terça-feira, 26 de julho de 2011

O FEITIÇO DO AMOR

Algo me inspirou (não conto o que foi, não conto, não conto) a falar novamente do amor. Mas não qualquer um: o amor de um homem por uma mulher. Não qualquer mulher: uma mulher de verdade, como as que lêem este blógui (o que a gente não faz para continuar sendo lido?). Uma mulher de verdade faz com que o homem, um ser infinitamente mais primitivo, precise se desenvolver muito como pessoa para conquistar seu amor. (Não considero demérito ser primitivo; ser primitivo não significa ser pior nem melhor, apenas primitivo).

No passado não havia necessidade de o homem ter o amor de uma mulher, bastava ter, possuir uma mulher. E à mulher bastava ser de um homem, isso já a satisfazia. Mas essa maledeta, como diria meu vô, emancipação da mulher, ocorrida com mais vigor na segunda metade do século passado, mudou essa história: agora a mulher também precisa amar. Isso nos deixou a nós, homens, como perdidos no meio de uma nevasca, numa condição terrível, afinal, foram milênios sem precisar ser amado. Paciência, vamos à luta.

Mas não pense que é fácil: para que uma mulher te ame, mas ame meeeesmo, você precisa tirar aquela diferença que citei no começo do pôsti: você, homem, espada, machérrimo, é infinitamente inferior à mulher. Inferior no quê? Na força física? Na capacidade de dirigir um carro, de trocar o gás? No talento para instalar o home theater? É claro que não. Então seria na capacidade de dirigir uma empresa? Também não. Calma leitora fiel: não estou dizendo, para não criar polêmica, que o homem seja melhor para dirigir uma empresa, embora seja... Ih, criei...

O problema é que as relações sociais mudaram drasticamente. Hoje as relações são de troca, de igualdade. Hoje à mulher é permitido ter prazer, e o pior é que elas querem mesmo. E dar prazer a uma mulher é muito mais difícil e complexo. Para dar prazer a uma mulher, e com isso encantá-la a ponto de ela te amar, você tem que fazer muito mais do que pôr um pneu no carro, do que pôr dinheiro em casa, pôr o carro na vaga estreita. Só pôr não basta, se é que você me entende. 
Agora veja o diálogo:
ELE: O que você quer da vida?
ELA: O mesmo que todos, uma carreira, amor, casamento filhos... e você, o que quer?
ELE: Quero alguém como você.
ELA: (Ri) Por favor...
ELE: O que procura, quem é seu cara perfeito?
ELA: Acima da tudo alguém humilde demais para se achar perfeito
ELE: Eu
ELA: Alguém inteligente, protetor, engraçado
ELE: Inteligente, protetor, engraçado? Eu, eu e eu.
ELA: Romântico e corajoso.
ELE: Eu sou assim.
ELA: Tem um corpo lindo, mas não fica se olhando no espelho
ELE: Tenho um corpo lindo e passo meses sem me olhar no espelho.
ELA: É doce, sensível, gentil e chora na minha frente.
ELE: Está falando de um homem?
Ela é Rita, produtora de TV. Ele é Phil Connors, o “homem do tempo”da TV. Estão cobrindo um evento folclórico no interior, no qual uma marmota sai da toca e, ao ver ou não sua própria sombra, diz se o inverno acaba ou se dura mais seis semanas. Ela decreta que o inverno vai prosseguir. Acabam presos na cidade por causa de uma nevasca. No dia seguinte Phil, que odeia tudo aquilo e detesta a cidade, acorda e percebe que o dia anterior está se repetindo. Só para ele. Ninguém mais nota isso. Para todos os outros é a primeira vez que ocorre aquele dia. E o mesmo acontece, dia após dia, centenas e centenas de vezes. O filme é Feitiço do Tempo, um daqueles que o tempo transforma em clássico, e o tempo não faz isso com qualquer filme, não.
No começo, Phil se irrita muito, afinal, para ele foi um dia horrível. Mas os dias se repetem tantas vezes que ele percebe que pode fazer o que quiser, que não haverá conseqüências, já que o dia seguinte começará na manhã anterior ao que quer que faça. Todos os dias começam com a filmagem do “Dia da Marmota”, seguindo para um café com Rita, por quem se apaixona. Resolve conquistá-la e faz de tudo para isso, inclusive preenchendo os requisitos (aquilo foi um questionário – agora você sabe). Mas é difícil, afinal, ele parece descobrir que como pessoa ele é um marmota (por sinal, o nome original do filme é o dia da marmota).

Phil faz o que pode, a cada dia chega mais perto de Rita, mas perde tudo no dia seguinte, afinal, todos os dias começam com ela, meiga e sensível, detestando o egoísta e arrogante Phil. Ele sempre terá apenas um dia para transformar ódio em amor. Até chega perto, mas sempre falta alguma coisa, e quando avança o sinal, sempre toma um tapa na cara (para ela é um só tapa, mas para ele são dezenas). Para conquistá-la, falta alguma coisa que ele não sabe o que seja. Phil é o sensacional Bill Murray, ator fantástico e econômico que, ao melhor estilo Peter Sellers, não precisa de caretas e micagens para fazer rir.

O brilhante roteiro mostra, sem dizer, que os dias se repetem centenas de vezes. Por exemplo, quando ele resolve aprender a tocar piano e os dias passam, até que ele vira um exímio pianista, escultor, passa a conhecer a vida de todos os habitantes da cidadezinha. Mas os saltos nos dias são cuidadosos: para que saibamos que é novamente o mesmo dia, os sinais se repetem: o relógio despertando com a mesma música, o café da manhã, um antigo colega de escola. Quando assimilamos os códigos e entendemos a repetição dos dias, o filme insere novos códigos, todos tão bem feitos que acompanhamos com tranqüilidade. Mais do que isso, com prazer. As descobertas de Phil sobre como utilizar aquela situação em benefício próprio são hilariantes. Além disso, não há explicação sobrenatural para aquilo, não tem maquininha, nem raios, nem uma carta de baralho oriental, nem um cara estranho numa loja que diz a Phil que ele tem que melhorar.
Mas como acaba? Phil conquistará Rita? Ele vai se livrar daquele dia?
Não importa, o filme é mais que isso. Acabei o filme com a sensação de que o amor requer tempo, que o amor é o que faz a vida valer à pena, apesar de toda a dor que causa, dor que faz a gente querer se matar muitas vezes (mas não podemos nos matar, porque amanhã, ao contrário dos dias de Phil, será o dia seguinte e acordaremos mortos, ou melhor, não acordaremos).

O amor faz com que nós, homens, ao tentar conquistar uma mulher de verdade, sejamos realmente mais do que instaladores de aparelhos de som.

Por deixar isso tão claro, com tanta graça, prazer, suavidade e elegância Feitiço do Tempo é sublime... como o amor.


"Eu, que não sabia que o amor requer vigília..." (Raduan Nassar, em Lavoura Arcaica)

2 comentários:

Anônimo disse...

"Acabei o filme com a sensação de que o amor requer tempo, que o amor é o que faz a vida valer à pena, apesar de toda a dor que causa, dor que faz a gente querer se matar muitas vezes (mas não podemos nos matar, porque amanhã, ao contrário dos dias de Phil, será o dia seguinte e acordaremos mortos, ou melhor, não acordaremos."

Tio Moa disse...

Só pra esclarecer: no filme, Phil, desiludido com sua incapacide de conquistar Rita, se mata várias e várias vezes...

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