Minha amiga Débora, bem intencionada, me deu um presente. Ela
me acha muito ansioso, mas garanto: é bobagem; ao menos foi o que respondi a
ela naquela noite, na creperia. O fato é que não suporto ser mal atendido ou,
pior, não ser atendido. Perguntei a ela como é que alguém pode entrar num
restaurante e ficar sentado quase a noite toda esperando ser notado por um filho
da puta de um garçon. Perdoem-me a expressão, mas é que realmente eu estava um
pouco exasperado.
“Sem ser notado? A gente estava lá não fazia nem 5 minutos e
você já estava tremendo e com falta de ar!”
Com efeito, podem ter sido 5 minutos, o que já não é pouco, mas
se eu não me levanto e vou lá reclamar em altos brados e puxo o garçon pela
gravata borboleta, quantas horas esperaríamos?
“Você sempre acha que vai demorar, que ninguém vai te ver. Nunca
vai em praça de alimentação porque acha que não vai ter vaga no estacionamento,
que tem muita gente, que todo mundo vai sair ao mesmo tempo e você vai ficar
horas parado e sem ar no estacionamento... E diz que não é ansioso?”
Bom, o fato é que no dia seguinte minha amiga, demonstrando preocupação
e gentileza, presenteou-me com um livro, bem pequeno, de “meditação e
harmonização com o universo”, presente que recebi com muita gentileza e com um
sincero agradecimento, muito embora eu tenha comentado, assim, en passant, que não
leria aquela merda nem a pau.
Mas o fato é que o li. E aqui declaro: ele mudou minha vida.
Sabe aquela história de que os menores frascos guardam os melhores perfumes.
Pois este é, precisamente o caso do livreto. Confesso que no começo a leitura
foi dolorosa, como deve ser doloroso para a águia arrancar na marra suas unhas
e suas penas. Ao final do livreto, senti como uma nova águia, novas unhas,
novas asas, pronto para voar. É com emoção que compartilho, a partir de agora, alguns
trechos do livro com os leitores. Tudo o que está entre aspas, é, de fato, transcrição
do livro.
“Aqui se trata de troca de informações com o Universo Vivo,
uma mente inteligente que anseia por se comunicar com você e se deleita com
isso”. Fiquei pasmo. Vejam que Universo Vivo, UV, é com letra maiúscula, nome
próprio. Uma excitação me percorreu a espinha. Sempre quis que uma mente
brilhante se deleitasse comigo. Na verdade, queria mesmo é que ela se deitasse
comigo, mas deleitar-se já era muito mais do que eu vinha tendo. Neste ponto do
livro comecei a tremer. Pensei em chamá-la, intimamente, de UV, suas iniciais. Continuei
a percorrer, ávido, as linhas e as páginas.
“Trata-se de um momento de relacionamento entre a pessoa e a
Mente Universal”. Uau, tinha mais alguém na história! O Universo Vivo, a Mente
Universal e eu, nós 3 alí, trocando informações e relacionamento.
“Ao se perceber pensando em outra coisa, não se irrite
consigo mesmo por causa disso, mas volte seu pensamento para a prática inicial”.
Reconheço que eu sempre fazia diferente: quando estava muito, digamos, ansioso
num “relacionamento” e queria que demorasse mais, eu pensava em futebol, mais
precisamente na Ponte Preta. Funcionava, aguentava um tempo. Quando, pelo
contrário, eu não estava nada ansioso, e precisava ficar para não dar vexame,
eu costumava pensar na... bom, melhor não dizer o nome.
“Conte vagarosamente e mentalmente de 50 a 1. Se perder a
contagem, não se irrite consigo mesmo por causa disso”. Outro dia vi um filme
que o cara contava mentalmente para durar mais, só que na hora H ele gritou “TRINTA,
TRINTA, TRINTA!”
Achei o máximo o livro me dizer a todo instante para
acalmar-me comigo mesmo. Ele parecia me confirmar: sou mesmo ansioso. Senti que
estava, ao menos, aceitando isso, o que é o primeiro passo para mudar. Liguei
para a DEF para contar minha evolução. Mais tarde, no Capítulo “A consciência do
próprio corpo”:
“Agradeça a cada músculo...” – achei meio estranho aquilo.
Como é que vou agradecer cada músculo? Aí, musculão, valeu, ein? Vou agradecer
sem nem saber quais são os músculos? Sem ao menos saber o nome de cada músculo.
Não seria mais sensato agradecer em geral, a todos os músculos? Parei e pensei “deixa
de ser ansioso” – estava funcionando.
“Agradeça às veias, a cada célula...” Não! Para tudo! A cada
célula? Vou ficar quanto tempo agradecendo? Será um exercício de paciência, como
uma vacina para a ansiedade, feita com o próprio veneno que a causa?
“Faça o mesmo com cada órgão de sua região genital...”
