Ah, foi uma delícia ver a polícia botando os bandidos prá correr, prender um monte, entrar no morro, tomar as favelas, as comunidades. Pena que não houve derramamento de sangue. Ah, se houvesse tiroteio, se houvesse resistência, se os bandidos fossem massacrados! Haveria baixas entre policiais, certo, mas tudo bem, choraríamos um pouco no Jornal Nacional, vendo seu enterro com salvas de tiros de canhão, ou de fuzil, escopeta, sei lá. Um desfecho assim seria muito melhor, mais midiático, atenderia mais às nossas justas necessidades de emoção, de sangue. Aí sim ficaria perfeito.
O que? Está chocado? Não seja hipócrita. Não é o que queremos cada um de nós? Dar tiros na cabeça daqueles bandidos que vivem para deixar nossa vida insegura? Nosso mais íntimo desejo é, sejamos sinceros, dar uma resposta a altura (violenta, portanto) àqueles que, com suas metralhadoras empunhadas à luz do dia, ameaçam e zombam de cada um de nós, impotentes diante de sua violência e falta de amor à vida.
E por que não damos essa resposta violenta, como eles mereceriam? Por que os policiais, que sofrem muito mais diretamente (são, diariamente, alvos preferenciais daquelas metralhadoras), não cedem aos seus impulsos e saem atirando? Porque não se aproximaram com helicóptero e metralharam aqueles duzentos bandidos que fugiam com armas nas mãos, para que pudéssemos, escondidos em nossas casas, urrar de prazer e satisfação?
Respondo: porque somos socializados. Temos vontade de um monte de coisas proibidas. Ter vontade , lembro, não é crime algum, é humano, é natural. Fazer o que temos vontade é que é crime, se o que temos vontade é proibido por lei. A maioria das coisas proibidas que não fazemos, mesmo tendo vontade, nós não transformamos em ação não apenas por sabermos que é crime, mas por sabermos que não é certo. A lei e as convenções sociais são fruto de crenças coletivas, baseadas na moral e na ética, e acabam nos educando moralmente e sedimentando nossa ética. Ou seja, escrevemos leis que proíbem matar bandidos fugindo porque sabemos que, do ponto de vista humano e social, matar bandidos em fuga não é correto. Além disso, é uma lei que, evidentemente, acaba protegendo inocentes, ou seja, protegendo a todos nós. Existem, assim, leis boas, leis que ajudam e melhoram a sociedade, mas existem leis que podem até ter boa intenção, mas não ajudam a sociedade, às vezes pelo contrário, atrapalham.
Vamos a outro exemplo: você, homem que tem desejo sexual por mulheres, que gosta da "coisa", imagine que está vendo diante de si uma mulher linda, com curvas perfeitas e sensuais, com um shortinho bem curtinho e pernas lindas, bundinha arrebitada e bem desenhada, topezinho deixando à vista a barriguinha perfeita, seios lindos, lábios sensuais, libido aflorando por todos os poros e um jeitinho voluptuoso, provocante e meio sacana. Ficou com desejo e vontade de fazer várias coisas com ela? Sim? Ok. Parabéns, você é espada! Agora saiba que ela tem 17 anos. E aí? Você ainda está com vontade de fazer tudo aquilo? É claro que está, não minta. “Ah, mas ela é menor de idade”? E daí? Explica isso pra tua máquina reprodutora, para o teu corpo de homem que nasceu com a obrigação física da reprodução da espécie. Por acaso a mulher fica gostosa e desejável repentinamente, de um segundo para outro, a partir das vinte e quatro horas do dia em que completa dezoito anos? Não se culpe por eventualmente desejar menininhas que são, em tudo, mulheres, mas sim se concretizar teu desejo.
