Nos dois exemplos, como ocorre em praticamente todos os
filmes biográficos, as alterações foram para o bem: não queremos ver Globo
Repórter ou coisas do tipo, queremos ver cinema. Ninguém quer ver um filme
xoxo. O mais importante é que, de qualquer forma, respeitou-se o cerne da
história e dos personagens originais. Isso é particularmente mais importante
quando se trata de acontecimentos históricos, como o do resgate dos americanos
do Irã, ou com personagens importantes e famosos, como Lincoln ou Hitchcock.
A propósito deste último, acaba de estrear “Hitchcock”, que
se presta a contar a história dos bastidores da filmagem de Psicose, filme mais
popular do chamado mestre do suspense. O filme é baseado no ótimo livro
“Hitchcock e os bastidores de Psicose”, de Stephen Rebello.
Pois bem: este blog é meio contra escrever sobre filmes
ruins, mas não dá prá deixar este de lado, afinal, ele fala de cinema, tema
principal deste blog, e de Hitchcock...
Direto ao ponto: o filme é ruim e inventa muito, nesta
ordem. Ele não é ruim porque inventa. É ruim porque é confuso e não envolve.
Além disso ele inventa e distorce demais. Não como Tarantino, que brincou ao
matar Hitler com 1000 tiros à queima roupa: todos sabem que Hitler não morreu
assim. Mas ninguém sabe que a cena do chuveiro, uma das mais impactantes e
geniais da história do cinema, só foi feita com aquela força porque Hitchcock
estava com ciúmes porque descobrira que sua mulher Alma estava de caso com um
escritor medíocre. E ninguém sabe disso porque não foi assim, Alma não teve um
caso, Hitchcock estava com ciúmes e planejou a cena por meses, da forma como
saiu. Ao menos essa baboseira que o filme inventou foi pelo bem da ação, para o
bem do cinema? Hum hum...
E assim vai o filme, de invenção e invenção, construindo não
os bastidores das filmagens de Psicose, mas inventando o drama de uma mulher
extremamente forte, bonita, charmosa e sedutora, mas que é desprezada e vive à
sombra do marido, um famoso, prepotente, arrogante e divertido diretor de
cinema.
Mais invenções que desvirtuam a realidade e são inúteis para
melhorar o filme? Ele caiu doente e não pôde ir ao trabalho; o pessoal do
estúdio ligou sem saber o que fazer; Alma foi lá, deu ordem prá cá, deu ordem
prá lá e resolveu tudo. Realidade: de fato, um dia ele ficou doente, mas como
ele fazia sempre, todas as cenas do dia seguinte já haviam sido amplamente
discutidas com os técnicos e um deles dirigiu a cena.
Ah, esta é boa: após a exibição do filme para os chefões do
estúdio, todos odiaram e Hitchcock concordou que o filme era muito ruim e voltou
para casa arrasado e querendo jogar tudo para o alto. Alma, como havia pegado o
amante (que não existia) com outra e voltado para casa arrasada e arrependida
de ter traído o marido, ergueu-se e, quase puxando Hitchcock pelo braço disse:
nada disso, eu vou editar esse filme, vamos colocar música e ele vai ficar
ótimo. No final, graças a ela, Psicose é um sucesso. Santo Deus!
Quem não viu pode pensar que eu não entendi e que era tudo
uma brincadeira e que o filme pode ser bom. Hum hum; sem chance. Primeiro: o
filme é pretensamente sério. Segundo: não é bom, não prende, não é engraçado,
nem define que história, afinal, quer contar. Os personagens não se desenvolvem:
você não sabe qual é a do diretor, nem da sua mulher, nem da atriz cujo
personagem morre no chuveiro, nem do “amante”.
Só para que não pensem que Alma não era importante, afinal,
os pontos que destaquei dizem respeito às inverdades sobre sua participação,
seguem algumas verdades colhidas das biografias escritas sobre Hitchcock,
inclusive do livro no qual o filme diz se basear: Alma sempre foi importante
para Hitchcock, mais até em outros filmes, nos quais ela desempenhou papeis,
inclusive de co-roteirista; ele costumava pedir opiniões para ela sobre os
filmes, atores, etc; eles se amavam; Hitchcock apaixonava-se com facilidade por
algumas atrizes, às vezes chegando a assediá-las ferozmente; Hitch sempre foi
grato à sua mulher, que aguentava suas paixões e assédios de forma resignada;
Hitch não a traía, era muito gordo, nada atraente e, além de tudo, impotente.
Mais sobre o filme: Hopkins imita muito bem Hitchcock, mas
sua maquiagem é pavorosa. Esconde o ator e suas expressões e não se parece nem
um pouquinho com Hitchcock. Talvez ganhe o Framboesa de Ouro de pior maquiagem.
Hellen Mirren (de A Rainha) é ótima, como sempre. Arrumaram um Antony Perkins
muito parecido com o original e que o retrata muito bem, pena que apareceu
pouco demais.
Um comentário:
É o Nelson Rodrigues de Hollywood...
Todo mundo gosta, poucos entendem e nibguém agem assim na vida real...
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