Desculpa, mas essa eu não posso. Outro dia eu brochei com a Juliana – nome trocado
para proteger a vítima – sim, vítima! Depois de 3 anos tentando, quando eu
consigo sair com a moça, ele me apronta essa e eu ainda vou ter que agradecer?
Neste momento a luz acabou em Águas Claras e eu tive que
respirar fundo, uma, duas, três vezes. Foi quando percebi que, além de
controlar a ansiedade, o livro, minha amiga DEF e até a CAESB queriam agora que
eu me tornasse uma pessoa capaz de perdoar. Voltamos, a luz à minha casa e eu à
leitura.
“Repasse a anatomia do corpo humano em algum atlas, e
conheça cada órgão pelo nome”. O livro falava comigo, respondia às minhas
angústias. Perdoei e cumprimentei, pelos nomes, meu inerte conjunto formado pelo
corpo cavernoso e pelo corpo esponjoso, sem esquecer de dar um fraternal abraço
na glande. Depois, até às 5 da manhã cumprimentei músculo por músculo do meu
corpo, conforme solicitado pelo livro. Não fui trabalhar no dia seguinte, o que
contribuiu ainda mais para me acalmar, embora talvez não tivesse ocorrido o
mesmo com o pessoal com o qual eu havia marcado uma reunião. Assim que acordei,
às 11, continuei, ansioso, a leitura.
“Insira conscientemente seus desejos e suas intenções a
respeito do mundo exterior na Sabedoria Cósmica”. Nossa... É assim que o Gerson
consegue pegar tanta mulher? É assim que tanta gente enriquece sem explicação lógica?
E os maldosos pensando que é corrupção... Agora, leitor incrédulo, veja esta:
“O seu mais profundo eu está aproveitando o desligamento de
sua consciência das preocupações e correrias deste mundo e fazendo uma profunda
troca de informações com o Universo, enviando e recebendo dados...” - caraca,
velho, é download espiritual! Puxa, vou devolver o meu modem da Vivo.
“... recebendo tanto os dados relacionados aos seus desejos
e intenções conscientes, quanto instruções para a realinhamento de energia
vital...” – é atualização de software – a alma é um software!!!
“... causando a revigoração de vários de seus órgãos internos.”
Ei, e os externos? E o corpo cavernoso? É ele que preciso revigorar!
“Você receberá as inspirações que guiarão a sua vida, enviadas
diretamente da Grande Mente Universal, que tudo sabe, que tudo vê, e que pode
tudo”. Nossa, PODEROSA! Essa GMU deve ser a chefona, a presidente, diretora, sei lá, quem
manda no lance todo. Acho melhor agradá-la. Foi o que decidi fazer, intimamente
e sem alarde, é claro, porque senão ela pode pensar que estou puxando o saco e
minha vida piorar ainda mais. Como minha vida pode piorar? Os garçons demorando
mais tempo para me atender a Juliana nunca mais me atendendo no celular.
“Converse mentalmente com seu eu mais interior, diga em
pensamento “Olá, ... (diga interiormente seu próprio nome), meu amigão, que bom
estarmos juntos nessa! Como nós somos felizes, né? Nós somos lindos, não é
mesmo? Nós somos demais, né?” M-E-U D-E-U-S! Agora entendo aquele cara com ares de
perfeitos, que se alisa o tempo todo, mantém os cabelos sempre penteadíssimos e
sai aos domingos de bermuda social passadíssima e com vincos.
“Enamore-se do seu eu, pergunte a ele o que ele quer fazer ao
estar no cinema e assistir uma cena bem legal...” - neste momento pirei. Minha consciência, Cósmica
ou não, minha sabedoria, Universal ou não, pensou: “tudo bem se eu me elogiar
muito; ok se eu falar pro meu EU que ele é lindo... Até posso aceitar
convidá-lo a ir ao cinema. Mas perguntar ao meu EU o que fazer ao assistir a
uma cena bem legal? Cara, pensei comigo mesmo, isso é o quê? Uma espécie de
auto incesto? Depois do cinema vou me levar aonde? Ao motel?
Aproveitei a luz que me iluminou neste momento e
pulei da cama, me arrumei, ansiosíssimo e morrendo de fome, bem na hora do
almoço, e fui ao Giraffas, num shoppinzinho aqui perto, onde sei que demorarão horas
para me atender e mais horas para me servir uma comida totalmente sem gosto. Na
saída, havia um congestionamento no estacionamento e levei 40 minutos para sair
daquele subsolo cheio de monóxido de carbono. Cheguei em casa, tomei um Cefaliv,
para a dor de cabeça, um Dorflex, para relaxar, uma coca para dar mais vida a
tudo, coloquei uma pastilha de kolantil na
boca, para a asia, e dormi suando e tendo dezenas de pesadelos angustiantes.
Era eu novamente!