Voltando ao caso da guerra da polícia contra os traficantes: você assistiu Tropa de Elite, 1 e 2?. Se não assistiu, assista. Além de ser cinema de primeira (principalmente o segundo, cinemão), é hoje talvez um dos filmes mais importantes da história do cinema brasileiro, porque foi fundamental para tudo o que vimos pela TV. Influenciou decisivamente na adesão e na simpatia do povo pelo BOPE e, tão importante quanto essas influências, melhorou o “moral da tropa”, despertou nos caveiras reais a vontade e a responsabilidade de por em prática seu desejo de acabar com o narco-terrorismo. Mais: despertou nas autoridades a vontade política de fazê-lo. E fizeram, estão fazendo. Ótimo. Mas e o resto?
Uma das cenas mais significativas (por representar nosso desejo) é quando o herói tira um político corrupto do carro e o espanca até transformar seu rosto numa pasta sanguinolenta. Urramos por dentro (no cinema alguns urram para fora mesmo). E quanto a essa parte do filme, não vão transformar em realidade? Vamos agora à caça dos corruptos, dos sensacionalistas que os apóiam? Vamos mexer nas leis estúpidas, travestidas de boa intenção, como a criminalização das drogas? Será inteligente tornar crime algo é desejo, vontade e necessidade de milhões de pessoas? E as outras drogas? Tentaram, nos Estados Unidos, criminalizar a bebida alcoólica e todos sabem no que deu. Li outro dia que a droga é, como o cigarro e a bebida, um problema de saúde, mais fácil de administrar do que o problema de segurança pública criado com a proibição. “Ah, mas e os jovens?” Ora, a proibição nunca afastou os jovens das drogas. Pelo contrário, talvez os atraia ainda mais.Nos países onde as drogas, ou algumas delas, foram proibidas, a violência e o crime diminuíram drasticamente.
Enfim, o território foi plasticamente tomado com a bela e teatral cena das bandeiras hasteadas no alto do morro, que me lembrou Neil Armstrong cravando a bandeira dos States na lua. Sim, eu vi ao vivo. Ao lado ele deixou uma placa com os seguintes dizeres: "Aqui os homens do planeta Terra puseram pela primeira os pés na Lua. Julho de 1969. Viemos em paz em nome de toda a humanidade".
Passados os picos de audiência nos jornais noturnos e nos programas popularescos da tarde, o que nos resta? Algo de concreto? Algo para a humanidade? Alguma intenção de evoluir?
Ou tudo isso foi só para limpar a área e viabilizar a Copa do Mundo, cuja realização é o maior ato de corrupção e roubo descarado já feito no Brasil. Estádios super-hiper-mega faturados, tudo com a conivência governamental, federal e estaduais, e com o apoio, também com intenções inconfessáveis, da entidade nacional e internacional de futebol. Exemplos: os camarotes para o maracanã estão orçados, inicialmente a 5 milhões de reais cada um. Camarote, aquele quadradinho de 15 m2. Com esse preço se compra um apartamento na Vieira Souto. Mais uma: o Morumbi tem tudo para sediar, mas o projeto de reforma foi, teimosamente, desaprovado pela rigorosa entidade internacional dona da Copa. Só que o projeto do estádio novo que será construído em São Paulo (muito mais caro, evidentemente, foi aprovado pela rigorosa FIFA sem verem o projeto, “na confiança”. Que beleza! E vamos ficar quietos, assistindo e torcendo para a "nossa" seleção.
Legal, o Tropa de Elite, todas as tropas envolvidas, a inteligência das açoes, enfim, tudo isso ajudou a sociedade a resolver um de seus problemas. Mas e os problemas que estão por trás de tudo isso? Será que vamos precisar de outro filme de sucesso para mobilizar quem pode mexer na coisa? Quem vai dirigir o filme? Quem vai atuar? Tudo bem, chama o Padilha e o Wagner Moura, ou mesmo o Cobra Parada Não Engole Sapo. Mas a pergunta sem resposta é: quem vai patrocinar?
Um comentário:
Por que nunca antes da história desse país foi feito o que devia ser feito e é possível de ser feito? Se pensarmos só um pouquinho nao foi feito porque devia ser feito! Pagaremos a conta, ou melhor, já devemos estar pagando.
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