e ponto. Cada um com o seu cada qual: assim é na vida, assim é nos esportes. O esporte é legal porque reflete o que é um país. O quadro de medalhas mostra exatamente o que somos, e só não vamos pior por causa das raras exceções, dos talentos individuais. Esses atletas brasileiros, tanto os vendedores quanto os perdedores, na real, valem muito mais que os Phelps, porque nadam contra a corrente, em rios barrentos, e não em piscinas limpas e climatizadas. O dia em que tivermos na educação e nos esportes os valores básicos da nossa sociedade, o que na verdade duvido que aconteça, teremos nossos Phelps. Mas se não acontecer, azar. Não temos na nossa cultura o espírito vencedor. E quem precisa disso para ser feliz? As estrelas estão aí, o céu é para todos.


P.S. A propósito: a Ponte Preta, emérita vira-latas da pela série A do campeonato Brasileiro, acaba de vencer, em plena Belo Horizonte, o poderoso Cruzeiro, cujo símbolo são as cinco estrelas que guiaram os Reis Magos. 

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

AQUI É O MEU LUGAR


Pergunta 1: Você já se pegou ouvindo, num filme, numa novela, ou mesmo lendo um livro, algo que te liga diretamente com algo que você já viveu, ou algo que você já sentiu?  


Nunca? Pense bem: é como se, cifrada sob a fala de um personagem, aquilo tivesse sido escrito diretamente para você. Bom, eu já senti isso, algumas vezes. Muitas, na verdade. Ao ouvir, parece que reacende algo bem lá dentro da gente, e nos enchemos de melancolia e nostalgia... 


Normalmente os melancólicos e os estranhos sentem mais esse tipo de coisa. Pessoas normais não tem essas frescuras, não; nem tem tempo para isso. Pessoas normais são práticas, vivem o presente e planejam o futuro. Pessoas normais são mais comuns. Já os estranhos... são estranhos, o que mais dizer? Melancólicos? Sim, os estranhos em geral são melancólicos e andam de abraços com a nostalgia. 


Não sei se sou incomum, estranho ou melancólico, se sou tudo isso junto ou se sou, como a maioria, apenas alguém que,mesmo sem confessar a mim mesmo, sempre invejou os incomuns, os estranhos, os melancólicos e, por consequência ou parentesco, os lunáticos. O fato é que sempre vi mais mérito nos incomuns, nos estranhos, nos alucinados, nos melancólicos, nos desajustados. Ou, no mínimo, sempre me pareceram pessoas mais interessantes. 


Pergunta 2: Como é a sua alma? Não a cor, nem o formato. Aqui não interessa se sua alma é rosa, verde ou azul; nem se ela tem a forma de cubo, tetraedro ou grão-de-bico. O que importa saber é se sua alma voa. Almas que voam são sensíveis aos ventos, afetam-se com a dor alheia, ainda que o alheio seja muito alheio, enxergam poesia em tudo. Quem tem alma voadora, sempre abre primeiro a mensagem daquela que ama, ou que quer amar, mesmo que seja o último dia para pagar suas contas; e, se realmente havia mensagem dela, muito provavelmente vai se esquecer de pagá-las, seja pela distração da dor de uma recusa, seja pelo tresloucar do amor correspondido. 


Pergunta 3: Você gosta de cinema? Gostar que eu digo é admirar, não apenas divertir-se. É admirar e admirar-se, emocionar-se com um belo trabalho. Muita gente diz “eu não entendo de cinema, eu não sei se a câmera é assim ou assado, nem se o diretor é isso ou aquilo, eu só gosto de cinema”. Estão enganadas: entendem sim, porque o cinema é uma arte que pretende tocar o expectador, e não um quiz, um joguinho de conhecimentos. Não precisa saber o que é fade-out para sentir-se tocado pela beleza daquela cena cuja imagem final vai se esmaecendo aos poucos, escurecendo a tela. Também não precisa saber que o Sean Penn usa o método Stanislavski, se é que usa. Não precisa, aliás, nem ao menos saber que aquele personagem é feito pelo Sean Penn. Basta que você saiba que ali há um ator interpretando um personagem e que seja capaz de se emocionar com seu trabalho.


Se você respondeu afirmativamente às 3 questões, não deixe de ver “Aqui é o meu lugar”, filme que acaba de entrar em cartaz. Cheyenne é um roqueiro que fez sucesso nos anos 80, compondo hits depressivos para jovens depressivos. Milionário mesmo após não ter feito mais nada nos 30 anos que se seguiram e ter fugido da mídia devido a uns problemas que você vai descobrir vendo o filme, Cheyenne está decrépito, efeito das drogas e do personagem que criou para si e que até hoje não abandonou: todos os dias maquia-se e usa roupas do mesmo estilo da época em que cantava (e que por sinal remete diretamente a Robert Smith, vocalista e líder do The Cure - veja a semelhança abaixo). Nunca mais saiu da cidade irlandesa em que mora.


