Mutantes foi, e ainda é, a mais importante banda do Brasil. Ainda hoje é a banda brasileira mais conhecida fora do país. Seus discos ainda são atuais, portanto sustentáveis, e plurais... ih, não sei o que escrever agora. Desculpe, mas "sustentável" e "plural" são as palavras da moda e como prezo muito a moda, tentei incluí-las. É o vício da redação empresarial: se você não sabe como convencer a anta do seu chefe a aprovar alguma proposta sua, basta colocar no relatório as palavras sustentável e plural, que ele aprova, por mais absurda que seja.
Saindo da moda, que é mutante posto que tudo passa, tudo sempre passará, menos a importância dos Mutantes, voltemos a eles, depois dessa inútil digressão.
Talvez todos os seus cinco discos com a formação original devessem estar na lista dos 10 mais. Mas como sou humano e, portanto, injusto, resolvi colocar um só disco. Mas qual escolher?
Talvez todos os seus cinco discos com a formação original devessem estar na lista dos 10 mais. Mas como sou humano e, portanto, injusto, resolvi colocar um só disco. Mas qual escolher?
§ Jardim é um disco injustiçado, e eu detesto injustiças. Fui criado vendo Batman, o paladino da justiça, aquela série meio comédia, que o Robin é, digamos, bem avançado para seu tempo. Um dia eu irei ao dicionário para descobrir o que significa paladino.
§ Jardim é provavelmente o mais completo e bem acabado de todos;
§ Jardim tem a ousadíssima e lisérgica capa do Alan Voss, um gênio dos quadrinhos. Aliás, a capa ficou em segundo lugar em recente concurso de melhor capa de todos os tempos, promovido pelo site da MTV. Se quiser dar uma olhada nas outras maravilhas: http://mtv.uol.com.br/projetos/panamericana.
§ Jardim começa com uma sonzeira do órgão do Arnaldo e do baixo do Liminha na introdução de Top Top.
§ Em Benvinda Arnaldo canta como Tim Maia. “Eu sem você não sou ninguém”. Detalhe: na capa do disco está escrito: qualquer semelhança com Tim Maia é mera coincidência.
§ Porque tem a declaração de amor mais rasgada e debochada da história da humanidade, cantada pelo Arnaldo com voz gutural arranhada: “O que você me dá é lindo de morrer, é lindo. Oh, oh, oh, yeah… It’s very nice prá chuchú, baby”
§ O disco tem Virgínia
§ Quando termina a melódica e sentimental Virgínia vem o alucinante riff da guitarra do Sérgio Dias, muito bem acompanhado pelo baixo de Liminha e pela majestática bateria, numa performance maravilhosa do Dinho. Tudo isso em “Jardim Elétrico”, a faixa título, a mais pesada do disco. Falando na batida da batera do Dinho, ela certamente inspirou Charles Gavin no fenomenal Cabeça Dinossauro.
§ Depois dessa pedrada tem a delicada “Lady, Lady”, com um hipnótico solo da guitarra do Sérgio Deus, digo, Dias.
§ A badalada balada mexicana “El Justiciero”, teatral, engraçada e impiedosa.
§ Além de Arnaldo, Sérgio e Rita, os agregados Liminha e Dinho dão um show. Baixo e bateria ainda não haviam tido tanto peso nos mutantes. Ali eles conquistaram seu lugar fixo na banda.
§ Jardim é a transição entre as loucuras tropicálicas dos discos anteriores e o caminho que nos discos posteriores começaram a trilhar para um rock mais progressivo (que, dizem, desagradava Rita). Não que os anteriores e os posteriores perdessem um mínimo de qualidade, mas é que o Jardim, nessa transição, parece que acabou ficando mais pop, e como sou pop...
§ Antes de J.E. ainda não haviam aparecido com tanta clareza os solos de guitarra do Sérgio Dias como em “Jardim Elétrico”, “Lady, Lady” e “Saravá”. Ele ainda mostra neste disco que é a grande voz, o grande cantor do grupo (Tecnicolor e Virgínia, por exemplo). Tanto que, no disco posterior Rita queria cantar a Balada do Louco, mas Arnaldo, felizmente, não deixou. E Sérgio Dias a cantou divinamente e a imortalizou.
§ Porque Rita está ótima cantando solo em “Baby”, e nas demais fazendo seus vocais criativos que colocam as músicas num outro nível, mais etéreo. Arnaldo disse que eles são diferentes dos Beatles porque tinham a Rita, que dava o tom circense.
§ E Arnaldo, o gênio criativo, ora com seu órgão maravilhoso dando o clima, ora como personagem, com interpretações viscerais, como em “It’s Very Nice...”.
§ Porque, como o salgado queijo e a doce goiabada formam Romeu e Julieta, a irônica interpretação de Arnaldo a deliciosa voz de Sérgio Dias fazem de “Portugal de Navio” uma jóia rara.
É impressionante como não só neste, mas em todos os discos da banda, as gravações, o conceito, a riqueza dos arranjos, as diversas camadas e as performances, tudo permanece original, atual, moderno, pós-moderno, pós-tudo.
Tudo lembra nossas vidas
Nossas noites de ilusão
Suas roupas estão vazias
Lady ainda estou aqui...