segunda-feira, 4 de março de 2013

SOBRE HITCHCOCK, O FILME

Somente ao final do hilariante e ao mesmo tempo tocante “Intocáveis” eu descobri que foi baseado na história real do relacionamento entre um paraplégico e seu cuidado; os “personagens reais” inclusive são mostrados nos créditos. É claro que algo deve ter sido romanceado, para ficar mais engraçado, ou mais emocionante, afinal, vida real é vida real e cinema é cinema. Argo, vencedor do Oscar, também tem origem na história real do resgate de seis americanos do Irã. O ótimo suspense final, no aeroporto, com a apreensão no balcão de embarque e a perseguição na pista, ajuda muito a plateia a viver uma boa experiência, mas na realidade os americanos passaram muito tranquilamente e sem sobressaltos pelo aeroporto. Estranho é que o filme, apontado como americanista demais, inventou mesmo quando fez a inteligência dos iranianos descobrir a fuga de seis americanos da embaixada e tentar impedir sua fuga do país, o que não ocorreu na realidade: eles não perceberam nada.

Nos dois exemplos, como ocorre em praticamente todos os filmes biográficos, as alterações foram para o bem: não queremos ver Globo Repórter ou coisas do tipo, queremos ver cinema. Ninguém quer ver um filme xoxo. O mais importante é que, de qualquer forma, respeitou-se o cerne da história e dos personagens originais. Isso é particularmente mais importante quando se trata de acontecimentos históricos, como o do resgate dos americanos do Irã, ou com personagens importantes e famosos, como Lincoln ou Hitchcock.
A propósito deste último, acaba de estrear “Hitchcock”, que se presta a contar a história dos bastidores da filmagem de Psicose, filme mais popular do chamado mestre do suspense. O filme é baseado no ótimo livro “Hitchcock e os bastidores de Psicose”, de Stephen Rebello.

Pois bem: este blog é meio contra escrever sobre filmes ruins, mas não dá prá deixar este de lado, afinal, ele fala de cinema, tema principal deste blog, e de Hitchcock...

Direto ao ponto: o filme é ruim e inventa muito, nesta ordem. Ele não é ruim porque inventa. É ruim porque é confuso e não envolve. Além disso ele inventa e distorce demais. Não como Tarantino, que brincou ao matar Hitler com 1000 tiros à queima roupa: todos sabem que Hitler não morreu assim. Mas ninguém sabe que a cena do chuveiro, uma das mais impactantes e geniais da história do cinema, só foi feita com aquela força porque Hitchcock estava com ciúmes porque descobrira que sua mulher Alma estava de caso com um escritor medíocre. E ninguém sabe disso porque não foi assim, Alma não teve um caso, Hitchcock estava com ciúmes e planejou a cena por meses, da forma como saiu. Ao menos essa baboseira que o filme inventou foi pelo bem da ação, para o bem do cinema? Hum hum...

E assim vai o filme, de invenção e invenção, construindo não os bastidores das filmagens de Psicose, mas inventando o drama de uma mulher extremamente forte, bonita, charmosa e sedutora, mas que é desprezada e vive à sombra do marido, um famoso, prepotente, arrogante e divertido diretor de cinema.

Mais invenções que desvirtuam a realidade e são inúteis para melhorar o filme? Ele caiu doente e não pôde ir ao trabalho; o pessoal do estúdio ligou sem saber o que fazer; Alma foi lá, deu ordem prá cá, deu ordem prá lá e resolveu tudo. Realidade: de fato, um dia ele ficou doente, mas como ele fazia sempre, todas as cenas do dia seguinte já haviam sido amplamente discutidas com os técnicos e um deles dirigiu a cena.

Ah, esta é boa: após a exibição do filme para os chefões do estúdio, todos odiaram e Hitchcock concordou que o filme era muito ruim e voltou para casa arrasado e querendo jogar tudo para o alto. Alma, como havia pegado o amante (que não existia) com outra e voltado para casa arrasada e arrependida de ter traído o marido, ergueu-se e, quase puxando Hitchcock pelo braço disse: nada disso, eu vou editar esse filme, vamos colocar música e ele vai ficar ótimo. No final, graças a ela, Psicose é um sucesso. Santo Deus!

Quem não viu pode pensar que eu não entendi e que era tudo uma brincadeira e que o filme pode ser bom. Hum hum; sem chance. Primeiro: o filme é pretensamente sério. Segundo: não é bom, não prende, não é engraçado, nem define que história, afinal, quer contar. Os personagens não se desenvolvem: você não sabe qual é a do diretor, nem da sua mulher, nem da atriz cujo personagem morre no chuveiro, nem do “amante”.

Só para que não pensem que Alma não era importante, afinal, os pontos que destaquei dizem respeito às inverdades sobre sua participação, seguem algumas verdades colhidas das biografias escritas sobre Hitchcock, inclusive do livro no qual o filme diz se basear: Alma sempre foi importante para Hitchcock, mais até em outros filmes, nos quais ela desempenhou papeis, inclusive de co-roteirista; ele costumava pedir opiniões para ela sobre os filmes, atores, etc; eles se amavam; Hitchcock apaixonava-se com facilidade por algumas atrizes, às vezes chegando a assediá-las ferozmente; Hitch sempre foi grato à sua mulher, que aguentava suas paixões e assédios de forma resignada; Hitch não a traía, era muito gordo, nada atraente e, além de tudo, impotente.

Mais sobre o filme: Hopkins imita muito bem Hitchcock, mas sua maquiagem é pavorosa. Esconde o ator e suas expressões e não se parece nem um pouquinho com Hitchcock. Talvez ganhe o Framboesa de Ouro de pior maquiagem. Hellen Mirren (de A Rainha) é ótima, como sempre. Arrumaram um Antony Perkins muito parecido com o original e que o retrata muito bem, pena que apareceu pouco demais.

Um comentário:

Anônimo disse...

É o Nelson Rodrigues de Hollywood...
Todo mundo gosta, poucos entendem e nibguém agem assim na vida real...

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