Enfim, Cheyenne é um cara muito estranho, daqueles que espanta se cruzar com a gente no corredor do supermercado. Ele tenta unir uma jovem amiga roqueira com um jovenzinho careta que ele mal conhece, mas com quem simpatiza. Atrapalhado, arrastado, decrépito e estranho, ele balbucia frases geralmente curtas, mas sempre espirituosas. E vai vivendo a sua vida... assim, melancolicamente, em puro e essencial tédio. Até que descobre que o pai, que não vê há mais de 30 anos, está à morte. Viaja para Nova York, chega tarde. Descobre que o pai, judeu que passou por campos de concentração, passara a vida toda perseguindo, sem êxito, um nazista que ainda estaria vivo nos Estados Unidos.


Diz a filosofia que a procura de si mesmo é a luta mais dolorosa que um homem pode ter. Passamos boa parte da vida fugindo do que somos. Fingimos ser outro com medo de ser o que realmente somos. Às vezes criamos personagens que nos mantém protegidos. Mas a recusa ao nosso verdadeiro eu traz o tédio. O que é pior, a dor da busca ou a do o tédio? 


Cheyenne, que passa 30 anos escondido atrás de seu personagem, cansado do tédio finalmente começa, embora negue, a sua busca. Imagina você, leitor que já está estranhando essa esquisitice toda: o que vai pensar agora se eu disser aqui que Cheyenne resolve, com toda aquela esquisitice, procurar, pelo interior americano adentro, o tal nazista? Que o filme pode ser uma bomba? Tem razão: esse argumento meio inverossímil é puro risco. Tem que ser muito bom para fazer essa coisa toda dar certo. Precisaria de um grande diretor e do melhor ator da atualidade para interpretar. 


Pois vamos ao resultado: o diretor, Paolo Sorrentino, faz um filme belíssimo, ao mesmo tempo muito engraçado, sem ser comédia, e cheio de poesia e beleza, sem ser nouvelle vague (ufa!). Fazer isso não é pouca coisa. E o ator? Tinha que ser o máximo, tinha que criar um personagem exótico e estranho, mas que fosse crível e com o qual pudéssemos nos identificar. E o maior ator da atualidade, Sean Penn conseguiu: Cheyenne é um pouco de nós mesmos, é humano, puro, engraçado e cativante.


Não há uma cena sem uma beleza específica: diálogos inspirados (o jantar na casa de Cheyenne, o vendedor de armas, o tatuador no bar), situações inusitadas (a gótica gordinha correndo para pegar autógrafo) cenas cômicas às dezenas (a do elevador no navio, a do caçador de nazista preso no banheiro do hotel, a do ping pong), ou profundamente tocantes (quando ele acompanha, ao violão, o garoto, filho da bela neta do nazista, cantando This Must Be the Place – por sinal, o título original do filme, do Talking Heads). Há ainda a cena com David Byrne, compositor da música que dá o título ao filme, com quem Cheyenne tem um desabafo que nos dá um petuxo na goela e avisa que o filme não será “fofo” o tempo todo. 


Alguns amigos, provocados pelo Fábio, discutiam sobre a importância do final para um filme. Uma história bem contada compreende um bom final, o que não significa um final bom; o que importa é fechar a ideia, é completar uma linha de pensamento, passar a sensação de que “tinha mesmo que ser assim”. E assim é o final deste filme. Se uma procura ao fundo de nós mesmos já é complicada, ainda mais o é com um tema forte como o holocausto. E o final, que parece que não podia ser diferente mesmo, fecha tudo, é corajoso, duro, inspirador e emocionante. 
No final das contas, é um filme belo e tocante. Saí nostálgico. Sempre fui meio melancólico. Os jovens dos anos 80 se deprimiam ouvindo o ótimo som agitadinho do The Cure. Eu, ouvindo Arnaldo Baptista e sofrendo por amor (o que, aliás, une Arnaldo, o som do The Cure e eu). O que parece é que pessoas assim estão em busca de algo e talvez seja isso que me atraia nelas. Podem estar meio atrasadas, mas estão no caminho. Melhor assim do que nunca buscar a essência. Esse personagem que nos protege dos outros é o mesmo que nos afasta de nós mesmos e nos dá esse tédio e medo da morte. 


O esquisitíssimo e absolutamente adorável roqueiro Cheyenne (de uma olhadinha nele no trailer aí em cima), que dará o Oscar (ao menos indicação) ao Sean Penn, ouve, de alguém, que há coisas que são como algumas mulheres que amamos, mas que, de tão lindas e especiais, achamos que não estão ao nosso alcance a acabamos não fazendo nada.  


This Must Be the Place tem este trecho, que no filme David Byrne canta, o menino canta e agora eu canto, até pelo adiantado da hora, a você, leitora suspirante:
I got plenty of time
You got light in your eyes
And you're standing here beside me
I love the passing of time
Never for money
Always for love
Cover up and say goodnight

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