quarta-feira, 7 de julho de 2010

FELIPE MELO E O HOMEM DE NEANDERTAL

Ontem, ao receber a Folha, pela manhã (adoro jornal de papel) vi na capa a foto do criminoso, do fascínora, do inimigo público número 1, Felipe Melo, chegando ao Rio, voltando da África do Sul.

 Não gosto do jogador Felipe Melo, que nem devia ter ido à Copa, mas vejam a foto: não é mais o jogador truculento e nem podia ser. Aqui ele está na vida real, chegando em casa, querendo colo da família, e é cercado por policiais para protegê-lo da ira das pessoas. Aqui, nesta foto, ele não passa de um menino assustado. É ou não é chocante? O que faz as pessoas tomarem sei lá quantos ônibus para agredir um jogador chegando de viagem?

 Ele traiu o país? O Brasil perdeu por causa dele? É claro que não. Ele fez algo que ninguém esperava que fizesse? Não, ele fez exatamente o que se esperava dele. Havia até bolão para apostar em que jogo ele seria expulso. Mesmo se as respostas acima fossem sim, nada justifica a possível agressão, cujo nível, verbal ou físico, e intensidade ninguém poderia prever.

 Costumam dizer que sempre queremos achar um culpado. Eu desconfio que não seja esse o caso. Acho que é algo pior: nosso desejo de violência, nossa natureza bárbara, que, pela evolução e socialização, fica escondida abaixo de nossa superfície, mas que é viva, muito viva. Sempre que podemos apedrejar alguém, damos vazão a essa natureza. Por isso, apedrejar é a melhor diversão do mundo: liberamos energia negativa, tiramos nossas tensões, nos conectamos com nosso mais profundo eu.

O menino Felipe Melo assustado me lembrou cenas do Alexandre Nardoni sendo escoltado pela polícia. Não pelo fato de os dois terem saído protegidos da ira popular, mas pelo que está por trás disso: nossa atração por casos que despertem nossa raiva. Adoramos isso. Quando acontece um caso como esse, temos o que falar no elevador, temos bons motivos para conversa, assistimos o noticiário de todas as redes e àqueles chatíssimos programas de auditório, com entrevistas sobre o caso (chamam psicólogos, criminalistas, etc). Até Fantástico a gente assiste para ver as entrevistas exclusivas. Enfim, ficamos satisfeitos. Indignados, é verdade, mas, sobretudo, satisfeitos.

O que faremos quando a raiva contra o menino Felipe Melo passar? O que vamos fazer para ocupar nosso tempo e estimular nossa ira e desejo de apedrejar? Sossegue: já temos outra diversão: o goleiro Bruno e o sumiço de Eliza Samudio. Chegamos a ficar preocupados com a esfriada que o caso tinha dado nos últimos 3 dias: sem fatos novos e circulando na internet que a menina “não é flor que se cheire” (os “machos” adoras vir com essa - lembram-se da Geisy Arruda, “a vagaba”?). Mas hoje o caso Bruno esquentou de novo, contra ele, e muito. O cerco está se fechando: diversão garantida.

Você pode discordar do tom irônico, tudo bem, mas te proponho um exercício de imaginação, no qual você tem que ser absolutamente sincero, não comigo, mas com suas próprias entranhas: imagina que amanhã a moça apareça, viva e bem de saúde. Seria ou não seria um grande anti-climax? Um tipo de decepção? A gente não murcharia um pouco? Não seria como tirar o prato de feijoada da frente de um glutão faminto.
 Ninguém torce para ela aparecer, mas sim para acharem o corpo e provas que incriminem o cara. Não que a gente deseje a morte de ninguém, é claro que não. Somos humanos e nos indignamos com isso. Mas no fundo, bem lá no fundo, junto com a nossa indignação cristã, o que ansiamos é que a morte e a existência de um culpado liberte o Homem de Neanderthal que temos dentro de nós, e nos possibilite carregar livremente nossas clavas e tochas, devorar carne crua e nos vingar do culpado pelas nossas frustrações e pela falta de significado das nossas vidas.
  Mas, igual a tudo na vida, este caso vai acabar e, como se passasse o efeito da poção do Dr. Jekyll, voltaremos à nossa auto-imagem moderna e poderemos descansar, quem sabe até chorar baixinho no colo da mãe, como deve estar fazendo agora o Felipe Melo.

3 comentários:

fernanda_cm disse...

Acho que ser humano é assim desde sempre, é uma forma de catarse, ver acontecer e se isentar de ter feito algo parecido. Muitos esportes são assim, saciam este lado "cavernas" das pessoas. E a vingança? Muitas vezes ela desperta um desejo mais violento do que a violência sofrida.
As fotos do Nardoni e do Felipe deviam despertar piedade em todos nós, não por eles, mas por nossa natureza ainda tão rasteira.

Bruna Bucci disse...

Maravilha, tio Moa. Esse negocio de blog eh a coisa mais legal que tem.

Meus amiguinhos vao adorar o seu! E acho que havera reciproca:

1. filosofiabutequeira.blogspot.com
2. blogandroceu.blogspot.com
3. manudenora.zip.net

Obs. Escusas pela acentuacao: computador formatado, teclado marciano.

Beijos!

Bruna Bucci disse...

Como pude olvidar (!):

4. eunaosouvirgemmaria.blogspot.com

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