terça-feira, 23 de novembro de 2010

A Volta de Humberto Laraia - Volume 3

Quem sou eu? Porque o meu espelho foi parar num antiquário e foi comprado por uma fortuna e eu não recebi um tostão? O que faço aqui trancado dentro de um espelho no quarto suntuoso do presidente da república? Perguntava-me essas coisas o tempo todo.

E assim passaram-se os anos. Não vou contar tudo que ouvi dentro daquele espelho, porque finalmente saí de lá e agora estou aqui, vivo como você, leitor, se é que se pode considerar essa vida que você leva como vida. Aqui fora não é prudente falar determinadas coisas que vi nesses anos todos. Morei na Casa do bigodudo, depois na daquele que adorava um espelho e tinha um nariz bem grande, vivia na minha frente, ajeitando os cabelos, fazendo pose de macho, e, pior de tudo, fazia isso justo quando a sua mulher se despia antes de vestir a camisola para dormir. Era uma loira magra, mas bem gostosinha, apesar de meio feinha e dentuça. Eu gostava quando ele viajava, porque ela ficava sozinha (quase sempre) no quarto e eu podia vê-la sem ninguém na minha frente...

Depois teve um cara do topete. Passava horas ali na minha frente, ajeitando aquilo. Um horror. Mas neste aspecto a coisa foi sempre piorando, piorando até que chegaram uma baranga e um barbudo que, quando conversava com deus, olhava para baixo. Sorte que agora saí do espelho. Imagina, passar mais quatro anos ali... Um dia eu conto como foi que saí daquele espelho.

O fato é que esses quase trinta anos de espelho me fizeram ver a vida de um modo muito diferente. Se antes eu era descrente de tudo, agora sou muito pior. Eu era meio lunático, agora sou a lua.

Dizia que minutos eram grãos de areia, “jogue-os ao vento e seja um dos que me importam”. Hoje ninguém mais os atira ao vento, ninguém mais me importa, nem você, que lê essas minhas recordações, amargas e sem nexo. Sem sentido algum. Pior é que você, se leu até aqui, é capaz de estar gostando, o que só reafirma minha descrença na inteligência e no bom gosto do ser humano.

Eu vivia num mundo que não me queria vivo, mas ainda assim lutava para que o mundo permanecesse vivo. Hoje quero que o mundo vá à merda!

Antes eu escrevia minhas coisas tortas e as pessoas gostavam, até choravam as mais imbecis, compravam meus livros, fiquei rico, enfiei o dinheiro sei lá onde.

Perguntavam-me por que minhas obras eram tão estranhas e cruas, mas, ao mesmo tempo, pareciam tão reais. Eu respondia que elas eram como um espelho que refletisse da realidade apenas a ficção, como um filtro. Achavam o máximo. Hoje acho que o espelho não filtraria mais nada, refletiria tudo. Tudo é ficção. Que ver? Vamos lá:

Você faz o que não gosta, vive a maior parte do tempo com pessoas que não gosta, mas não briga com elas. Vive como se gostasse delas. E de quem você gosta? Pense. Isso, é com essa pessoa que você briga, é essa pessoa que você fere. E é exatamente essa pessoa que você, intimamente, culpa pela sua infelicidade.

Agora pense na coisa que você mais gosta de fazer. Pensou? Diga-me, é ou não é aquela que você menos faz?

Domingo eu vi futebol. A torcida vibrava quando seu time tomava gol.

Os homens não mudaram muito. Parecem os mesmos estúpidos. As mulheres sim, mudaram bastante. Para pior. Fazem mais sucesso. Para fazer sucesso tiveram que se masculinizar. Vejam as que mandam nas empresas ou no país. “Ela é mulher, mas é firme”. Isso é um elogio, assim elas podem ocupar as posições. Você, homem (mas homem mesmo, não essas máquinas de penetrar), faria amor com alguma delas?

O quê? Fazer amor? Que coisa mais velha, ultrapassada. O mundo, no lugar de deixar a maldita e escrota lógica masculina para poder se humanizar, ficou mais masculino, mais bruto, mais imbecil. Ai, que saudades do espelho.

No mundo de hoje os mais populares são os mais corruptos ou os mais ridículos. Cecília Meirelles (que hoje não seria ninguém, aliás, não é ninguém, pergunte para seu filho, ou para você mesmo) escreveu um dia que toda vez que um justo grita, o carrasco vem calar, quem não presta fica vivo, quem é bom, mandam matar. Hoje não há mais carrascos, os bons se matam a si mesmos.

Num mundo ideal, a nossa realidade não passaria de ficção.

Sou Humbeto Laraia, muito prazer (esse "muito prazer" é mera obrigaçao de ser minimamente gentil).
Pretendo escrever sobre a vida que te rodeia.
E te cortar e te queimar a cada quarta-feira.
Não gostou? Nao leia.

2 comentários:

fernanda_cm disse...

Como assim um dia vai contar como saiu do espelho? Quero saber logo! De ve ter sido na eleição, por conta da nova moradora da casa, hehehe...

Tio Moa disse...

Eu diria, mas também não sei. Humberto Laraia é uma alma insondável...

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